As bolhas nos ativos financeiros costumam seguir o mesmo roteiro. Uma novidade com fundamentos legitimamente otimistas surge; os primeiros investidores entram no mercado; outros, com receio de ficar de fora, compram a preços muito mais altos; eventualmente, os preços ultrapassam os fundamentos; e, enfim, ocorre uma queda abrupta. É assim que a consultoria canadense BCA Research monitora o acender de luzes vermelhas em três classes de ativos distintas no mercado americano: metais preciosos, crédito privado e as ações de inteligência artificial (IA).
Nas ações de inteligência artificial, a BCA Research espera aquilo que chama de “o momento metaverso”, ao lembrar da euforia sobre o tema há alguns anos e que justificou um imenso investimento de empresas como a Meta, com poucos retornos.
“Há boas razões para ser otimista em relação à IA. No entanto, tal como acontece com o ouro e o crédito, as boas notícias podem estar mais do que totalmente refletidas nos preços”, afirma Peter Berezin, estrategista-chefe da BCA Research.
Ele cita um estudo recente da Bain & Co, que concluiu que as empresas ligadas à IA precisariam gerar uma receita anual de US$ 2 trilhões até 2030 para monetizar de forma lucrativa todos os gastos de capital que realizaram ou planejam realizar. “Para contextualizar, a receita da Microsoft nos últimos 12 meses foi de apenas US$ 282 bilhões; a da Meta foi de US$ 179 bilhões”, nota.
“O problema para os investidores preocupados com os preços é que o ‘FOMO’ [sigla para ‘medo de ficar de fora’, em inglês] pode impulsionar as ações de IA para níveis ainda mais altos antes que elas eventualmente voltem à realidade. Portanto, são necessários alguns indicadores para determinar quando vender os ativos”, afirma.
Berezin aponta que, durante a bolha das empresas de tecnologia no início do século, a deterioração do fluxo de caixa livre entre as empresas de telecomunicações provou ser um sinal de alerta. “O fluxo de caixa livre das hyperscalers [Amazon, Meta, Google, Microsoft, Apple, Oracle] está atualmente em declínio, embora a partir de níveis muito elevados . Um novo declínio no fluxo de caixa livre seria preocupante”, diz.
O estrategista lembra que outro sinal importante durante o período das empresas ‘pontocom’ de que o fim do rali estava próximo foi o episódio de expansão e colapso das ações de baixa qualidade de internet. “O aumento repentino de nomes especulativos ponto com no final de 1999, seguido pelo seu colapso subsequente, precedeu a liquidação das ações “blue chip” da Internet em vários meses”, diz.
Nos últimos meses, afirma Berezin, foi observada uma alta semelhante nas ações de empresas menores de IA, bem como nas ações de outras empresas especulativas, como as relacionadas à computação quântica, nuclear e terras raras. “Muitas dessas empresas sofreram uma retração esta semana. Se essa liquidação persistir, será um sinal de alerta para o setor de tecnologia em geral”, pontua.
No crédito privado, Berezin lembra que as taxas abriram após os eventos de crédito da Tricolor e da First Brands no início do mês e das falas do CEO do J.P. Morgan, Jamie Dimon, sobre “onde há uma barata, deve haver mais delas”.
“Compartilhamos as preocupações de Jamie Dimon. Os spreads de crédito corporativo e as taxas de inadimplência geralmente seguem a mesma direção. Nos últimos três anos, no entanto, os spreads apresentaram uma tendência de queda, mesmo com o aumento da taxa de inadimplência”, aponta.
Berezin nota que a taxa de inadimplência nos últimos 12 meses nos EUA está atualmente em 5,5%, acima das mínimas de 1,2% registrada em fevereiro de 2022. “Os spreads de high yield caíram 71 pontos-base nesse período. Para justificar o nível atual dos spreads, a taxa de inadimplência precisaria cair para 3,1% nos próximos 12 meses”, calcula.
Para a BCA Research, no entanto, um aumento significativo nos spreads de crédito não deve ocorrer a menos que haja um problema mais grave nos mercados monetários e/ou a economia comece a mostrar mais sinais de enfraquecimento.
“Na ausência de dados mensais regulares sobre o emprego, os investidores devem acompanhar os dados de alta frequência do setor privado sobre vagas de emprego, bem como os dados estaduais sobre pedidos de seguro-desemprego, que continuam a ser publicados”, aponta a consultoria.
Já nos preços do ouro, o rali começou em outubro de 2023 após o Federal Reserve parar de subir os juros e dar sinais de que, em algum momento, voltaria a cortar as taxas, mesmo com incertezas sobre a inflação futura. Além disso, a expansão fiscal nos EUA crescia e os países emergentes sinalizavam uma preferência por aumentar suas reservas em ouro após as sanções dos países ocidentais à Rússia.
“Todos esses fatores favoráveis ao ouro continuam em vigor. No entanto, o que mudou foi o grau em que os preços do ouro refletem esses fatores. Em outubro de 2023, o preço real do ouro estava 23% abaixo do seu pico de 1980. Hoje, está 52% acima desse valor”, aponta o executivo.
De acordo com ele, com os preços do ouro já incorporando muito das notícias positivas, os investidores tentaram expandir os argumentos para possuir ouro além do que pode ser justificado pelas evidências. Ele cita, por exemplo, a narrativa do “debasement trade” como uma incoerência, à medida que os juros dos Treasuries se encontram em níveis bem inferiores aos observados no início do ano.
“Para que a tendência do ouro se torne negativa, seria necessário que a demanda no varejo atingisse um ponto crítico. Até o momento, isso não ocorreu. Pelo contrário, o volume físico de ouro detido em ETFs listados nos EUA, como o GLD, ainda está abaixo do nível de 2022. Atualmente, cerca de 4,3% da riqueza global está detida em ouro. Este valor está significativamente abaixo do pico de 22% atingido no início da década de 1980”, afirma.
Fonte: Valor Econômico

