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O acordo de cooperação em comércio e investimento entre os governos do americano Donald Trump e do argentino Javier Milei, anunciado em 13 de novembro, preocupou dirigentes da indústria brasileira pelas chances de mudanças no comércio das cadeias produtivas, além da potencial perda de competitividade brasileira no mercado vizinho.
A tratativa pode prejudicar o comércio do Brasil em diferentes níveis, segundo especialistas. O Brasil exporta aos argentinos principalmente itens da indústria de transformação, que responde por mais de 90% dos embarques. Este ano, de janeiro a outubro, o setor respondeu por US$ 14,9 bilhões em receita. A grande dúvida, então, é quanto o comércio brasileiro pode perder.
Aos americanos, o Brasil envia majoritariamente grãos e óleos. Com o acordo, o país poderia perder vendas em alguns desses segmentos nos dois mercados. Ao mesmo tempo, com a competitividade em xeque, teria mais dificuldade para direcionar o que já comercializa de forma facilitada com a Argentina em função do Mercosul.
Este ano até outubro o Brasil tem superávit em US$ 5,1 bilhões com a Argentina, o terceiro maior do país, so atrás de China (US$ 24,9 bilhões) e Holanda (US$ 7,8 bilhões). No período, quase 6% das exportações brasileiras foram destinadas aos argentinos. Em importação, mais de 4,5% veio da Argentina.
Um dos primeiros efeitos diretos do acordo Argentina-EUA é a possível perda de espaço dos produtos brasileiros, com a entrada de similares americanos mais baratos no país vizinho, segundo a professora de relações internacionais do Ibmec Marcela Franzoni. Um dos setores mais ameaçados é o de veículos leves, acessórios e motores, que corresponderam a 45,5% das exportações à Argentina de janeiro a outubro.
Franzoni afirma que a indústria brasileira, pouco competitiva em vários segmentos, corre risco de perder ainda mais espaço em mercados tradicionais em um momento em que as exportações para a China permanecem altamente primarizadas, concentradas em petróleo e grãos.
Além disso, o comércio entre Brasil e Argentina é consolidado em produtos muito semelhantes, concentrado na indústria automotiva. Por isso, qualquer possibilidade de novos parceiros nesse setor, como os EUA, estremece contratos.
Ela também destaca um segundo efeito direto: o acordo “coloca em xeque a continuidade das normativas do Mercosul” e evidencia uma tendência – não apenas argentina – de defender que o grupo se transforme em um tratado de livre-comércio, com menor estrutura institucional. Isso porque as vendas dos países individualmente à China se ampliaram e enfraqueceram a lógica de integração produtiva dentro do bloco.
Países negociam relações com grandes potências de forma muito bilateral”
De acordo com Franzoni, a movimentação argentina agora sinaliza pressão por abertura unilateral, ao mesmo tempo em que reforça uma característica histórica da diplomacia latino-americana: a dificuldade de construir negociações multilaterais robustas.
A vantagem do Brasil está justamente na capacidade produtiva das commodities, que exige da Argentina manter-se próxima dos exportadores brasileiros, afirma Federico Servideo, diretor-presidente da Câmara de Comércio Argentina-Brasil.
Ele pondera que efeitos concretos desse movimento ainda são incertos, porque carecem de detalhes e de novas reuniões entre Trump e Milei. Uma delas já está marcada para 6 de dezembro, quando o presidente da Argentina viaja a Washington para o sorteio da Copa do Mundo.
Servideo salienta que são justamente os detalhes que definem o impacto real sobre os fluxos comerciais, principalmente porque, até agora, o acordo se mostrou desigual para os argentinos, por exigir contrapartidas amplas – entre elas, a aceitação automática de todas as normas técnicas americanas. Isso significa, por exemplo, que qualquer medicamento aprovado nos EUA passa a ser aceito automaticamente na Argentina.
