Por Michael Stott, Financial Times
08/12/2022 17h40 Atualizado há 13 horas
A tentativa de golpe do agora ex-presidente do Peru Pedro Castillo foi tão incompetente quanto suas tentativas de governar o país. Uma hora após ordenar, na quarta-feira, o fechamento do Congresso para governar por decreto, o professor de escola primária rural e sua família haviam fugido do palácio presidencial em Lima.
Quase ninguém apoiou a ousada tentativa de tomada do poder, nem o próprio Gabinete de Castillo (que logo renunciou), nem o Exército, nem a polícia. Em poucas horas, o presidente de extrema esquerda estava preso, e a vice-presidente, Dina Boluarte, foi empossada — o sexto presidente do Peru em pouco mais de quatro anos.
Muitos peruanos respiraram aliviados após o grande drama do dia, rezando para que o desfecho significasse uma trégua, ainda que breve, nas constantes turbulências políticas que atingem a nação andina produtora de cobre. O comércio continuou aberto, e as empresas mal perderam o ritmo.
Se Castillo esperava imitar Alberto Fujimori, o presidente peruano que conseguiu com sucesso fechar o Congresso em 1992 e governou por decreto por outros oito anos, ele se esqueceu de dois detalhes fundamentais. O primeiro foi o apoio popular: Fujimori tinha um índice de aprovação alto quando encenou o que ficou conhecido como “autogolpe”. O segundo foi enviar os tanques junto com a suspensão da Constituição.
O caos e a incompetência atormentaram o governo de Castillo desde o começo. Eleito no ano passado com a promessa de “não haver mais pobres em um país rico”, promotores dizem que Castillo e seu círculo mais próximo, dominado pela família, rapidamente começaram a cumprir essa promessa — mas para si mesmos.
Em outubro, a promotoria acusou Castillo de comandar uma “organização criminosa” dentro da Presidência para obter propinas em contratos públicos. A esposa do presidente, sua cunhada e dois sobrinhos foram todos implicados. Eles negam as acusações.
As alegações de suborno não são novidade na política peruana. Muitos dos líderes anteriores do país e uma grande parcela de seus parlamentares também foram acusados de estarem envolvidos em esquemas de fraudes. Analistas afirmam que Castillo só durou todo esse tempo porque o Congresso é ainda mais odiado do que ele.
Dina Boluarte deverá agora tentar reunir uma maioria parlamentar para governar até o fim do atual mandato presidencial, em 2026. Advogada, ela é um enigma para muitos peruanos, tendo mantido distância de Castillo e evitado o debate público.
O Congresso poderá apoiar seu governo por enquanto, por autopreservação. O Peru proíbe os parlamentares de se candidatarem novamente, e seus salários generosos são um poderoso desincentivo ao voto por eleições antecipadas.
“Será muito difícil para Boluarte formar uma maioria no Congresso, e essa é a principal incógnita no momento: como ela conseguirá ficar no poder?”, diz o cientista político Gonzalo Banda. “Por enquanto, acho que o Peru Livre [o partido dela e de Castillo] vai apoiá-la, mas, quando houver os primeiros atritos veremos se manterão o apoio.”
Mesmo se seu governo se mostrar mais competente e duradouro que o de Castillo (um nível baixo de comparação), a chegada de Boluarte não consertará o falido sistema político peruano.
Para isso, é preciso uma reforma política. O Peru está sofrendo com o legado da Constituição autoritária de Fujimori: tem um presidente com poderes para dissolver o Congresso (unicameral) se seu candidato a primeiro-ministro perder dois votos de confiança. Igualmente absurdo é o Congresso ter o poder de depor o presidente eleito com base em “incapacidade moral” — uma frase que pode significar praticamente qualquer coisa.
“A instabilidade do sistema político está estabelecida”, observa o analista político Alberto Vergara. “Continuaremos tendo episódios como o de quarta-feira enquanto tivermos um sistema corrupto, disfuncional e medíocre.”
Não está claro se Boluarte tem estômago e capacidade para realizar uma grande reforma política. Enquanto isso, um “outsider” autoritário poderá tentar tomar o poder, embora isso pareça improvável diante da preferência claramente demonstrada pelo Exército pelas soluções constitucionais.
É cada vez mais óbvio que o desempenho macroeconômico do Peru nas duas últimas décadas, que tem desafiado as crises, não durará muito mais, a menos que questões políticas sejam resolvidas. O Banco Central independente e o Ministério das Finanças tecnocrata não podem fazer milagre.
Fonte: Valor Econômico

