David Einhorn foi direto ao ponto: o “boom” do investimento passivo, no qual o “valuation” (avaliação de valor) dos ativos é desprezado, “basicamente quebrou” os mercados, enquanto continua suprimindo a tradicional busca por ações aparentemente baratas em toda Wall Street – ano após ano.
Nas palavras do renomado gestor de fundos hedge, a explosão dos fundos que acompanham índices está tirando do mercado tantos investidores ativos que a era tranquila de Warren Buffett e Benjamin Graham defendendo companhias subvalorizadas não existe mais. E isso solapa tudo, desde a descoberta de preços até a governança corporativa. “Os investidores passivos não têm opinião sobre valor”, disse Einhorn no podcast Masters in Business, de Barry Ritholtz, em fevereiro.
As opiniões do fundador da Greenlight Capital surgem numa época em que “value stocks” — que tendem a ser negociadas a preços menores em relação aos seus fundamentos — estão atrás das ações de empresas de crescimento (“growth”) do setor de tecnologia como nunca antes, assim como as estratégias passivas ultrapassam suas homólogas ativas.
Após dois anos excepcionais para o seu fundo, as opiniões de Einhorn constituem uma crítica, e não um lamento, dada a sua conclusão otimista de que ainda há uma forma de fazer o investimento de grande valor funcionar.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/W/B/4QDi3KSVeASuHsryICKg/228908708.jpg)
Einhorn, da Greenlight Capital: — Foto: Andrew Harrer/Bloomberg
No entanto, isso está revivendo um debate mais amplo sobre a perturbação no mercado provocada pelo “Big Passive”, um frenesi outrora apelidado de “pior que o marxismo”. Mas será que a reação foi longe demais? Talvez. Eis por que vários profissionais argumentam que o boom dos investimentos em índices — longe de romper com as coisas — está exercendo um impacto ainda modesto no cenário de “stock-picking” (escolha de ações), citando dados geralmente normais sobre avaliações e retornos de ações.
Em primeiro lugar, a afirmação central desse gestor de recursos de 55 anos — de que este é um momento difícil para os adeptos da velha escola do estilo de investimento — parece verdadeira. Antigamente, os investidores podiam obter grandes ganhos conseguindo pechinchas em todos os setores. No entanto, durante mais de uma década, a estratégia falhou repetidamente para um número esmagador de gestores.
Um índice de value stocks ficou atrás do índice referencial Russell 1000 em todos os anos desde 2012, com exceção de dois. Contra ações que ostentam um crescimento mais acelerado, o “value investing” afundou este ano para um recorde, graças ao boom dos lucros desencadeado pelo frenesi com a Inteligência Artificial (IA).
Para pessoas como Einhorn, a mão oculta do dinheiro passivo está por trás de uma grande parte disso. Como o dinheiro novo está indo para veículos que acompanham índices, como os ETFs — sigla em inglês para fundos de índices negociados em bolsa — o dinheiro automaticamente vai atrás de ações vencedoras. Os retardatários, sempre baratos como resultado, são evitados. Isso, diz o pensamento, cria um ciclo vicioso em que os gestores de valores não conseguem desempenhar, dinheiro é sacado e essas ações caem ainda mais.
Na verdade, o número de fundos de gestão ativa dedicados ao value investing está encolhendo. O número de fundos mútuos e ETFs voltados para esse estilo atingiu o pico de 1.082 em 2015 e desde então caiu 15%, segundo dados compilados pelo analista de fundos mútuos da Bloomberg Intelligence David Cohne.
Mesmo os profissionais em selecionar ações com um mandato mais amplo aderiram à ideia de que caçar pechinchas nos dias de hoje é, em grande parte, uma empreitada inútil. A exposição média dos fundos ativos às value stocks está 56% abaixo da exposição às ações dinâmicas, um nível não visto em 15 anos, segundo um estudo de março de estrategistas do Bank of America que incluiu Savita Subramanian.
Ainda assim, analistas da Bloomberg Intelligence encontraram evidências que sugerem não haver motivo para pânico. Depois de contabilizar as ações do índice S&P 500 por sua posse passiva e comparar seu desempenho, os analistas constataram que o grupo de ações menos detidas na verdade superou as outras ao longo de um, três e cinco anos.
“Apesar do crescimento forte e constante dos fundos passivos, seu impacto nos movimentos do mercado continua pequeno”, escreveu Athanasios Psarafagir Seyffart em uma nota recente a investidores.
