2 May 2022 JENNE ANDRADE
Em abril, o mercado brasileiro passou por uma mudança de cenário. O Ibovespa desceu a ladeira e perdeu o patamar dos 119 mil pontos para os atuais 107,8 mil pontos, uma desvalorização de 10,1%. O saldo de investimento estrangeiro também sofreu correção. Depois de um primeiro trimestre de entradas com recorde, os gringos retiraram R$ 5,3 bilhões da Bolsa brasileira, a B3, até a última quarta-feira, dado mais recente disponível.
Paolo Di Sora, diretor de investimento e sócio-fundador da RPS Capital, afirma que o fraco desempenho é reflexo de duas grandes variáveis. “Dúvidas sobre a China e a queda no preço de commodities. Os dois fatores explicam 90% do movimento”, diz.
O executivo vê uma Bolsa pouco atrativa fora de setores defensivos. “Em termos de ativos de risco, é mais barato você comprar um juro prefixado do que uma Bolsa doméstica”, afirma. “A Bolsa doméstica está mais cara do que a renda fixa.” A seguir, os principais trechos da entrevista:
O Ibovespa fechou abril em queda de 10,1%. O que interrompeu a fase de altas do primeiro trimestre?
Dúvidas sobre a China e queda no preço de commodities. Esses dois fatores explicam 90% do movimento. A bolsa chinesa operada nos Estados Unidos está caindo 13% no mês. As commodities sofreram baixas importantes também, com Vale caindo 20% em dólar, a Rio Tinto caindo 15%, a BHP caindo 15%, todo esse complexo em forte realização em abril. Essa situação está muito associada à história da desaceleração da economia chinesa. O governo chinês tinha soltado um guidance (projeções) para o ano com um PIB de 5,5% que, considerando os dados desse primeiro trimestre, está muito longe de ser alcançado. Teriam de vir estímulos para eles conseguirem entregar essa meta, e isso não aconteceu.
O saldo de investimento estrangeiro na B3 ficou negativo em R$ 5,3 bilhões em abril. É o “início” do fim desse fluxo gringo ou uma correção pontual?
Vai depender muito se a China realmente entrar em uma trajetória de desaceleração mais forte, o que vai jogar as commodities para baixo de forma estrutural (longo prazo). Se estivermos vendo uma coisa mais conjuntural (passageira), a tendência é de que o governo chinês anuncie estímulos para voltar a acelerar o PIB. Em um mundo que não tem commodities do lado da oferta, o ciclo de commodities volta a ser uma tese mais positiva nesse segundo cenário.
O dólar vinha cedendo sobre o real no ano. Contudo, voltou a apreciar bastante. Qual a explicação para essa volatilidade no câmbio?
Houve uma pequena reversão dessa tendência porque a pauta de commodities começou a perder preço. Minério, petróleo, cobre e celulose caíram, e o apelo das moedas de países exportadores de commodities diminui. Paralelamente, estamos vendo uma apreciação do dólar frente a uma cesta de moedas fortes. O dólar está ficando forte porque o banco central americano está aumentando juros mais rápido e mais do que se esperava.
Nesta semana teremos reunião do Copom para definição da Selic. Como você vê esse cenário de inflação e de juros?
Temos de continuar vendo se os dados de inflação mais fracos se materializam. Por enquanto, toda semana os dados de inflação vêm mais salgados, o que dificulta o trabalho do BC. Juro alto não combina com Bolsa valorizada, mas nós estávamos sendo carregados pelos gringos e a visão positiva de commodities. Se essa reversão de cenário for estrutural, iremos viver o pior dos mundos: o investidor doméstico vai seguir preferindo renda fixa nesse momento de incerteza eleitoral, incerteza de inflação e com juros altos. E o gringo, que era o que estava segurando o nosso mercado, vai começar a tirar o Brasil do radar.
A Bolsa brasileira continua barata e atraente para o investidor estrangeiro, excluindo o setor de commodities?
Não, achamos que a Bolsa doméstica está mais cara do que a renda fixa. Em termos de ativos de risco, no Brasil de hoje é mais barato comprar um juro prefixado do que uma Bolsa doméstica. Continuamos gostando de NTN-B (Tesouro IPCA+). Achamos que o juro real no Brasil ainda é atrativo, gordo. Se você tiver títulos incentivados, nesse momento de incertezas, está fazendo mais sentido a renda fixa.
Como gerir o risco da carteira em um ambiente incerto, com grandes solavancos da Bolsa?
Seguimos investindo em setores que têm menos a ver com a economia como um todo. O valuation (avaliação) das empresas de commodities segue barato. Também gostamos do setor elétrico, estamos otimistas com a privatização da Eletrobras. Gostamos do setor de atacarejo, como o Assaí e vemos com bons olhos o setor de telecomunicações, com a consolidação da Oi pela TIM, pela Vivo e pela Claro, temos uma posição em TIM. Estamos preferindo coisas mais defensivas nesse momento. •
Fonte: O Estado de S. Paulo