Farmacêutica assume o risco em medicamento de alto custo; operadora é beneficiada
O hospital A.C. Camargo Cancer Center e a farmacêutica Roche fecharam um novo acordo de compartilhamento de risco para um medicamento de alto custo, que prevê uma economia de R$ 2 milhões por ano em tratamento de câncer de pulmão. Esse valor é assumido pela farma, o que, consequentemente, beneficia as operadoras de planos de saúde, que deixam de ter essa despesa.
O remédio que terá seu valor dividido entre a Roche e as fontes pagadoras é o Atezolizumabe, destinado a pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas. Esse é o tipo mais comum da doença, representando 85% dos casos. O A.C. Camargo atende em média 11 pacientes com esse câncer, por ano.
Conhecido como imunoterapia por utilizar o sistema imunológico do paciente para combater o câncer, esse tratamento demanda aplicações mensais do medicamento durante dois anos, sendo que cada unidade é comercializada entre R$ 21 mil e R$ 30 mil. Todo o tratamento pode chegar a R$ 740 mil.
A Roche vai arcar integralmente com o remédio entre o 18º e o 24 º mês das aplicações, o que vai gerar uma economia de cerca de R$ 184 mil, por paciente, o equivalente a uma redução de 25% do custo do tratamento.
Esse período foi escolhido porque os estudos clínicos mostraram que 50% dos pacientes chegam ao 17º mês do acompanhamento médico. “Como a parcela de sobrevida para esse tipo de câncer é alta, ficaria pesado para o sistema de saúde arcar com todo o custo”, explicou a médica Aline Chibana, do A.C. Camargo Cancer Center. O hospital tem uma área específica que trabalha com projetos envolvendo remuneração por performance.
Nos casos em que o paciente morre ou o tratamento não avança até o 17º mês, a Roche devolve o mesmo volume de caixas do Atezolizumabe usado nesse período para o hospital que, por sua vez, pode utilizar para outros pacientes. O valor referente a essas unidades reembolsadas pela farmacêutica é devolvido às operadoras.
O A.C. Camargo tem outros dois acordos de compartilhamento de risco com a Roche, envolvendo câncer de fígado e de pulmão de pequenas células. Ambos são mais agressivos e têm uma sobrevida menor. Nessas situações, as parcerias envolvem reembolso financeiro às operadoras quando não há evolução dos casos já a partir do 4º mês de tratamento. Com esses acordos de compartilhamento de risco, duas operadoras já receberam um total de R$ 323 mil, desde 2022.
A Roche fez um reembolso de R$ 115,2 mil à Bradesco Saúde referente ao tratamento de câncer de pulmão de pequenas células, cuja prevalência é de 15% dos casos. O medicamento usado também foi o Atezolizumabe. Dos seis pacientes atendidos com essa doença no hospital, um deles não evoluiu, o que fez a farmacêutica devolver esse valor.
A operadora de autogestão, que administra o plano de saúde dos funcionários da Petrobras, recebeu R$ 208,3 mil referente a um tratamento de câncer de fígado que também não progrediu. Nesse caso, a medicação era uma combinação do Atezolizumabe e Bevacizumabe, aplicada em seis pessoas acometidas pela doença.
Um dos grandes empecilhos para o sucesso de programas de compartilhamento de risco é o acompanhamento médico. Há receios da eficácia do remédio ser impactada negativamente por fatores externos, como a assistência médica ou hábitos indevidos dos pacientes. Por isso, é importante a participação de um hospital de referência para guiar o tratamento médico. “A sobrevida dos pacientes tratados no A.C. Camargo foi superior à registrada nos estudos clínicos do medicamento”, disse a médica do hospital e gerente da área de remuneração por performance.
O médico Denizar Vianna, que liderou em 2019 o projeto-piloto desse tipo de acordo quando era secretário do Ministério da Saúde, lembra um estudo envolvendo o uso de medicamento para atrofia muscular espinhal (AME), que foi realizado no Hospital Albert Einstein, de São Paulo.
Em março deste ano, o Ministério da Saúde fechou com a Novartis o primeiro acordo de compartilhamento de risco para o Zolgensma, terapia gênica destinada a criança com até seis meses com atrofia muscular espinhal. O acordo estabeleceu que o preço ofertado no SUS é de R$ 7 milhões.
Nesse caso, ficou estabelecido que o governo paga 40% desse valor no ato da infusão. A outra fatia, de 60%, é parcelada em três períodos, variando de 24 a 48 meses, e os pagamentos são feitos diante de determinados progressos clínicos dos pacientes. Caso qualquer uma dessas etapas seja interrompida, não há o repasse financeiro.
A expectativa é que essa prática de dividir os riscos dos custos também seja adotada para o Elevidys, um medicamento para uma doença rara chamada Distrofia Muscular de Duchenne, cujo preço no Brasil foi definido em R$ 13,6 milhões, na rede pública de saúde.
Há uma preocupação do governo federal em se chegar a acordos com as farmacêuticas para definição de preço e compartilhamento de risco devido à escalada da judicialização para remédios de alto custo. Nos casos de ações judiciais, o SUS arca com o preço cheio e com base no valor praticado nos Estados Unidos, que é bem superior ao praticado no Brasil. Na Europa, onde boa parte da saúde é publica, os governos já adotam esse mecanismo.
Os advogado Rubens Granja e Maira Materagia Imperatriz, do escritório Lefosse, destacam que, no sistema público, há desafios no que diz respeito ao médico responsável pelo tratamento, que, em geral, é de longo prazo.
Já no setor privado, há uma procura das operadoras por esses acordos de compartilhamento de risco diante do crescente lançamento de medicamentos para doenças raras e novas tecnologias, que têm um custo elevado. No entanto, existe uma preocupação de os usuários do plano de saúde trocarem de operadora após ter seu tratamento custeado. No setor, é comum haver uma rotatividade de convênio médico a cada três anos.
Fonte: Valor Econômico