Por Joshua Franklin — Financial Times, de Nova York
22/08/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
Pouco tempo depois de se tornar o principal executivo do Goldman Sachs, em 2018, David Solomon pediu um avião particular. Foi um pedido controverso. Tradicionalmente, os banqueiros do Goldman evitavam a ostentação e quando executivos-chefes usavam aeronaves particulares, alugavam-nas da NetJets. Solomon avaliava que o tempo que perdia por causa de atrasos em voos custava dinheiro ao banco e a equipe do Goldman que fazia uma análise de custo-benefício acabou por concordar com seu ponto de vista. No fim, o banco encomendou dois jatos Gulfstream. Solomon até ajudou a escolher a decoração, segundo fonte familiarizada com o assunto.
O novo chefe do Goldman estava mandando um sinal. Ele queria fazer coisas de forma diferente, do seu jeito. A empresa que Solomon herdou ainda estava entre os melhores bancos de investimento e de operações, mas precisava ser ainda mais do que isso. Sua avaliação no mercado de ações ficava atrás da de bancos semelhantes, como o Morgan Stanley, que obtinha uma parte maior de sua receita com negócios mais estáveis e geradores de comissões, como a gestão de fundos.
A missão de Solomon era desenvolver novos fluxos de recursos e “impulsionar receitas mais duráveis” no processo de tornar mais fácil para investidores de fora entenderem um banco ainda enigmático, que fora estruturado como uma sociedade privada até sua oferta pública inicial, em 1999.
Contudo, embora Solomon tenha investido bilhões de dólares em negócios como banco de varejo, gestão de ativos e serviços de transações, pouco mudou no mix de receitas do Goldman desde os tempos de seu antecessor, Lloyd Blankfein. Operações de mercado e banco de investimento ainda respondem pela maior parte.
As dificuldades do Goldman são especialmente evidentes nas finanças de varejo. Seis anos depois de criar seu banco digital de varejo, o Marcus, o Goldman ainda não tem uma estimativa de quando a operação dará lucro, e fontes familiarizadas com o assunto dizem que neste momento a direção está revendo os planos de gastos da unidade.
Um número cada vez maior de analistas de Wall Street se pergunta se a única maneira de Solomon mudar o Goldman de fato é por meio de aquisições – talvez seguindo o exemplo do Morgan Stanley, que mudou seu mix de negócios após a crise financeira de 2008, com a compra da gestora de patrimônio Smith Barney, da plataforma digital de negociação ETrade e da gestora Eaton Vance.
Seis anos depois de criar seu banco digital de varejo, o Marcus, o Goldman ainda não sabe quando ele dará lucro
“Organicamente, uma transformação verdadeira será difícil”, diz Christian Bolu, analista de bancos da Autonomous Research. “E só de olhar para o Morgan Stanley, sabemos que não é preciso ir tão longe.”
Até agora, Solomon avançou timidamente na área de aquisições, com transações como o pagamento de US$ 2,2 bilhões pela empresa de crédito ao consumidor GreenSky e € 1,6 bilhão pela unidade de gestão de investimentos da seguradora holandesa NN Group.
Transações maiores seriam mais difíceis de levar adiante. O Goldman tem uma cultura idiossincrática e – apesar de seu histórico como consultor de grandes negócios – pouca tradição de fazer grandes aquisições para si. Recentemente, quando o Goldman realizou uma pesquisa entre investidores, alguns dos quais possuíam ações suas e outros não, sobre o que deveria fazer com o excesso de capital, eles classificaram as aquisições como a prioridade mais baixa, atrás de reinvestimento em seus negócios, dividendos e recompras de ações, de acordo com uma fonte com conhecimento da pesquisa.
Da maioria dos pontos de vista, a gestão de Solomon até agora parece ser um sucesso: no ano passado o Goldman, obteve lucros recordes e viu o preço de suas ações subir ao nível mais alto já registrado. Mas esses marcos se devem em grande parte ao fato de que seus negócios tradicionais de “trading” e banco de investimento registraram números astronômicos.
No caso de uma das principais medidas de acompanhamento usadas por Wall Street – uma métrica que compara o preço das ações de uma empresa com o valor de seus ativos, de modo a oferecer uma noção de seu valor real -, o desempenho do banco continua teimosamente estático e bem atrás dos principais rivais americanos.
