17 Feb 2023
MATHEUS PIOVESANA ALTAMIRO SILVA JUNIOR TALITA NASCIMENTO
Frente a frente com os bancos – seus principais credores –, a Americanas apresentou ontem uma versão considerada repaginada de proposta que, ao longo do último mês, já havia sido rejeitada pelas instituições financeiras. Em resumo, a varejista receberia R$ 7 bilhões de seus três principais acionistas – Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles – e os credores financeiros converteriam outros R$ 18 bilhões que têm a receber em ações, ou seja, virariam sócios da rede de varejo. Além disso, a Americanas recompraria R$ 12 bilhões em dívidas.
Entre os bancos, o clima com a proposta foi de frustração e revolta – houve até representante de banco que deixou a reunião antes do fim. Do lado da companhia, ainda há a perspectiva de algum acordo.
Antes do pedido de recuperação judicial, a proposta do lado da varejista era de que Lemann e os outros dois acionistas de referência injetassem R$ 6 bilhões na empresa, e os bancos, mais R$ 6 bilhões, por meio da conversão das dívidas em capital. Essa proposta foi reformulada: os R$ 7 bilhões propostos ontem incluem R$ 1 bilhão do empréstimo DIP – modalidade de crédito para empresas em recuperação judicial. Na semana passada, a Justiça autorizou a Americanas a tomar estes recursos, e o trio de sócios se comprometeu a colocar R$ 1 bilhão.
CONVERSÃO EM AÇÕES. Já os R$ 18 bilhões da conversão da dívida incluiriam não apenas as instituições financeiras, mas também outros credores financeiros, como os detentores de debêntures (títulos de dívida). Uma parte da conversão se daria via ações, e outra parte, por meio de dívida subordinada, segundo comunicado da Americanas.
A empresa propôs ainda recomprar R$ 12 bilhões da dívida, mas não deixou claro com quais recursos. Hoje, a companhia vive uma situação de caixa difícil. Boa parte dos recursos com os quais a Americanas contava foi capturada por bancos credores e segue, até agora, indisponível para a companhia, seja em posse dessas instituições, seja em depósitos judiciais. O crédito secou. Sem conseguir fazer antecipação de recebíveis de vendas já realizadas, a empresa tem de usar o caixa que resta para negociar mercadorias à vista ou em prazos apertados com fornecedores.
Ou seja, não há R$ 12 bilhões sobrando. Uma possibilidade especulada é de que essa recompra seja feita por meio de algum outro Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) do trio de investidores de referência ou de fundos especializados em comprar dívida com problemas.
‘RETROCESSO’. Entre os bancos que se reuniram com representantes da empresa na manhã de ontem, a proposta gerou revolta – e um deles abandonou a reunião no meio, de acordo com relatos. As conversas foram descritas como tensas. Um executivo, que classificou a proposta como “retrocesso”, disse que um aporte de R$ 7 bilhões “não resolve nada”. A mesma impressão veio de outros bancos, que consideraram, em avaliações feitas reservadamente ao Estadão/Broadcast, que seria impossível negociar com essa proposta. Os bancos querem que o trio de acionistas principais coloque, no mínimo, R$ 15 bilhões na rede de varejo.
Participaram dos encontros de ontem Luiz Muniz, sócio do Rothschild, que está assessorando a Americanas, e Roberto Thompson, sócio da 3G, que representou o trio. A primeira reunião começou às 8h30min, com os principais credores, e durou cerca de duas horas.
Os bancos já separaram R$ 11,3 bilhões para cobrir o rombo da Americanas. Bradesco e Itaú fizeram provisões equivalentes a todos os empréstimos que ainda tinham a receber, ou seja, classificaram a varejista como um cliente que não vai pagar nada. Pela questão do sigilo bancário e de processos judiciais, nenhum banco mencionou o nome da Americanas nos balanços ou nas teleconferências de resultados. No entanto, pelos números trimestrais foi possível ver que o Bradesco fez provisão de R$ 4,9 bilhões para os créditos da Americanas, todo o valor que a rede de varejo deve ao banco. O Itaú Unibanco separou cerca de R$ 2,8 bilhões.
Sem citar a Americanas nominalmente, executivos das instituições qualificaram o caso como fraude em coletivas de imprensa e teleconferências com o mercado nos últimos dias. Eles dizem ainda que, dificilmente, a “inconsistência contábil” de R$ 20 bilhões não seria do conhecimento do trio de acionistas – que negam participação em qualquer irregularidade. Sem acordo, o caso virou uma guerra de processos na Justiça (leia mais nesta página).
Nos bastidores, interlocutores da companhia ainda avaliam que, apesar de dura, a negociação teve avanços e que deve ter novidades em breve.
Expectativa Os bancos querem que o trio de acionistas principais injete na rede, no mínimo, R$ 15 bilhões
Fonte: O Estado de S. Paulo

