Por Adriana Cotias — De São Paulo
10/01/2022 05h02 Atualizado 10/01/2022
O movimento de criação de gestoras de recursos independentes que se viu em 2021 deve ter sequência neste ano. Segundo Fábio Cepeda, sócio do Cepeda Advogados, o ciclo de alta de juros e a cena eleitoral são insuficientes para inibir novos negócios. Muda, porém, o foco de atuação, com mais casas dedicadas a crédito estruturado, venture capital ou criptoativos. A tendência é o universo dos alternativos ganhar preponderância em relação à gestão de carteiras líquidas tradicionais, como multimercados, renda fixa e ações.
O especialista fala com a prerrogativa de estar na rotina de um dos escritórios mais procurados por gestores quando querem trilhar o caminho solo. Constituído em 2003, o Cepeda nasceu dedicado ao setor e esteve, por exemplo, na assessoria jurídica para a formação de casas como Dynamo e Gávea, quando a indústria independente ainda engatinhava no Brasil.
Depois de um freio no segundo trimestre de 2021, só o escritório fechou o ano com 30 gestoras credenciadas. E abre 2022 com mais 27 processos em andamento na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos. “A intensidade de novos entrantes não parou, o mercado está em plena pujança”, diz Cepeda.
Dados da Anbima mostram que em 2021, até novembro, 158 assets passaram a compor o ranking de gestão da entidade, enquanto outras 52 saíram. Nesse mesmo período, a CVM autorizou a estreia de 142 gestoras. O total na base Anbima chegava a 817 casas.
Ainda que formatados debaixo das regras dos fundos líquidos (atual instrução 555, da CVM), Cepeda diz ver um claro direcionamento para veículos voltados para o crédito estruturado, a exemplo de portfólios que compram cotas de fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDC).
Há também demanda para operações transfronteiras, a exemplo das gestoras de fundos de venture capital, que compram participação em empresas novatas e costumam ter veículos também fora do Brasil para acolher os recursos dos investidores. Outros segmentos que movimentaram as bancas jurídicas foram os de criptoativos, de fundos de índice negociados em bolsa (ETF) e as carteiras globais, dedicadas a investimentos no exterior.
Mas, com a multiplicação de assets que se viu nos últimos anos, o setor não estaria mais congestionado? “Quanto ainda tem em dinheiro nos bancos, em produtos muito tradicionais? Tem muito espaço ainda para a indústria crescer porque o público não está se atentando para novas oportunidades de investimentos”, afirma Cepeda.
Foi o fenômeno das plataformas de investimentos digitais que possibilitou a transformação estrutural nos últimos anos. Ele lembra que o canal de distribuição de fundos era totalmente dominado pelos bancos e que as gestoras independentes demoravam de 10 a 15 anos para atingir a marca do bilhão. Hoje, há quem alcance os R$ 20 bilhões em prazos bem mais curtos.
A lista de maiores captações em 2021 entre assets independentes traz casos de novatas já no clube dos bilhão, como a Riza, que atraiu R$ 5,4 bilhões ao longo do ano, ou a Clave Capital, com R$ 4,7 bilhões. Os dados foram compilados pela Economática.
“O primeiro grande movimento de mudança de patamar foi a possibilidade de ir para o varejo. As assets não tinham vontade nem capacidade de atender o pequeno investidor, tinham produtos excelentes, mas só para qualificados [o perfil hoje com mais de R$ 1 milhão em patrimônio financeiro]”, diz Cepeda. O processo de queda da Selic, dos 14,25% no fim de 2016 para os 2% até o início de 2020, também serviu de combustível para produtos ilíquidos como FIDCs, fundos de participações (FIPs) e de crédito estruturado, que “passaram a dominar a pauta”.
A agenda de 2022 também prevê profundas mudanças na regulação dos fundos de investimentos, com a reforma que vai adequar a indústria aos parâmetros da Lei de Liberdade Econômica, de 2019.
A CVM colocou o tema em audiência pública no ano passado, e o presidente da autarquia, Marcelo Barbosa, já manifestou o desejo de editar a nova instrução ainda no primeiro semestre. Seu mandato termina em julho.
Cepeda auxiliou a Anbima nos comentários ao edital e um dos pontos relevantes é a flexibilização dos limites para os gestores de fundos de varejo investirem em ativos no exterior. “A CVM coloca legitimamente a preocupação se vai conseguir fiscalizar lá fora, mas não tenho dúvida de que seja favorável, inclusive para equiparar o que o investidor já pode fazer com BDRs [recibos de ativos estrangeiros negociados na B3].”
Outro ponto que vai transformar a dinâmica da indústria é a possibilidade de se criar fundos multiclasses e subclasses, abarcando sob o mesmo guarda-chuva portfólios de naturezas diversas, mas com patrimônio segregado. Dentro da mesma estratégia, o que se espera é que as gestoras possam ter ainda diferentes tipos de cotas. Em vez de multiplicar a quantidade de “feeders” só para cobrar taxas de administração diferentes de cada público, estaria tudo numa estrutura só. “Rodar com a mesma ‘casca’ significa a redução dos custos”, diz Cepeda.
Isso não quer dizer, necessariamente, que o investidor terá acesso a fundos com taxas de administração mais baixas, mas a despesa que ele paga dentro da estrutura tende a ser menor.
As mudanças previstas também delimitam as responsabilidades de quem efetivamente responderia pelo patrimônio negativo. Na forma de condomínio, como é hoje, os investidores podem ser chamados para cobrir o déficit. “Pela nova regra da Lei de Liberdade Econômica, os fundos podem ser liquidados com insolvência. Se, eventualmente, os credores não encontrarem patrimônio suficiente, não podem acessar os cotistas”, afirma Cepeda. “Salvo dolo na gestão, o raciocínio é o mesmo da empresa que quebrou.”
A atribuição de deveres e direitos dos diversos participantes da cadeia – gestor, administrador fiduciário, custodiante – também fica mais clara na nova regulação. Prestadores de serviços que abandonaram a administração de fundos de recebíveis e de private equity porque consideravam o risco assimétrico podem voltar a se interessar pela área. “O administrador fiduciário era o primeiro responsável por tudo. Na nova regulação isso fica bastante modificado, o protagonista passa a ser o gestor.”
Algo que Cepeda espera que venha diferente da minuta é a regra de alavancagem proposta pela CVM, de forma a não engessar a indústria. “Se no aspecto legal se coloca que o varejo só pode entrar em fundo menos alavancado e com menor exposição no exterior… Não sei se é a melhor proteção para o investidor, é quase tolher o acesso a produtos mais sofisticados.”
Como advogado que defende a indústria, Cepeda bate numa tecla antiga da Anbima, a de tirar o carimbo de qualificado para investidores pelo tamanho do bolso – com pelo menos R$ 1 milhão em patrimônio financeiro. “O que precisa é ter a lógica de ‘suitability’ [enquadramento do perfil de risco]. Se sou uma pessoa que declarei que tenho vontade e capacidade para avaliar o investimento e o prestador de serviço aferiu de forma correta, fez as perguntas, não há por que impedir que o pequeno investidor tenha acesso a produtos com melhor potencial de gerar resultados.”
Essa é, porém, uma regra geral, na qual o setor se apoia, e que não vai estar contemplada na reforma da legislação dos fundos. A revisão começa pelas carteiras líquidas e pelos FIDCs.
Fonte: Valor Econômico

