Por Eduardo Magossi — De São Paulo
21/12/2023 05h03 Atualizado há 5 horas
O ano de 2024 tem potencial para fazer a renda fixa brilhar, apesar da expectativa de que os bancos centrais dos países desenvolvidos comecem a cortar juros, avaliam o sócio e estrategista-chefe do BTG Pactual, João Scandiuzzi, e o sócio e CIO da área de “portfólio solutions” do banco, Marcelo Santucci, em entrevista ao Valor. “A renda fixa está com retorno muito interessante em relação aos últimos dez, doze anos. Geralmente, em ambiente de corte de juros, os ativos de risco oferecem retornos melhores, mas quando existe também um cenário de desaceleração econômica potencial, o retorno ajustado ao risco da renda fixa fica superior ao da variável”, diz Santucci.
Apesar da desaceleração esperada, os profissionais do BTG não trabalham com expectativa de recessão nos EUA. Os executivos reforçaram o cenário de pouso suave da economia americana com que já vinham trabalhando depois dos acenos mais “dovish” (suaves) feitos pelo presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Jerome Powell, na sua reunião de política monetária de dezembro. Mas não acreditam que o Fed irá cortar os juros tão cedo como o mercado precifica, nem de forma abrupta. “O primeiro corte deve ocorrer entre maio e junho. Um corte em março só seria possível se o relatório de empregos, o ‘payroll’, ficar negativo.”
Segundo Santucci, o processo de desinflação está em andamento, mas a partir de agora deve ser muito mais lento. Scandiuzzi projeta um índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) de 2,8% no fim de 2024 e um índice de preços de gastos com consumo (PCE) de 2,4%, ambos ainda acima da meta do Fed de 2%. “A convergência para a meta vai acontecer mais em 2025”, disse.
Para Scandiuzzi, este processo todo tem sido benigno, por isso a expectativa de pouso suave. “Nos últimos anos, a política fiscal tem sido estimulativa, dando suporte importante à economia, aumentando a renda das famílias em cerca de 4% em termos reais. A indústria manufatureira nos EUA também tem crescido muito, da ordem de 80% ao ano, através de subsídios, trazendo de volta ao país empresas que foram embora. Tudo isso tornou a economia mais resiliente e contrariou a expectativa inicial de recessão este ano.”
“Um dos fatos de não termos uma recessão é que não houve um choque financeiro que precipitou a piora econômica, como nas recessões de 2008 e 2001. O choque financeiro tem um efeito acelerador que amplifica um pequeno problema econômico em uma contração brutal de crédito”, disse. Para Scandiuzzi, hoje é difícil vislumbrar o que seria esse choque financeiro. “Em 2001, havia excesso de alavancagem nas bolsas; em 2008, a contração de crédito não permitiu que famílias e empresas se financiassem. Mas hoje o excesso de dívida está basicamente no setor público, que sempre consegue se financiar.”
“Retorno ajustado ao risco da renda fixa fica superior ao da variável em cenário de desaceleração” — Marcelo Santucci
O estrategista vê agora que o enorme déficit fiscal criado para estimular a economia durante a pandemia está atuando como detrator de crescimento. “Também teremos o esgotamento do excesso da poupança das famílias em 2024 e os efeitos defasados da política monetária, o que vai fazer o mercado em algum momento flertar com a ideia de recessão. Se fomos para recessão, vai ser branda, exatamente por não ter excesso de dívida nas famílias e nas empresas. Empresas fizeram refinanciamento ótimo a juros baixos para estender prazos de vencimento. Então os efeitos do aumento de juros estão sendo muito defasados. Quem está com maior desequilíbrio é o setor público, mas não existe uma pressão para um ajuste imediato.”
Sem recessão, a expectativa é de corte de juros graduais nos EUA. “O primeiro em maio ou junho e depois um por trimestre, ou seja, três cortes de 0,25 ponto percentual em 2024 e mais três em 2025, chegando no fim de 2025 entre 3,75% e 4%”, disse. “A justificativa para cortar juros seria a de estar em uma política de juros contracionista e a própria queda da inflação faria com que o juro real fosse elevado. É um processo gradual que acompanharia a própria queda de inflação, que será lenta.”
Para Santucci, este cenário é mais desafiador para a renda variável. “O bom resultado do S&P 500 este ano foi resultado da economia resiliente americana e da inteligência artificial. Mas no ano que vem esse resultado pode não ser tão exuberante. Normalmente o mercado acionário tem um retorno mais contido até que o cenário se acomode”, afirma. Segundo ele, seu portfólio hoje está abaixo do neutro em renda variável e sobrealocado em renda fixa.
O CIO conta que, em renda variável, prefere ações de qualidade – de empresas que não precisam ir ao mercado – e evita consumo discricionário e energia. “Setores como o de tecnologia transformacional e de saúde também podem ser positivos por se beneficiar de inteligência artificial”, disse. Na renda fixa, Santucci prioriza títulos corporativos “high grade” de até cinco anos e TIPS (título do Tesouro dos EUA atrelado à inflação, similar à NTN-B) curtas, e títulos do Tesouro de 30 anos para calibrar o portfólio.
Os executivos dizem que esse período de corte de juros pode ser positivo para o Brasil. “Se o juro americano ficar em 4% e a Selic em 9,5% ou 10%, uma diferença de 6 pontos percentuais pode ser interessante para o investidor internacional. Além disso, um período de desaceleração também é momento de consolidação, e muitas empresas estrangeiras podem querer investir no país.”
“Em outros tempos, tudo aquilo que seria um calcanhar de Aquiles para o Brasil está funcionando bem. Fizemos um bom trabalho no controle da inflação, dos juros, bom ajuste nas contas externas. Todos esses elementos estão controlados, o que torna o país um bom ativo”, avalia Scandiuzzi.
Fonte: Valor Econômico

