Por Alex Ribeiro, Valor — São Paulo
05/10/2023 13h54 Atualizado há 18 horas
O diretor de política monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse em evento nesta quinta-feira que a queda da inflação sem as dores provocadas pela perda de crescimento econômico pode ser um fenômeno com raízes globais, e não algo apenas brasileiro.
Sua avaliação entra em conflito com uma tese muito popular dentro do próprio Banco Central, que ainda está sob avaliação para ver se vai se confirmar, de que a inflação pode ter caído sem a esperada perda de atividade econômica porque as reformas econômicas dos últimos anos podem ter ampliado o nosso PIB potencial.
Galípolo também mostrou ceticismo sobre uma outra tese recente levantada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que os grandes déficits nos Estados Unidos fizeram com que os investidores adicionassem um prêmio de risco de default na curva de juros americanos.
Sobre as causas da inflação sem dores, o diretor do Banco Central lembrou que esse não é um fenômeno apenas brasileiro. Outros países estão também assistindo o mesmo processo, com desinflação sem aumento de desemprego e, em geral, também estão buscando explicações domésticas. Ele citou, em particular, o Canadá, onde se discute o papel que os novos imigrantes podem ter tido para baixar a inflação sem os custos esperados em termos de atividade econômica.
Segundo ele, quando os economistas se deparam com um resultado não esperado, em geral buscam explicações nas chamadas variáveis não observáveis. Uma delas é o PIB potencial, justamente a capacidade de a economia crescer sem pressionar a inflação. Esse é um conceito um tanto abstrato, que pode ser apenas estimado, não medido diretamente.
Outra explicação “brasileira” para a queda da inflação citada por Galípolo foi a supersafra agrícola, que pode ter ajudado a reduzir os reajustes de preços.
“Vários países estão passando por situações similares às nossas e todos buscando explicações mais domésticas, o que me leva a algum tipo de desconfiança”, disse Galípolo, no Fórum GRI de Fundos Imobiliários. Sem detalhar de forma concreta o que seriam essas causas globais da desinflação, ele citou que a economia mundial sofreu vários choques, como a expansão quantitativa patrocinada pelo Fed (Federal Reserve, o banco central americano), a pandemia da covid-19 e a guerra da Ucrânia.
O próprio Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, do qual Galípolo é um integrante, levantou na sua última reunião a possibilidade de um PIB potencial maior, depois de todas as reformas liberais desde o governo Temer, como a trabalhista. Mas o colegiado indicou que seria preciso observar vários trimestres de inflação ligada ao ciclo econômico surpreendendo para baixo para se certificar de que isso está mesmo ocorrendo.
Sobre a alta dos juros dos títulos americanos, Galípolo contrariou a tese de que os investidores estão colocando um prêmio de risco para o default em razão da sequência de déficits públicos nos Estados Unidos.
O debate, na essência, é sobre se a alta dos juros americanos coloca alguma espécie de piso para a baixa da taxa Selic no Brasil. Alguns economistas dizem que, se a diferença de juros entre Brasil e Estados Unidos se estreitar muito, haverá uma fuga de capitais do país – pressionando a taxa de câmbio e, por tabela, a inflação.
Campos Neto levantou a tese de que, além do diferencial de juro, há o diferencial de riscos. Uma parte da história é o risco Brasil e a outra é o risco americano: “Existe uma pergunta se a alta de juros americanos vai ser mais persistente ou menos persistente. Nesse componente de alta, também existe [a discussão sobre] um elemento de aumento de prêmio de risco dos Estados Unidos. Ou seja, alguma coisa relacionada ao fiscal”.
Já Galípolo lembrou, no evento desta quinta-feira, que os juros americanos são uma taxa livre de risco, e toda a teoria financeira se apoia nisso. “Vocês fazem os modelos partindo de uma taxa livre de risco. Qual é? A americana. Se precisar agora colocar um risco de default, o que significa a taxa livre de risco?” Ele disse, em tom de brincadeira, que muitos manuais de economia e finanças teriam que ser reescritos.
Para ele, a pressão nos preços dos títulos americanos não está ligada ao risco de default, mas ao fato de que o Tesouro tem que colocar mais papéis, pressionando os custos de financiamento.
Qual é a implicação das opiniões de Galípolo para a execução da política monetária? Não deve ter muita influência prática, mas no geral as visões são do lado mais conservador.
Um eventual aumento do PIB potencial é citado por quem acha que há capacidade ociosa na economia para baixar a inflação e, portanto, a política monetária não precisa ser tão rigorosa.
A sua visão sobre o que está por trás da alta dos juros americanos também é inclinada para o lado conservador. Se os títulos americanos embutissem algum prêmio de risco para default, isso significaria que o risco fiscal brasileiro seria relativamente menos alto.
Fonte: Valor Econômico

