Por Nikkei Asia, Valor — Tóquio
03/08/2023 00h43 Atualizado há 14 horas
O aumento global de produção de veículos elétricos ameaça exacerbar a escassez de medicamentos baratos, mas que salvam vidas, no Japão. A crescente demanda por materiais para baterias de veículos elétricos, como o lítio, eleva os preços dos principais ingredientes.
A japonesa Mitsubishi Tanabe Pharma planeja encerrar a produção e as vendas de comprimidos de carbonato de lítio, usados no tratamento de episódios de transtorno bipolar, devido ao risco de escassez futura e aumentos de preço do lítio, apurou o “Nikkei Asia”.
Os comprimidos são um medicamento genérico, uma alternativa mais barata aos produtos farmacêuticos de marca.
A Mitsubishi Tanabe começou a consultar clínicas médicas na semana passada sobre seu plano de encerrar a produção dos comprimidos por causa de “dificuldades antecipadas na obtenção de ingredientes e preços crescentes devido ao aumento da demanda por lítio”, disse um porta-voz da empresa.
A data final estimada de produção é por volta de março de 2025.
O transtorno bipolar acarreta um alto risco de suicídio se não for administrado adequadamente. “Se a incapacidade de continuar o tratamento levar a tentativas de suicídio ou automutilação, isso representa risco de vida”, disse Hidenori Kuwabara, um farmacêutico especializado em psiquiatria.
Embora haja um punhado de empresas no Japão fabricando produtos similares, Kuwabara diz estar preocupado se elas seriam capazes de atender ao aumento da demanda se as clínicas mudarem para seus produtos, uma vez que esses fabricantes enfrentarão dificuldades semelhantes às da Mitsubishi Tanabe.
“Esses dois ou três anos foram muito difíceis”, disse um funcionário de outra fabricante de comprimidos de carbonato de lítio, que pediu para permanecer anônimo. “Os preços do lítio aumentaram tremendamente devido à demanda dos veículos elétricos.”
Grande parte do lítio do mundo é usado para materiais de bateria, com remédios representando apenas uma fração do consumo. Os principais fabricantes de baterias, incluindo a gigante chinesa de baterias CATL e a Panasonic, anunciaram planos de investimento multibilionários para novas instalações de produção para lucrar com o “boom” de veículos elétricos.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), a demanda por lítio crescerá sete vezes até 2030 em comparação com 2021, em um cenário em que o setor de energia global atingirá emissões líquidas zero de carbono até 2050.
O preço de mercado do carbonato de lítio subiu para US$ 69 por quilo em dezembro de 2022, mais que o dobro do fim de 2021, de acordo com a Argus Media, com sede no Reino Unido. O preço atual é de cerca de US$ 35 por quilo.
“Os compradores de alguns ingredientes médicos podem estar sendo superados pelos clientes industriais”, disse Ichiro Fujikawa, presidente da Associação dos Comerciantes Farmacêuticos do Japão. “Os fabricantes de remédios têm altos padrões de produção, mas não compram muito em quantidade.”
Há também fatores geopolíticos a serem considerados, já que grande parte do fornecimento de ingredientes para medicamentos genéricos vem da China e da Índia, além de “produtos químicos usados no processo serem produzidos principalmente na China”, de acordo com Hiroyuki Sakamaki, professor da Universidade de Serviços Humanos de Kanagawa, no Japão.
A IEA estima que 60% a 70% da capacidade de refino de lítio está localizada na China.
O Japão está enfrentando uma escassez de medicamentos genéricos desde o início de 2021, depois que dois grandes fabricantes foram forçados a encolher ou vender parte de seus negócios após má conduta relacionada à produção.
Alguns argumentam que o baixo preço dos medicamentos no Japão piorou a escassez, já que as empresas farmacêuticas são menos propensas a gastar dinheiro em produtos com baixas margens de lucro.
No Japão, o preço de um medicamento é determinado pelo governo no âmbito do sistema público de seguro de saúde. O preço dos comprimidos de carbonato de lítio da Mitsubishi Tanabe é de cerca de 6 ienes (4 centavos) cada, o que é “menos do que o preço dos doces baratos”, de acordo com Kuwabara.
Fonte: Valor Econômico