“As exceções precarizam o acordo do ponto de vista da Argentina”, destaca. Ele acrescenta que a negociação pareceu desbalanceada – com a Argentina fazendo 12 concessões, e os Estados Unidos apenas uma, além de seis pontos ainda sem consenso. Por outro lado, entende que a atração de investimentos americanos em um momento de sufoco econômico acelerou a tratativa, em especial devido ao empréstimo-ponte de US$ 20 bilhões dos Estados Unidos à Argentina em outubro, como parte do plano para estabilizar a economia do país.
Alguns setores argentinos podem ser mais beneficiados, como o de carnes, que poderia saltar de 20 mil para 80 mil toneladas embarcadas aos Estados Unidos. Mas para isso o país precisa de uma recomposição dos rebanhos – algo que não é tão simples -, deixando o Brasil em vantagem indireta, explica Servideo.
Ele defende que a maior influência do acordo entre Estados Unidos e Argentina ocorrerá no fluxo de investimentos. Embora reconheça um risco potencial para algumas vendas brasileiras, observa que, por ora, o impacto comercial para o Brasil tende a ser limitado, já que “a economia argentina equivale a apenas um quarto da brasileira”.
José Velloso, presidente da Abimaq, associação da indústria de máquinas e equipamentos, concorda. O principal cliente do Brasil no segmento são os EUA, situação que oscilou nos últimos meses por causa do tarifaço. Mas, em 2024, 26% das vendas externas brasileiras de máquinas foram para o mercado americano. A Argentina respondeu por 9%.
Ainda que o acordo entre as Casas Branca e Rosada aumente a competitividade dos Estados Unidos no mercado argentino, especialmente devido à redução de tarifas, no caso específico de máquinas e equipamentos o efeito tende a ser limitado, e a parceria com o Brasil seguirá fortalecida, porque o segmento é isento de tarifas, impedindo perda de mercado significativa.
O Brasil é o principal fornecedor da Argentina no setor, com 24,9% do mercado (US$ 16,1 bilhões) de janeiro a outubro. Dos EUA, chegaram US$ 5,8 bilhões, com 9% de participação. A China é o segundo grande fornecedor, com US$ 15 bilhões, alta de 61,3% sobre 2024 e 23,1% do total, segundo o Indec (o IBGE argentino).
A Argentina perdeu competitividade industrial nas últimas duas décadas e passou a depender mais de produtos importados de Brasil, China e EUA, o que reduz a capacidade de o país competir com manufaturados americanos e torna improvável uma substituição automática de fornecedores com o novo marco.
Nos primeiros dez meses de 2025, os americanos responderam por 9,2% das importações argentinas, atrás de China (10,8%) e Brasil (14,9%), de acordo com o Indec. Os destaques foram combustíveis e energia, com alta de 62,5% nas vendas aos EUA na comparação entre janeiro a outubro de 2024.
Baseado nos dados, Servideo observa que há uma motivação estratégica clara por parte de Washington: reduzir a dependência argentina da China. “Trump quer substituir a presença chinesa, não a brasileira”, afirma o dirigente. Apesar disso, parte do setor industrial argentino enxerga riscos devido à falta de investimento interno em modernização e competitividade. Enquanto isso, o empresariado argentino espera a abertura da economia, com oportunidades em energia e mineração – setores considerados prioritários pelo governo Milei.
Sobre o acordo Mercosul-UE, Servideo diz que esse tipo de iniciativa não chega a atrapalhar de forma significativa, mas tampouco contribui para fortalecer o bloco. Ele vê a integração produtiva como caminho inevitável, especialmente nas cadeias automotiva, química e energética, em um contexto em que a Argentina precisa crescer, reforçar reservas e melhorar sua capacidade de pagamento.
Apesar do distanciamento político entre Lula e Milei, Marcela Franzoni acrescenta que a institucionalidade do Mercosul tende a prevalecer sobre divergências conjunturais. E, mesmo com Trump se aproximando de líderes ideologicamente mais alinhados, como Milei, o custo de a Argentina sair do bloco é muito alto em meio à crise econômica, enfatiza.
Fonte: Valor Econômico

