Por Fernanda Guimarães e Mônica Scaramuzzo — De São Paulo
31/07/2023 05h02 Atualizado há 4 horas
Se os primeiros meses de 2023 foram marcados pelas incertezas, sobretudo dos rumos da economia – do país e global – e de como seria o início da terceira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, a expectativa para o próximo ano, por ora, parece menos nebulosa e de retomada de negócios. “O que podemos dizer é que 2024 será o ano dos IPOs [ofertas iniciais de ações], diz Cristiano Guimarães, responsável pelo banco corporativo e de investimento do Itaú BBA, em entrevista ao Valor.
O momento representa uma inversão rápida de cenário. No início do ano, depois do trauma dos eventos corporativos juntamente com o ambiente de juros altíssimos – e naquele momento sem previsão de início de queda -, uma pergunta pedindo previsões para o mercado de capitais no Brasil poderia trazer uma resposta decepcionante ao interlocutor. Naquele momento, não se arriscaria imaginar quão rápida seria a retomada. No entanto, o mercado de ações acelerou e pegou ritmo. Em renda fixa, tanto local quanto lá fora, as empresas voltaram a acessar capital. Os estrangeiros, que estavam mais distantes, voltaram a alocar e têm aumentado a exposição.
No Itaú BBA, que ocupou a primeira posição do ranking de receitas com comissões da consultoria Dealogic na primeira metade do ano, a leitura é a de que as boas notícias vão continuar movimentando o mercado, que já está mais ativo.
E toda essa mudança tem se refletido no próprio perfil das operações. Nas ofertas de ações, por exemplo, lá em abril, depois de meses sem nenhuma transação, as companhias de saúde Dasa e Hapvida foram a mercado por força da necessidade de ajustar seus balanços e precisaram, em suas ofertas subsequentes (“follow-ons”), de aporte dos seus controladores.
“Agora as operações mudaram de perfil e as companhias já começaram a olhar para investimentos”, afirma Guimarães. Por isso, a expectativa é a de que a seca de quase dois anos ininterruptos sem nenhum IPO – o que não acontece há pelo menos 25 anos – chegue ao fim.
Dentre as ofertas claramente com essa nova cara estão a rede de locação de carros Localiza, em uma operação que movimentou R$ 4,5 bilhões, e a MRV, com mais um R$ 1 bilhão – outra oferta primária, ou seja, que injetou dinheiro no caixa da empresa. Sem colocar na conta a oferta da distribuidora de produtos médico-hospitalares Viveo e a da Copel, transação que culminará na privatização da companhia de energia elétrica paranaense, em 2023 o volume financeiro das operações já soma R$ 22,3 bilhões, praticamente o mesmo valor de todo o ano de 2022 – tirando do cálculo a oferta da Eletrobras, que distorce a comparação.
À medida que mercados de renda fixa e variável começam a destravar, aumenta atividade de fusões e aquisições
Segundo o executivo do Itaú BBA, foram os estrangeiros que perceberam mais rapidamente a mudança de clima, algo que foi sentido em conferência com executivos e gestores do banco em meados de maio, em Nova York. Notícias positivas, como os dados de inflação, um olhar mais otimista sobre crescimento econômico, a aprovação do arcabouço fiscal e até mesmo a reforma tributária que passou pelo Congresso Nacional. Tudo isso já vem sendo notado também no desempenho da bolsa, que desde o pior momento de março já subiu cerca de 20%.
A percepção de melhora do ambiente também já foi estampada pelas agências de classificação de risco, importante termômetro para os investidores começarem a direcionar mais fluxo de capital ao Brasil. “O ‘upgrade’ da Fitch reforça o momento positivo para o mercado de capitais brasileiro. O número de ofertas de renda fixa e equities vai se beneficiar com este cenário benigno”, diz Guimarães.
À medida que os mercados de renda fixa e variável começaram a destravar, as transações de fusões e aquisições (os M&As, no jargão do mercado financeiro) também andaram. Além do acesso ao financiamento, é premissa para esse tipo de operação um maior otimismo dos negociadores. “Há uma maior predisposição a se fazer negócio”, comenta o chefe global do banco de investimento do Itaú BBA, Roderick Greenlees. Dentre exemplos recentes de transações que acabam de ser anunciadas e que tiveram o Itaú dentre os assessores estão a fusão das operadoras regionais de internet Vero e Americanet e a compra da brasileira Rio Energy, do setor de energia renovável, pela norueguesa Equinor.
No ano até aqui, nas operações de M&A, contabilizando apenas aquelas que envolveram assessores financeiros, o volume chegou a R$ 85,9 bilhões, o que tem rodado 36% abaixo do mesmo período do ano passado. Até o fim do ano, a projeção de Greenlees é que haverá alguma aceleração da atividade, para encerrar com um volume financeiro entre R$ 150 bilhões e R$ 200 bilhões.
Já para as ofertas de ações, mesmo ainda sem os IPOs dando as caras, as ofertas subsequentes seguirão fazendo fila depois de um início de ano bastante morno e que deixou a atividade dos bancos de investimento aquém do esperado no primeiro trimestre. Com 15 ofertas até aqui -17 somando as duas já lançadas mas sem preços fixados -, a projeção de Greenlees feita no final do ano passado se manteve intacta, apesar das dúvidas que pairaram no início do ano. A estimativa é que haverá entre 25 e 35 ofertas até o fim de 2023, no total.
Os chamados “non deal roadshows”, como são chamadas as reuniões entre o alto escalão de empresas ainda não listadas e gestores do mercado, não seguiram a lógica da paradeira do mercado de IPOs e continuaram ocorrendo, segundo Guimarães, o que não significa que o retorno dos IPOs seja um movimento iminente. Mas as empresas seguem a dinâmica de preparação, algo positivo em um mercado mais maduro.
O mesmo movimento de retomada foi notado na indústria de renda fixa, isso depois que os resgates dos fundos se estancaram após um início de ano traumático para o mercado de crédito privado, muito por conta da dupla de acontecimentos Americanas e Light. No mercado local de debêntures, as emissões somaram R$ 195 bilhões no ano passado, também reflexo da decisão das empresas de anteciparem emissões dadas as condições de mercado, afirma o diretor de renda fixa e produtos estruturados do Itaú BBA, Felipe Wilberg. Para este ano, as emissões locais devem ficar entre R$ 100 bilhões e R$ 110 bilhões, estima.
Fonte: Valor Econômico