Outro argumento que contesta a perturbação do índice: o de que esses fundos geralmente seguem as tendências de preços estabelecidas por seus concorrentes ativos. A entrada da Tesla no S&P 500 em 2020, por exemplo, foi impulsionada por uma disparada das ações alimentada por day traders altamente engajados e investidores institucionais focados em growth. Enquanto isso, um estudo acadêmico de 2021 mostrou que o mercado de ações dos EUA está tão ativo hoje como há duas décadas, com uma série de investidores discricionários usando os ETFs passivos como arma para formar suas carteiras.
Desse modo, atribuir o fraco desempenho das value stocks somente à indexação é, portanto, errado, segundo Rich Weiss, diretor de investimentos de estratégias multiativos a American Century Investment Management.
“O crescimento dos investimentos passivos vem acontecendo desde que entrei no negócio”, diz o veterano do mercado com 40 anos de experiência em investimentos. “Não é nenhuma novidade. Então, por que de repente atingiu um nível em que o valor não funciona?”
Independentemente do que está por trás dos desafios para os negócios amplos com value stocks, Einhorn, cujo fundo baseado em Nova York valorizou-se quase 37% em 2022 e 22% no ano passado, tem uma conclusão otimista. Com os investidores insensíveis aos preços assumindo o controle do mercado — dos ETFs ao dinheiro algorítmico —, empresas que de outra forma seriam viáveis são negociadas agora a valores ridiculamente baixos, o que é conhecido como “deep value”. Isso significa que até mesmo pagamentos corporativos modestos, na forma de dividendos e recompras de ações, podem gerar retornos para seus últimos acionistas inclinados ao valor.
Einhorn escreveu em uma carta a investidores no mês passado que a mudança histórica de capital como resultado da proliferação passiva cria “um belo conjunto de oportunidades”. “Nosso retorno pode vir da própria companhia, em vez de outros investidores”, escreveu ele.
Quando se trata de vencedores e perdedores com ações, nada está fugindo da norma histórica, pelo menos por enquanto. Embora as definições de ações baratas variem e sejam sempre subjetivas, para fins de ilustração vamos usar a relação de preço sobre venda para determinar o que é barato. Acompanhando o desempenho do grupo mais barato, ou quintil, no índice Russell 3000, vemos que os últimos três anos não foram o deserto do value investing que muitos nos retrataram.
Nesse grupo, a proporção de ações que superaram o índice referencial aumentou para o ponto mais alto em cinco anos, de 54%, em 2021 e permaneceu nesse patamar no ano seguinte, segundo dados compilados pela Bloomberg Intelligence.
No ano passado, quando as chamadas Sete Magníficas dominaram os ganhos, essa porcentagem caiu para 40%. Ainda assim essa relação de ações vencedoras ainda se situa, no geral, dentro da tendência de duas décadas – dificilmente algo que sinalize um novo regime de investimentos.
“Se Einhorn estivesse certo ao dizer que o valor está quebrado e que os fundamentos básicos (as avaliações) não importam mais, veríamos uma queda persistente no número de value stocks superando o índice”, diz Chris Cain, estrategista de ações da BI. “Mas na verdade não estamos vendo isso. É um vaivém sem nenhum padrão real.”
(Em sua mais recente carta aos investidores, Einhorn rejeitou o uso de métricas convencionais para definir o value investing, escrevendo: “Uma ação com múltiplos altos pode ser subvalorizada, e uma ação com múltiplos baixos pode ser sobrevalorizada”.)
Entretanto, a diferença de avaliação entre o barato e o caro é verdadeiramente histórica – mas somente no que diz respeito à sua duração. O quintil mais barato no índice Russell 1000 viu seu múltiplo permanecer deprimido em relação ao mais caro por cinco anos seguidos, numa sequência não registrada pela Bloomberg desde 2001.
No entanto, para todos nada fora do comum parece estar acontecendo. O spread é amplo, mas ele era igualmente ruim durante o estouro da bolha pontocom, quando os fundos passivos eram menores.
Talvez os problemas das value stocks tenham menos a ver com o passivo e mais com a era da inovação tecnológica em que o vencedor leva tudo. Isso alimentou a ascensão de grandes ações em fase de valorização (growth stocks) com lucros estáveis, como as de empresas de software e da internet — um investimento ainda mais atrativo quando as perspectivas econômicas se mostram nebulosas, como aconteceu na pandemia.
O resultado? A ascensão implacável das growth stocks pode ter sido exacerbada pelo dinheiro de índice — mas as ações de aparência barata eventualmente acabarão encontrando seu momento, segundo Lamar Villere, gerente de portfólio da Villere & Co.
“Quem é dono do que está fora da moda naquele momento vai afirmar que o mercado está quebrado”, diz ele. “Não acho que o mercado está quebrado. Acho que talvez ele não esteja compensando os investidores em valor tão rapidamente quanto antes, porque existe um viés de crescimento inerente ao investimento passivo.”
fonte: valor econômico