Se o objetivo estratégico de Solomon é convencer investidores de fora de que o Goldman é uma aposta segura, ele ainda tem algum trabalho pela frente. Depois de quase quatro anos no comando, seu novo Goldman ainda se parece muito com o antigo.
Analistas se perguntam se a única maneira de Solomon mudar o Goldman Sachs de fato é por meio de aquisições
Solomon, de 60 anos, construiu sua carreira em finanças alavancadas e chegou ao cargo mais alto com uma reputação de cortador de custos e gestor incisivo. Ele era um nome improvável para assumir o comando do Goldman Sachs. Solomon e o presidente do banco, John Waldron, de 53 anos, entraram na empresa há mais de duas décadas, vindos do Bear Stearns, um banco de investimentos rival e com menos prestígio.
Apesar do tempo que passou, alguns membros da famosa rede de egressos do Goldman ainda se referem a ele e a Waldron como “os caras do Bear”. A personalidade exuberante de Solomon – de que são exemplos suas muito comentadas apresentações como DJ de festivais de música e participações no programa de TV “Billions” e no recente documentário da Netflix sobre Jennifer Lopez – também não se encaixa muito bem no figurino de líder de um banco que já foi famoso por sua inescrutabilidade.
Na primeira vez em que o banco promoveu um dia do investidor, em janeiro de 2020, Solomon e Waldron delinearam a nova estratégia de diversificação. Além do fortalecimento dos negócios tradicionais, ele definiu um foco em quatro áreas de crescimento: banco de varejo, serviços de transações, gestão de ativos (levantar recursos de investidores e geri-los por uma comissão) e gestão de patrimônio (dar consultoria a clientes abastados sobre seus investimentos). Solomon também cortou US$ 1 bilhão em custos e promoveu mais colaboração interna sob o mantra “OneGS”.
As expectativas de mudança no Goldman são particularmente grandes nas áreas de gestão de ativos e patrimônio, nas quais tem cerca de US$ 2,5 trilhões em ativos sob sua supervisão, o que inclui recursos geridos pelo banco, assim como outros ativos de clientes. O Goldman Sachs espera aumentar suas comissões anuais nessas áreas para mais de US$ 10 bilhões até 2024, em comparação com os cerca de US$ 6 bilhões em 2019.
A estratégia de Solomon é aproveitar os pontos fortes históricos do Goldman. Na gestão de ativos, já faz tempo que o banco faz muito dinheiro com investimentos próprios em ações em áreas como private equity. Para compensar a resultante volatilidade dos ganhos, Solomon tem reduzido os investimentos privados que usam o capital do banco e dado prioridade à gestão de recursos de terceiros, que promete receitas mais estáveis com comissões.
No que se refere à área de transações bancárias – o negócio de ajudar empresas a movimentarem seu dinheiro -, o Goldman espera explorar sua vasta lista de contatos empresariais para crescer. Embora sua meta de receita de US$ 750 milhões até 2024 seja modesta, as transações bancárias prometem retornos estáveis e não exigem que o Goldman mantenha grandes volumes de capital.
“Você precisa dar cinco estrelas [a Solomon] pela visão e pela perspectiva sobre o que quer fazer, e como quer mudar o banco”, diz Gerard Cassidy, analista de bancos da RBC Capital Markets. “Mas sempre sustentamos que para qualquer banco, e não apenas o Goldman, é impossível incorporar realmente esse tipo de mudança organicamente.”
Fontes internas argumentam que as aquisições que o Goldman fez são menores, de forma que ele pode aprender sobre os novos negócios e melhorar sua integração. A experiência tem sido positiva; a aquisição da NN Investment Partners, que tinha cerca de US$ 355 bilhões em ativos sob seu guarda-chuva, despertou o apetite do banco por compras semelhantes.
O elo mais fraco na estratégia de diversificação do Goldman é no setor de varejo, o único de seus quatro pilares de crescimento que continua a não dar lucro. Ele inaugurou seu banco digital de varejo em 2016, ainda na gestão de Blankfein, e o batizou de Marcus em homenagem ao fundador da instituição, Marcus Goldman.
O Marcus passou por uma série de líderes. Harit Talwar, o primeiro diretor da divisão de varejo e ex-chefe da área de cartões da Discover, foi substituído em 2021 por seu antigo vice, Omer Ismail. Que por sua vez deixou o Goldman abruptamente e foi para uma fintech financiada pelo Walmart. Hoje o Marcus é dirigido por Peeyush Nahar, que entrou no Goldman no ano passado, depois de ter trabalhado no Uber e na Amazon.
