Por Adriana Cotias — De São Paulo
25/08/2022 05h03 Atualizado há 13 minutos
Em pleno período de juros em dois dígitos e com os investidores em massa na renda fixa, o movimento do Bradesco com a BV DTVM para criar uma gestora de recursos apartada da estrutura do bancão marca um novo capítulo para o segmento no mercado brasileiro. A associação parece emular um movimento que o Itaú fez 15 anos atrás, quando comprou as operações do BankBoston no Brasil, observa um executivo que fez carreira no setor.
O banco topou incubar uma empresa de investimentos liderada por Marco Verri, que era o vice-presidente da área de mercado de capitais do grupo americano. Surgiria assim a Kinea, em que o Itaú detém 80% de participação e que reunia R$ 66,5 bilhões ao fim de julho, ocupando o 14º lugar no ranking da Anbima, entidade que representa o mercado de capitais e de investimentos. É mais do que a BV Asset traz para a nova gestora em sociedade com o Bradesco, com R$ 41 bilhões.
Com a fatia de 51% na nova empresa, em que vai ter maioria no conselho de administração, o Bradesco ganha um atalho para entrar no universo dos alternativos, com fundos imobiliários, crédito estruturado e private equity. São áreas sub-representadas na Bradesco Asset Management (Bram), que reunia R$ 545,7 bilhões ao fim de julho, segundo a Anbima. Para se ter uma ideia, em imobiliários, o banco tinha apenas R$ 381,2 milhões, com a parcela em fundos de recebíveis em R$ 7,4 bilhões.
A marca segregada traz mais flexibilidade para o banco adotar um modelo de remuneração diferente. É possível acelerar algumas discussões que numa estrutura mais conservadora esbarrariam nas bonificações de outras áreas. Em geral, nas gestoras de recursos independentes, a fatia variável vem da taxa de performance, um desenho que os grandes grupos financeiros não conseguem replicar.
Em conversa com o Valor, Roberto Paris, diretor do Bradesco, afirma que o novo desenho tem a ver com a estrutura de “partnership”, um arranjo societário que alinha o interesse dos gestores de portfólio e que traz mais agilidade na oferta de produtos alternativos complexos, que demandam aprovações específicas e podem levar mais tempo numa organização mais conservadora.
Na Kinea, como contou Verri ao Valor, em março, na largada foi montado o arcabouço que se mantém até hoje, em que os sócios colocam o capital em risco junto com o banco para pensar no longo prazo. Grande parte dos ganhos fica para as pessoas que estão gerindo o negócio, um desenho para reter talentos porque os profissionais “enxergam a oportunidade de empreender dentro da Kinea” e participam dos resultados de acordo com o seu percentual de gestão.
O plano de negócios traçado para a Kinea foi seguido à risca. A casa começou primeiro com a gestão de multimercados, depois evoluiu para o private equity, fundos imobiliários e, finalmente, crédito e carteiras de infraestrutura. Para além dos alternativos, Bradesco e BV pretendem ter também fundos líquidos na nova gestora.
Embora o Bradesco tenha comprado a BV DTVM, a escolha foi criar conjuntamente uma gestora de recursos, um bicho um pouco diferente do que o negócio de distribuição. Nele, a BV abarcava a asset, a custódia do private banking, com R$ 22 bilhões, e também a atividade de administração fiduciária, uma área em que o Bradesco tem uma operação gigante – são R$ 475,9 bilhões e outros R$ 486,8 bilhões na BEM. As sinergias parecem óbvias, mas ainda não há um destino claro para a cozinha que faz a retaguarda operacional dos fundos e toda a gestão de risco e compliance.
No private banking, o núcleo de clientes originário da base do BV pode ganhar uma oferta mais parecida com o das gestoras de fortunas independentes, em que o investidor tem relacionamento com qualquer outra instituição financeira e o atendimento atua no aconselhamento, não necessariamente detém a custódia. “O cliente do private banking do BV tinha algumas restrições na oferta de serviços e aqui a gente quer dar essa completude, fazer planejamento patrimonial e sucessório, é algo importante para essa base”, diz José Alberto Salvini, diretor executivo do BV.
A oferta de ativos internacionais, a partir do Bradesco US – resultante da aquisição do BAC Florida pelo Bradesco -, foi um dos atrativos para o BV, num momento em que a gestão local e internacional passaram a andar juntas. A sociedade também ganha a distribuição da rede de agências do banco, o canal de assessoria de investimentos digital, e o da corretora Ágora.
Quem acompanha o movimento de fora diz que o nome escolhido para o comando da operação vai dar sinais mais claros se a independência é para valer. Um empresário atendido tanto por uma gestora de fortunas independente quanto pelo private banking de um grande grupo financeiro afirma que, no rodízio dos inúmeros banqueiros que fizeram seu atendimento em mais de duas décadas, a oferta é bastante viciada, cheia de fundos próprios e títulos de dívida originados dentro da instituição.
Fonte: Valor Econômico

