A economia brasileira passou por um ano “muito positivo” em 2023, com recuo da inflação e “crescimento surpreendendo positivamente”. Mas 2024 promete ser “mais desafiador”, por causa das incertezas globais e do enfraquecimento dos fatores que impulsionaram domesticamente a atividade neste ano. A avaliação é de Shireen Mahdi, economista principal para o Brasil do Banco Mundial.
Em prazos mais longos, a reforma tributária do consumo e a agenda de combate às mudanças climáticas são fatores que tendem a beneficiar a economia do país, segundo ela. Mesmo assim, Shireen defende que são necessárias outras reformas para elevar a produtividade e o crescimento estrutural do Brasil.
“Em 2024, veremos um crescimento global menor pelo terceiro ano seguido”, afirma, chamando atenção para os juros elevados mundialmente, maior “fragmentação” do comércio, “tensões geopolíticas” e dúvidas sobre o desempenho econômico da China. A economista lembra que um crescimento global menor tende a diminuir preços de commodities, o que é “relevante para o Brasil”.
Dentro do país também existem “ventos contrários” a uma expansão mais acelerada da atividade. Entre eles, está o crescimento menor previsto para a agropecuária, que em 2023 viveu um “pico” e foi o principal fator que impulsionou o Produto Interno Bruto (PIB). Outro é a ausência de reajustes expressivos previstos para o Bolsa Família, que em 2022 (ainda como Auxílio Brasil) e em 2023 “fortaleceram a demanda doméstica”. Em relatório divulgado em outubro, o Banco Mundial calculava crescimento de 1,3% do PIB para 2024. Já no acumulado em quatro trimestres até setembro deste ano o PIB apresentava alta de 3,1%, segundo o IBGE.
Shireen lembra que em 2021, quando chegou ao Brasil para ocupar o seu atual cargo, a reforma tributária do consumo já era algo “muito aguardado”, que o país estava tentando fazer “há muito tempo”. Apesar das mudanças realizadas no Congresso, ela afirma que o “núcleo” da reforma está preservado e tende a “reduzir os custos” das empresas e melhorar “o ambiente de negócios”. Ainda no âmbito tributário, a economista elogia outras medidas apresentadas pelo Ministério da Fazenda, como a taxação de offshores.
“O Brasil tem muito espaço para tornar o seu sistema tributário mais progressivo”, diz.
Outro fator positivo de médio prazo é que o governo “está muito focado na agenda climática”, tanto no caso das “lideranças” quanto nos “níveis técnicos”. “Não apenas na [preservação da] floresta, mas em questões como energia”, diz. Ela chama atenção para o Plano de Transformação Ecológica coordenado pelo Ministério da Fazenda, destacando ações como política de hidrogênio verde, marco de regulação de carbono e títulos soberanos sustentáveis.
Mas, apesar dos ganhos esperado com as mudanças tributárias e a agenda climática, a economista alerta para a importância de reformas que aumentem a produtividade e o crescimento estrutural do país. Ela cita a necessidade de “mais competição” dentro do Brasil e de “maior abertura para a economia global”, principalmente por meio de acordos comerciais – como o que vem sendo negociado entre Mercosul e União Europeia e o firmado na semana passada entre o bloco e Cingapura.
Também critica as “muitas distorções” do sistema financeiro, como o patamar “ainda muito alto” de crédito direcionado (entre 30% e 40% do total), o que eleva os spreads bancários e dificulta a condução da política monetária. Ainda afirma que o Brasil “precisa fazer muito mais” para melhorar a qualidade da educação.
Sobre 2023, Shireen diz que o crescimento da economia brasileira “surpreendeu positivamente”, influenciado por fatores como o desempenho da agropecuária. “Não foram apenas os preços. A [maior] oferta desses produtos também ajudou.”
O mercado de trabalho também melhorou desde janeiro, beneficiando “uma base ampla” de homens e mulheres de diferentes faixas etárias.
Além disso, “a inflação virou e se estabilizou no Brasil”, com enfraquecimento da trajetória de preços não apenas no caso de alimentos, por exemplo, mas também das medidas mais sensíveis à política monetária. Ela credita a queda da inflação ao fato de o Banco Central (BC) do Brasil ter elevado a taxa básica de juros mais cedo do que a grande maioria dos seus pares, “local ou globalmente” – o que por sua vez também permitiu à autoridade monetária brasileira começar o ciclo de cortes mais cedo. Desde agosto, a Selic já caiu de 13,75% para 12,25%, sempre em termos anuais, e deve recuar mais 0,5 ponto percentual nesta semana.
Mas, ainda que considere positivo o ciclo de cortes, a economista do Banco Mundial defende que é “importante” que o BC siga “cauteloso”, por causa das políticas monetária global e fiscal no Brasil.
De acordo com Shireen, o novo arcabouço fiscal tem formato que “tenta ao mesmo tempo garantir investimentos [públicos] e a estabilização da dívida”, o que “não é fácil de fazer”. Embora considere que as propostas que buscam elevar a arrecadação sejam meritórias por si só e necessárias para que o arcabouço funcione corretamente, ela diz que a ausência de medidas mais concretas para cortar gastos “é um dos pontos fracos” do modelo. Por isso, é essencial que “nos próximos dois, três anos” o debate sobre “contenção de despesas continue na mesa”.
De qualquer maneira, ainda é “muito cedo para afirmar se o Brasil vai precisar mudar” a meta de resultado primário do governo federal para o ano que vem.
“A coisa mais importante é a credibilidade. Uma meta de 0,5% do PIB a mais ou a menos importa, mas o mais importante é garantir que o arcabouço seja percebido como algo crível e apoiado [pelas medidas fiscais em vigor]”, diz. A credibilidade das metas é importante inclusive para todos os anos, e “não só para 2024”.
Na avaliação da economista, apesar das dificuldades previstas para 2024, há motivos para ficar “muito animado” com o Brasil no médio prazo. “Se todas as estrelas se alinharem e as reformas certas forem feitas, o país tem uma grande oportunidade de crescer mais e de maneira mais verde, de virar um líder [no crescimento sustentável]”, afirma. “O Brasil sabe o que precisa ser feito.”
De nacionalidade britânica e somali, Shireen está há 12 anos no Banco Mundial. Antes, trabalhou na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e no Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido.
Fonte: Valor Econômico

