O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central procurou, mais uma vez, mostrar um certo grau de coesão numa linha conservadora a ser adotada de agora em diante, depois de uma votação rachada em que membros apontados pelo governo Lula votaram por menos juro. A questão: será que desta vez vai funcionar?
É uma linha parecida com a de agosto do ano passado, quando o Copom começou a reduzir os juros. Na ocasião, saiu vencedor um corte de taxa mais forte que o esperado, de 0,5 ponto percentual. Mas o comitê como um todo se fechou na estratégia de seguir com o mesmo ritmo de distensão, sem acelerar.
No dia seguinte àquela decisão, o mercado financeiro reagiu muito mal, num azedume que foi potencializado por sinais mais conservadores do Banco Central americano. Levou várias semanas para o BC convencer o mercado de que o dissenso havia sido restrito a uma reunião, e que todos estavam fechados numa estratégia cautelosa de distensão monetária.
Desta vez, a vertente que ganhou foi a mais conservadora, com uma baixa de 0,25 ponto percentual, de 10,75% ao ano para 10,5% ao ano. Mas a corrente perdedora, que queria um corte de 0,5 ponto, é formada exclusivamente por integrantes indicados pelo governo Lula. Em janeiro, esse grupo se torna dominante, com a nomeação de dois novos membros, incluindo o substituto do atual presidente, Roberto Campos Neto.
Aparentemente, mais uma vez o Copom quer passar a mensagem de que a discordância se resumia a uma reunião. “O comitê, unanimemente, avalia que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior cautela”, diz o comunicado.
Logo em seguida, mais uma mensagem dura: “O Comitê também reforça, com especial ênfase, que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.
Nesse segundo trecho, não está escrito que a posição é de todos os membros. Mas é bem provável que seja, caso o BC não tenha mudado a forma de comunicar as suas decisões. Campos Neto disse em mais de uma oportunidade que, nos comunicados, entra apenas o que for consensual entre os membros.
Todos eles — é provável — também devem ter subscrito o que parece ter sido uma revisão do cenário inflacionário. O comunicado da reunião deixa de trazer uma frase do anterior, que dizia que o cenário-base não havia se alterado substancialmente.
De fato, as projeções de inflação mostram que algo mudou. A inflação projetada para 2025, ano em que o BC deveria estar 100% focado em cumprir a meta, subiu de 3,2% para 3,3%. Mas note que a projeção subiu apesar de, na projeção condicional, ter sido usada uma taxa Selic mais alta.
Em março, o Copom usava uma trajetória de queda de juro do boletim Focus que colocava a Selic em 9% ao ano ao fim de 2024. Agora, trabalha com uma taxa básica de 9,63%. Em março, o recado era que, se o juro caísse a 9%, a meta de 3% não seria cumprida. Agora, menos ainda.
A conclusão, a julgar apenas pelas projeções, é que o ciclo teria que terminar com uma Selic mais perto de dois dígitos para que a meta de inflação fosse cumprida em 2025. Numericamente, só ficaria em um dígito se o BC alongasse o prazo de convergência da inflação para a meta.
Um outro recado duro do Banco Central foi reconhecer que as expectativas de inflação estão desancoradas, sem gradação. Até o encontro de março, o Copom vinha dizendo que havia uma desancoragem parcial.
O desafio do Banco Central será evitar nova deterioração das expectativas. Será preciso convencer o mercado de que todos os membros, independentemente de serem ou não indicados pelo governo Lula, estão fechados daqui por diante numa estratégia mais conservadora para lidar com um cenário inflacionário que se deteriorou. O comunicado faz o primeiro esforço, mas será preciso mais.
Só na ata do Copom, na semana que vem, será possível saber por que os membros dissidentes votaram como votaram. Uma hipótese é que, mais que uma divergência na estratégia de política monetária em si, tenha havido uma discordância na forma de conduzir o “guidance” de corte de 0,5 ponto feito na reunião de março, que foi reformado no meio do caminho sem que todos os membros do Copom tivessem sido consultados.
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fonte: valor econômico
