Por Valor — Financial Times
30/07/2023 14h41 Atualizado há 18 horas
Os seres humanos têm o desejo inato de classificar e categorizar o mundo a seu redor. O economista Antoine van Agtmael não é exceção. Em 1981, no Banco Mundial, ele cunhou a frase “mercados emergentes”, como uma alternativa mais aspiracional ao termo “terceiro mundo”. Desde então, o rótulo se tornou sinônimo de uma miscelânea de países de alto crescimento cujas perspectivas de investimento são consideradas mais arriscadas que as dos “mercados desenvolvidos”. Embora a troca de marca tenha sido bem-sucedida, o termo generalista acabou se tornando pouco útil para economistas e investidores.
Os mercados emergentes, donos da maior parte da população mundial, não são um grupo homogêneo. Consistem em países dinâmicos e altamente diversos, em diferentes estágios de desenvolvimento — e a sua composição sofreu altas mudanças desde a popularização do termo. Por exemplo, os crescimentos vertiginosos da China e da Índia — cuja contribuição para o crescimento mundial aumentou em 20 pontos percentuais dos anos 1980 para os 2000 — as tornam casos particularmente excepcionais quando comparadas a outros emergentes.
Os recentes choques internacionais também evidenciaram a diversidade econômica entre os emergentes. Em termos de política monetária, os bancos centrais da América Latina e da Europa emergente foram particularmente agressivos na elevação de juros para combater a inflação após a pandemia e a guerra na Ucrânia. De forma prudente, alguns emergentes também acumularam reservas internacionais e emitiram mais títulos de dívida em moeda local, ficando menos vulneráveis à dinâmica das crises.
Os voláteis mercados de commodities também distinguiram os exportadores líquidos de energia dos importadores, assim como os países cujas reservas estão em níveis críticos. As tensões entre o Ocidente e a China também vêm causando impactos econômicos distintos, dependendo da geografia e das relações diplomáticas.
De fato, os efeitos da liberalização do comércio exterior desde a década de 1990 ajudaram a maioria dos emergentes a decolar, mas os da próxima fase da globalização, que parece ser marcada pelo aumento do protecionismo e do “friend-shoring” [terceirizar a produção em países amigos], deverão ser mais diferenciados.
Essa diferenciação torna o termo “mercados emergentes” cada vez menos adequado para análises macroeconômicas e de investimento. O rótulo generalista pode camuflar riscos e oportunidades. Por exemplo, a narrativa sobre a resiliência econômica mostrada pelos emergentes — que deram menos calotes de dívida como consequência da pandemia do que se previa — traz o risco de que se subestime a importância de pontos de vulnerabilidade ainda existentes. A Turquia carece de reservas internacionais, os custos do serviço da dívida do setor privado no Brasil e na China são preocupantes, e a Tunísia e o Paquistão estão no limite.
Além disso, a dicotomia emergentes/desenvolvidos ou outros rótulos de agrupamentos regionais também é levada em conta pelos mercados financeiros. No entanto, os investidores gostariam de apostar em países que tenham mais chances de se beneficiar de novas tendências, como a corrida por minerais críticos e as estratégias “China mais um” para as cadeias de suprimentos, de não depender apenas dos chineses como fornecedores.
Na verdade, valer-se de uma abordagem país a país ou setor a setor para desagregar os investimentos entre os emergentes, sejam em títulos de dívida, ações ou ativos alternativos, como projetos de infraestrutura, poderia ajudar os investidores a obter melhores retornos e permitir que os países em desenvolvimento atraiam mais capital. Nesse sentindo, será importante ter acesso a dados confiáveis de cada país.
Surgiram várias tentativas de popularizar outros rótulos de agrupamentos. O grupo dos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) talvez seja o mais conhecido. Também estão as “economias emergentes que liderarão o crescimento”, conhecidas pelo acrônimo em inglês “Eagles” (águias). Poucos desses rótulos têm se mostrado úteis, em vista das grandes diferenças econômicas em termos de comércio exterior, crescimento e abertura financeira.
Os critérios de definição também variam. Os índices de investimento se baseiam mais em métricas sobre o grau de acesso ao mercado, enquanto as instituições econômicas preferem números macroeconômicos. Em parte, é por isso que, por exemplo, a Coreia do Sul é considerada uma economia avançada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), mas está incluída no grupo de emergentes do índice MSCI.
O mundo em desenvolvimento não se enquadra facilmente em uma única categoria. E, em uma economia global golpeada por inúmeras crises e turbulências geopolíticas, há vantagens ainda maiores para os economistas e investidores que consigam fazer diferenciações entre esses países. Talvez seja hora de aposentar de vez o rótulo “mercados emergentes”.
Fonte: Valor Econômico

