Por Alex Ribeiro, Valor — São Paulo
29/09/2022 10h42 Atualizado há 22 horas
Setores do mercado financeiro estranharam as estimativas do Banco Central para a evolução do nível de ociosidade da economia apresentadas no Relatório de Inflação, divulgado nesta manhã, que para muitos aparentam excessivamente otimistas.
A ociosidade da economia é a principal força que o Banco Central conta para baixar a inflação para as metas nos próximos anos. Portanto, é crucial para calcular a dosagem correta dos juros básicos, hoje em 13,75% ao ano.
O Banco Central estava alerta sobre os questionamentos dos economistas do mercado sobre o grau de ociosidade da economia. Por isso, apresentou duas projeções de inflação com cenários diferentes para a ociosidade na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada na terça-feira.
Um dos cenários supõe que há ociosidade na economia neste terceiro trimestre e outro assume que não há ociosidade nenhuma. Esses exercícios mostram que não há muita importância se, atualmente, a economia opera ou não com ociosidade. Em ambos, a inflação projetada fica ao redor da meta em 2024, de 3%, ano que vem ganhando cada vez mais importância nas decisões de juros do Copom.
No cenário com ociosidade em setembro deste ano, o BC estima uma inflação de 4,6% em 2023 e de 2,8% em 2024. Sem ociosidade, sobe para respectivamente 4,9% e 3%.
Hoje, no Relatório de Inflação, o Banco Central abriu os números utilizados nas suas projeções, que deixaram o mercado ainda mais intrigado. O Copom vê uma ociosidade considerável no terceiro trimestre deste ano, de 1,2%, e maior ainda para o quarto trimestre, de 1,6%.
É bem mais do que o mercado financeiro prevê. O questionário pré-Copom, que pergunta as estimativas dos especialistas às vésperas da reunião do colegiado, aponta uma ociosidade de 0,3%. O BC está isolado com sua estimativa, já que 75% dos analistas estimam a ociosidade para dezembro de 2022 em 0,9% ou menos.
O que chama a atenção nas estimativas do Banco Central é que, independentemente do ponto de partida, a ociosidade vai aumentar bastante no ano que vem. Assumindo a hipótese de que a ociosidade seja de 1,2% no terceiro trimestre, ela vai abrir para 2,1% no fim de 2023. Se o ponto de partida for uma ociosidade zero no terceiro trimestre, ainda assim ela vai aumentar para 1,9% no fim de 2023.
Essa abertura da ociosidade da economia ao longo de 2023 seria uma força desinflacionária grande e, aparentemente, explicaria porque o índice de preços caminharia para a meta em 2024 nas projeções do BC, independentemente do ponto de partida da economia no terceiro trimestre de 2022.
O mercado financeiro também projeta uma abertura do grau de ociosidade no ano que vem, mas bem menos pronunciada do que o Banco Central. O consenso da pesquisa pré-Copom é uma ociosidade de 0,7% ao fim de 2023, e 75% dos analistas econômicos dizem que não será maior do que 1,8%.
Ao tomar conhecimento dos dados do Relatório de Inflação, os analistas econômicos ouvidos pelo Valor não sabiam responder ao certo a intuição econômica por trás das estimativas de ociosidade do Banco Central.
A economia vem crescendo acima do esperado pelo BC e pelo mercado, por isso é natural que a ociosidade venha se estreitando. O próprio Banco Central projeta para o ano que vem uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB) de 1%, mais alta do que o mercado, que estima 0,5%.
Uma das explicações possíveis para haver tanta ociosidade da economia no ano que vem é que as contas do Banco Central considerem um aumento forte da oferta agregada, ou seja, da capacidade produtiva do país.
Quando trata da atividade econômica, o Banco Central diz que a economia opera cerca de 1,4% abaixo da sua linha de tendência de crescimento de antes da pandemia, considerando a média de 2017 a 2019. Isso poderia ajudar a entender porque o BC vê, no momento atual, mais capacidade ociosa do que o mercado.
Mas isso não explica muito do porquê o Banco Central vê uma abertura da capacidade ociosa tão grande daqui para adiante, mesmo com uma expansão do PIB mais forte do que a estimada pelo mercado.
Ninguém sabe ao certo, mas pode ser que o Banco Central veja uma expansão mais forte do chamado PIB potencial, ou seja, a capacidade de a economia se expandir sem acelerar a inflação. Isso pode estar ligado a uma visão otimista do BC sobre os efeitos das reformas, que permitiriam a economia crescer mais e trabalhar com uma taxa de desemprego menor.
Se de fato essa visão mais otimista do Banco Central, em descompasso com o consenso de mercado, é ruim para a credibilidade da política monetária e para a ancoragem das expectativas de inflação. Ela sugere que o BC trabalha com uma desinflação com menos dor e, portanto, os juros podem cair mais cedo do que todo mundo espera.
Um especialista diz que a discussão sobre a intuição dos cálculos do Banco Central não é trivial, porque os modelos com que a autoridade monetária trabalha são estatísticos e endógenos. É como fazer uma receita um liquidificador, em que os economistas colocam às cegas vários ingredientes, e não sabem ao certo qual deles causou o gosto final.
Fonte: Valor Econômico

