O tão previsto uso do comércio exterior como arma para pressionar adversários parece, enfim, ter chegado. A rivalidade entre EUA e China e a invasão da Ucrânia pela Rússia politizaram o comércio em um grau que não se via desde a Guerra Fria. Não se trata apenas de governos tentando cada vez mais bloquear o acesso de rivais geopolíticos a tecnologias militares delicadas. As grandes potências do comércio exterior também têm restringido as exportações de materiais cruciais e tentado impedir adversários de vender as próprias commodities no exterior.
Ainda assim, só porque os governos estão dispostos a impor restrições às exportações e sanções comerciais, isso não significa que elas funcionem. Os controles impostos por Pequim a minerais críticos, as sanções do clube G-7 de países ricos encabeçadas pelos EUA ao petróleo russo, o plano da Rússia de coagir a Europa Ocidental cortando o fornecimento de gás foram, todas, tentativas que causaram alarme, mas nenhuma teve sucesso em incapacitar os alvos. Os governos não conseguem exercer controle suficiente sobre a demanda mundial para sufocar o comércio internacional e as cadeias de suprimentos são ágeis, às vezes ilicitamente, de forma que os usuários finais acabam encontrando alternativas.
Em julho, a China gerou muita discussão sobre o uso das commodities como arma ao restringir as exportações de gálio e germânio, dois minerais usados em chips e outras aplicações de alta tecnologia, dos quais ela é responsável pela maior parte da oferta mundial. Os fabricantes europeus em particular ficaram genuinamente alarmados, mas até agora o impacto não tem se mostrado devastador. Os preços subiram, mas não a níveis estratosféricos em termos históricos. Os dois minerais representam apenas uma pequena parte dos custos dos fabricantes com insumos — o Serviço Geológico dos EUA informa que apenas US$ 36 milhões de germânio foram usados nos EUA em 2021 — e o mineral pode, se necessário, ser produzido em outros países. Talvez ciente disso, a China começou a suspender as restrições no fim de setembro.
De forma similar, em 2022, Vladimir Putin restringiu as vendas de gás do país, mas não conseguiu incapacitar a indústria na Europa Ocidental nem deixar seus lares vulneráveis ao frio do inverno para que se submetessem a seus planos para a Ucrânia. A Alemanha surpreendeu ao passar a usar rapidamente gás natural liquefeito (GNL) e ao reduzir o consumo de energia. Sofreu um incômodo choque no fornecimento de energia, mas não o suficiente para intimidar o governo de Olaf Scholz a desistir de apoiar o esforço de guerra de Kiev.
A capacidade de Putin de usar as fontes de energia como instrumento de chantagem foi enfraquecida de forma permanente e, na verdade, saiu pela culatra: por ser um combustível enviado por gasodutos, o fornecimento de gás natural não pode ser facilmente desviado a outro lugar. A Europa perdeu seu principal fornecedor, mas Putin perdeu seu melhor cliente. Se você tenta algo contra seu único comprador, é melhor não errar.
As tentativas, há um ano, do G-7 e da União Europeia de sufocar as receitas russas provenientes da exportação de petróleo, por meio da imposição de um limite de preço de US$ 60, tiveram sucesso no início e reduziram o preço internacional do petróleo russo para uma faixa de US$ 30 a US$ 40 por barril. Mas, como o “Financial Times” noticiou, a eficácia diminuiu ao longo do tempo, pois a Rússia desenvolveu uma “frota paralela” de operadores marítimos para driblar os controles. A Escola de Economia de Kiev estima que 99% das exportações de petróleo russo por via marítima foram vendidas a mais de US$ 60 por barril em outubro, sendo que mais de 70% das vendas se deram por meio de navios e provedores de serviços não pertencentes ao G-7.
O G-7 e a UE simplesmente não são partes grandes o suficiente da economia mundial para sufocar as vendas de petróleo da Rússia. Em grande medida, os países de renda média ignoraram a conclamação de Washington para que o limite de preço fosse adotado. E, ao contrário das esperanças na Europa e nos EUA, o limite e outras sanções parecem não ter prejudicado tanto a posição de Putin entre o público russo.
Controles de exportação trazem consigo as sementes da própria destruição, assim como ocorre com os cartéis de produtores e as tentativas de bloquear as rotas de tráfico de drogas. Mecanismos de mercado e governos altamente motivados trabalham para enfraquecê-los, ainda mais no caso de commodities genéricas como o petróleo. Preços mais altos incentivam o contrabando e a fraude, assim como uma maior oferta e inovação.
A ameaça implícita de Pequim de cortar as exportações de terras-raras para o Japão durante uma disputa diplomática no início da década de 2010 — embora não esteja claro se realmente foi levada adiante — elevou os preços de início, mas teve o efeito enfraquecido pelo contrabando que saía da China e pela abertura de minas em outros países.
Controles de exportação também incentivam a pesquisa e desenvolvimento rival em tecnologias especializadas patenteadas e em commodities. A atual escassez de lítio para baterias elétricas estimulou avanços na criação da tecnologia de íon de sódio. Em agosto, para consternação dos EUA, a empresa de telecomunicações chinesa Huawei surpreendeu ao lançar um modelo de telefone celular equipado com chips avançados que ela aparentemente desenvolveu na própria China, apesar das sanções tecnológicas americanas. (Alguns especialistas em comércio exterior mais antenados já haviam previsto que isso poderia ocorrer.)
Os governos poderiam ter estudado a história e aprendido que restrições comerciais frequentemente só funcionam de forma parcial e não conseguem virar a opinião pública contra o governo sob sanção. O embargo comercial americano a Cuba em vigor desde 1962, sem dúvida, prejudicou o crescimento da economia cubana, mas também forneceu ao governo comunista uma desculpa para o persistente fraco desempenho econômico.
Os controles sobre as exportações de petróleo iraquiano após a invasão do Kuwait por Saddam Hussein em 1990 não puseram fim a seu domínio sobre o país. As sanções contra a África do Sul do apartheid podem ter influenciado a precipitação da crise financeira que deu início ao fim daquele regime diabólico, mas as evidências são ambíguas.
Isso, porém, não significa que todas as restrições às exportações sejam inúteis. Os bloqueios às exportações de tecnologia militar para a Rússia prejudicaram, sem dúvida, sua capacidade militar e o controle dos EUA sobre o sistema internacional de pagamentos em dólares é uma ferramenta poderosa.
No entanto, as tentativas de controlar o fornecimento de commodities precisam confrontar-se com um cenário geopolítico fragmentado, no qual muitos países de renda média estão dispostos a negociar com qualquer um e no qual os operadores de cadeias de abastecimento são tortuosos e sigilosos o suficiente para driblar controles. Os governos, sem dúvida, vêm tentando usar o comércio internacional como arma, mas até agora seus arsenais causaram poucos ferimentos fatais.
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Porto em Xangai, China — Foto: Nelson Ching/Bloomberg
Fonte: Valor Econômico

