O Banco Central reconheceu que o cenário internacional está “menos adverso” e que a os núcleos de inflação “se aproximam da meta”, mas mesmo assim decidiu não sinalizar uma aceleração no ritmo de corte de juros, pelo menos nas duas próximas reuniões. Como explicar?
O Comitê de Política Monetária (Copom) estabeleceu requisitos muito altos para fugir do atual ritmo de corte, de 0,5 ponto percentual por reunião (desta vez, baixou de 12,25% ao ano para 11,75% ao ano). Seria preciso uma melhora substantiva, que indique uma mudança para muito melhor na dinâmica da inflação, para cortes mais fortes.
O comitê tem mencionado, por exemplo, uma abertura contundente do hiato do produto ou uma completa mudança na dinâmica da inflação de serviços. Essa frase deixou de constar explicitamente da ata do Copom, mas não perdeu a validade. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, explicou em um evento do Valor e de “O Globo” que ela foi excluída apenas porque o recado havia sido completamente assimilado por todos.
A realidade é que o comunicado do Copom de hoje reconhece apenas uma melhora parcial do cenário, não uma mudança da dinâmica. A melhora da inflação corrente não foi suficiente para baixar de forma significativa as projeções de inflação. Apesar de o ambiente externo ter ficado “menos adverso”, o balanço de riscos para a inflação continua dando pesos iguais para riscos altistas e baixistas para a inflação.
O Copom reviu para baixo, de 3,6% para 3,5%, a sua projeção de inflação para 2024. Nesse caso, a melhora foi sobretudo devido à perspectiva de reajustes um pouco menos salgados para tarifas públicas – a previsão oficial recuou de 5% para 4,5%. Já a projeção para a inflação cheia em 2025 ficou na mesma, em 3,2%.
No fim, a inflação projetada pelo Copom segue acima da meta de 3% definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Mais uma vez, no comunicado de hoje, o Copom afirma que vai manter a política monetária contracionista para assegurar o comprimento das metas e também para garantir uma reancoragem completa das expectativas. Isso coloca em risco o cenário projetado pelo mercado de uma Selic de 9,25% ao fim de 2024.
Por que a queda da inflação corrente, sobretudo dos núcleos, não levou a uma queda maior das projeções do Banco Central? Aparentemente, porque essa queda está correndo conforme o previsto pelo Copom. O diretor de política econômica do BC, Diogo Guillen, disse num evento há cerca de dez dias que a evolução desses preços tem ocorrido da forma prevista pelos modelos de projeção da autoridade monetária.
Mesmo com a projeção de inflação mais ou menos estável, o Copom poderia ter sinalizado cortes de juros maiores ou uma taxa mais baixa ao fim do ciclo de distensão, se seu balanço de riscos para a inflação tivesse passado a pender para o lado positivo. Por que o balanço segue assimétrico, se o cenário internacional está menos adverso?
O Copom tem mantido uma dose de coerência na avaliação de seu balanço de riscos. Quando o ambiente internacional piorou, a autoridade monetária não passou a descrevê-lo como assimetricamente negativo, ou seja, pendendo para os riscos altistas para a inflação.
Naquele período, o Banco Central disse, apenas, que via um balanço de riscos com caudas mais gordas. Ou seja, com riscos aumentados de a inflação tanto ficar acima do projetado no cenário central como de ficar abaixo. Agora, provavelmente, a distribuição passou a ter caudas menos gordas. Nos dois momentos, os riscos se equilibravam.
Em resumo, as notícias no campo da inflação são boas, mas em grande medida tem ocorrido de uma forma mais forte, a ponto de fazer o Copom abandonar a sua estratégia cautelosa de baixa de juros.
Fonte: Valor Econômico

