03/05/2023 05h00 Atualizado há 5 horas
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Eleito com a promessa de recuperar os investimentos públicos, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva inovou. Colocou, na proposta do novo arcabouço fiscal, uma garantia de que o valor destinado a essa finalidade não será, nos próximos anos, menor do que os cerca de R$ 70 bilhões de 2023. É uma ideia polêmica.
De um lado, injeta dinheiro em uma frente que dinamiza a economia. De outro, cria mais uma rigidez no já engessado Orçamento federal.
No ano passado, os investimentos federais somaram R$ 45 bilhões, ou 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o menor nível já registrado pelo Tesouro Nacional. O novo piso dá outra perspectiva.
No Ministério dos Transportes, o plano é investir R$ 24 bilhões por ano, disse a esta coluna o secretário-executivo da pasta, George Santoro. É um salto, considerando que no ano passado foram executados R$ 7,1 bilhões. Ainda assim, não será suficiente para compensar a depreciação da infraestrutura.
Os recursos orçamentários serão direcionados a trechos rodoviários que, por seu volume de tráfego, não dariam sustentação a uma concessão ou a uma Parceria Público-Privada. Para esses, serão celebrados Contratos de Restauração e Manutenção (Crema). A pasta quer reformular esse antigo instrumento, para dar mais peso à qualidade dos serviços e estabelecer prazos mais longos, informou.
Mas as ações mais imediatas foram a retomada de cerca de mil contratos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) que estavam parados e fortalecer o fluxo de recursos para as obras da Ferrovia Oeste-Leste (Fiol).
O governo acredita que a retomada de obras, não só no Ministério dos Transportes, gerou efeitos no mercado de trabalho já em março. O setor de construção civil registrou saldo positivo de 33.641 vagas, das quais 14.279 estão em obras de infraestrutura e 10.349, em serviços especializados em construção.
Essa foi a principal explicação dada pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, para o saldo de 195.171 empregos no mês, bem acima da mais otimista das projeções do mercado, de 153 mil novas vagas.
A surpresa no emprego foi comemorada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele chamou a atenção para o fato de analistas de mercado estarem revendo para cima as projeções de crescimento do PIB.
O dinamismo na economia está no radar do relator da proposta na Câmara dos Deputados, Cláudio Cajado (PP-BA). Ele tem dito que não gosta dos termos “arcabouço”, que “remete a ossada, que é resto mortal”, nem “âncora”, que é “algo que prende”. Prefere que se diga “nova regra fiscal” e destaca seu caráter anticíclico.
O piso de investimentos, porém, precisa ser mais bem qualificado, na avaliação do consultor de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados Ricardo Volpe. Da forma como está, comporta de uma ponte a uma cadeira de escritório, apesar de seus impactos na economia serem muito diferentes.
Além disso, alerta, o governo está criando um problema para si mesmo, ao estabelecer a obrigatoriedade de fazer investimentos tão elevados todos os anos. Isso pode dificultar o cumprimento da meta de resultado das contas públicas. Sanções brandas para isso são motivo de crítica de especialistas.
O novo arcabouço fiscal contém um teto de gastos, sob o qual está um conjunto de itens obrigatórios que crescem, chova ou faça sol. São os casos de Previdência, salários do funcionalismo e dos dispêndios mínimos em saúde e educação, fixados na Constituição.
Nos últimos anos, por causa do teto, essas despesas foram comprimindo as demais. Foi por isso que o investimento chegou ao menor nível da história e restaram dotações irrealistas para Farmácia Popular, merenda escolar e outros programas.
A história pode se repetir. Estudo elaborado pelos consultores da Câmara Márcia Moura e Arthur Kronenberger aponta que, para o governo cumprir a meta fiscal de 2024, as despesas discricionárias teriam de cair ao nível de 2022, possivelmente o pior da história.
Eles dizem que é possível contornar a situação elevando as receitas – o caminho escolhido pelo governo.
Questionada, a área econômica respondeu que “o estabelecimento de um piso mínimo para os investimentos protege essa rubrica que historicamente é a primeira a ser atingida em momentos de recessão, gerando uma espiral contraproducente para o crescimento e desenvolvimento”.
Toda regra fiscal vai ter problema, diz Santoro, que até o ano passado era secretário de Fazenda de Alagoas. O que determina seu sucesso ou fracasso é a governança.
Fonte: Valor Econômico