Sob o comando de Solomon, a unidade combinada de banco de varejo e gestão de patrimônio é dirigida por Tucker York e Stephanie Cohen – sendo que Cohen supervisiona as operações de varejo e York dedica mais tempo à área de gestão de patrimônio.
O negócio de varejo pelo menos conseguiu acumular mais de US$ 100 bilhões em depósitos, o que dá ao Goldman um financiamento de baixo custo que permitirá, em sua estimativa, economizar dezenas de milhões de dólares por ano. Em 2021, fontes como contas de poupança, crédito a pessoa física e parcerias de cartões de crédito com Apple e General Motors renderam US$ 1,5 bilhão em receitas, um valor que o banco espera que possa chegar a US$ 4 bilhões até 2024.
Mas o Goldman foi esnobado pela Apple e só ganhou um papel mínimo no novo produto do tipo “compre agora, pague depois” da gigante de tecnologia, o Apple Pay Later. O banco era parceiro financeiro da fabricante do iPhone desde 2019, e fornecia avaliações de qualidade de crédito e grande parte da infraestrutura financeira por trás do cartão de crédito da Apple.
O banco ainda está em negociações com a Apple para participar da possível expansão de oferta de produtos “compre agora, pague depois”, segundo uma fonte. Ao contrário do Apple Pay Later, que é isento de juros, se a expansão se concretizar os consumidores pagarão juros por empréstimos de longo prazo nessa modalidade, financiados pelo Goldman.
Os riscos regulatórios no financiamento ao consumidor também ganharam destaque neste mês, quando o Goldman revelou que a agência reguladora americana de financiamento ao consumidor estava investigando como o banco administrava as contas em sua unidade de cartões de crédito.
O Goldman ainda não tem certeza sobre quando suas operações de varejo passarão a ser rentáveis, o que levou à atual revisão dos planos de investimento, segundo fontes. Isso tem incluído reuniões de reavaliação de custos entre Cohen e o presidente do banco.
A ênfase na mudança não fez muita diferença em termos de como a empresa ganha dinheiro. No ano em que Solomon assumiu, o Goldman obteve 62% de suas receitas com banco de investimento e mercados globais. Analistas preveem que essas duas divisões serão responsáveis por quase 69% das receitas em 2022, e voltarão à marca dos cerca de 62% em 2023.
De certo modo, o Goldman sofre de um excesso de resultados positivos: os últimos dois anos jogaram a favor de seus pontos fortes históricos. As taxas de juro baixíssimas, a volatilidade do mercado e a corrida para fazer negócios na pandemia ajudaram a levar seus lucros e o preço de suas ações para altas recordes em 2021.
Os veteranos do Goldman que começaram na época em que o banco era uma sociedade questionam se a dependência de suas áreas fortes tradicionais é mesmo um problema. Eles argumentam que negócios com base em comissões, como a gestão de ativos, podem ser voláteis durante crises e sustentam que as operações comerciais do Goldman podem produzir lucros maciços independentemente do ambiente.
Seu ponto de vista foi enfatizado no último trimestre, quando a divisão de “trading” do banco superou mercados voláteis para gerar mais receitas do que as outras três unidades juntas. No segundo trimestre, o Goldman ganhou mais dinheiro como banco de investimento e registrou um salto maior nas receitas com operações do que qualquer outro rival.
Investidores discordam. Analistas observam que administrar um gigante negócio de trading exige que o Goldman reserve grandes volumes de capital, e isso torna mais difícil para o banco aumentar seu retorno sobre o patrimônio comum tangível médio, uma medida fundamental de lucratividade. A meta atual do Goldman fica bem atrás da dos concorrentes Morgan Stanley e J.P. Morgan Chase.
Também é verdade que os acionistas do Goldman já tiveram de lidar com seu quinhão de surpresas desagradáveis por causa de suas negociações e esquemas. Em 2010, o Goldman pagou uma multa de US$ 550 milhões para chegar a um acordo com as agências reguladoras dos Estados Unidos que o acusavam de ter enganado investidores com um título complexo lastreado em créditos imobiliários chamado Abacus. Em 2020, o banco acertou com agências reguladoras um acordo global para pagar US$ 2,9 bilhões por conta de seu papel no escândalo de lavagem de dinheiro do 1MDB na Malásia.
É provável que a parte das receitas do Goldman que vêm da área de banco de investimento sofra um impacto, já que a inflação e a perspectiva de uma recessão mundial criaram um ambiente desfavorável para os negócios. As dificuldades recentes da empresa em desovar dívidas para sustentar a aquisição da rede de supermercados Wm Morrison por 10 bilhões de libras são um lembrete doloroso de como o mercado mudou.
Um fardo pesado para Solomon desde que assumiu o comando, a relação preço/valor contábil também é um obstáculo para que o Goldman use suas ações como moeda para a aquisição de qualquer empresa com uma avaliação mais alta.
“Existe a percepção de que os negócios tradicionais do mercado de capitais são muito cíclicos em termos dessas receitas. A ciclicidade das receitas tende a receber um desconto bem grande no mercado”, diz Devin Ryan, analista de bancos da JMP Securities.
Outra parte do trabalho de Solomon tem sido modernizar a cultura do Goldman e deixar para trás a reputação durona de “mestre do universo”. O banco fez promoções mais diversificadas para seus cobiçados postos de sócios, por exemplo, e introduziu regras de vestuário mais informais.
Mas a nova imagem empresarial voltada para fora, para acompanhar sua investida no setor de banco de varejo, não agrada a todos no Goldman – nem o estilo pessoal chamativo de Solomon.
Antes uma empresa de bastidores por excelência, hoje o Goldman Sachs patrocina a equipe de Fórmula 1 da McLaren como parte de uma iniciativa de marca de Fiona Carter, a diretora de marketing que Solomon recrutou em 2020, vinda da AT&T. Segundo fontes internas, os gastos com a parceria em um ano em que o banco alertou para a possibilidade de cortes de empregos deixou alguns membros descontentes. “Fazer a parceria com a McLaren é uma falta de sensibilidade”, diz um deles.
Gerir os talentos do banco – um trabalho que alguns no Goldman comparam ao de um produtor de Hollywood – mostrou-se um desafio para Solomon. Embora o Goldman sempre tenha se gabado da qualidade de sua equipe, ela foi afetada por várias saídas significativas – como a dos veteranos Gregg Lemkau, Stephen Scherr e Eric Lane. Solomon também enfrentou queixas sobre suas políticas de volta ao trabalho, em que a empresa pretendia trazer muitos de seus funcionários de volta ao escritório cinco dias por semana, de acordo com fontes familiarizadas com as reclamações.
O estilo exuberante de Solomon irrita alguns no Goldman. Sua carreira de DJ – uma paixão que começou quando trabalhou em um acordo de financiamento para um hotel de Las Vegas, em 2008 – atraiu a atenção da diretoria, segundo fontes a par do assunto.
Uma delas conta que alguns membros da diretoria do Goldman, que Solomon preside, lhe disseram que se sentiam desconfortáveis com sua decisão, em 2019, de se apresentar no festival belga Tomorrowland. Membros da diretoria observaram que um artigo no “New York Post” descrevia o evento como famoso por “multidões ondulantes de espectadores nus, suados e movidos a drogas”.
Outra fonte diz que Solomon também pediu desculpas à diretoria do Goldman depois de participar como DJ de um evento de 2020 na área do resort Hamptons, em Nova York. O evento foi criticado por desrespeitar as regras de distanciamento social durante a pandemia da covid-19.
Mas essa atenção não o levou a baixar o ritmo. Neste verão, Solomon, que prometeu doar os ganhos de suas iniciativas como DJ para instituições de caridade, caiu na estrada para se apresentar no Lollapalooza, um festival de música de quatro dias em Chicago com a participação de centenas de milhares de pessoas. O Goldman se recusou a informar se Solomon usou o jato da empresa para chegar a Chicago.
Solomon subiu ao palco no Grant Park em 29 de julho, depois de fazer uma reunião com a equipe do Goldman em Chicago e encontrar-se com alguns clientes. Vestido com uma camiseta preta, Solomon deleitou a multidão com remixes de Abba e Queen e juntou-se a Ryan Tedder, cantor do OneRepublic, para cantar uma colaboração de 2021. O título: “Learn To Love Me” (“Aprenda a me amar”). (Tradução de Lilian Carmona)
Fonte: FT / Valor Econômico

