Diz uma lenda chinesa que as carpas que conseguem chegar à nascente do Rio Amarelo (Huang He), na época da desova, se tornam dragões. A transformação viria depois de elas subirem a cascata Longmen Falls e atingirem o topo da montanha Jishinhan, após terem nadado contra a corrente e saltado cachoeiras.
Na cultura oriental a carpa é associada à ideia de perseverança, superação dos obstáculos e luta pelo objetivo. Foi o animal escolhido pelo administrador Marcos Colares, 48, para ser tatuado no braço direito, há 15 anos. “É uma carpa subindo o rio. Quando ela está virada para cima, é porque eu atingi o objetivo final”, diz o presidente do Grupo DPSP, dono das redes Drogaria São Paulo e Drogaria Pacheco.
Do ponto de vista do jovem de 20 anos que começou como estagiário na Droga Raia e quase três décadas depois se tornou presidente do segundo maior grupo do varejo farmacêutico nacional, dono de um faturamento de R$ 16 bilhões e 1.650 lojas, a carpa atingiu o “objetivo final”. Mas no mercado farmacêutico a disputa não para.


Depois de construir a carreira na concorrência –foram 14 anos na Droga Raia, oito na Raia Drogasil (que se tornou líder do setor após a fusão das redes paulistas) e cinco na cearense Pague Menos–, Colares chegou à DPSP em julho de 2023, como diretor comercial e de marketing. Um ano depois, assumiu a presidência, três meses após a morte de Samuel Barata (1931-2024), um dos controladores do grupo.
Sua missão é fazer com que o consumidor veja a farmácia não como um ponto de venda de remédios, mas como uma central de cuidados com a saúde, com direito a amplo cardápio de vacinas, exames e testes. “A gente sabe dos desafios da saúde pública em atender a todos”, diz Colares. “Queremos que os nossos farmacêuticos estejam mais disponíveis e próximos do consumidor. A ideia é voltar ao que ele fazia lá atrás: dava apoio ao médico, era o farmacêutico de confiança da família.”
Seria o jeito de uma grande rede oferecer ao público o que ele já consegue em farmácias de bairro, especialmente no interior do país, um negócio que vem encolhendo. De acordo com a Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias), as 29 maiores redes nacionais, associadas à entidade, faturaram R$ 103,1 bilhões em 2024, o equivalente a 47% do varejo farmacêutico. Em 2023, a fatia era de 45%. Em número de lojas, porém, a grandes somam 12% do setor, com 11,2 mil pontos.
A distância da DPSP para a primeira colocada é grande: Raia Drogasil faturou R$ 41,8 bilhões em 2024. Colares afirma não se importar em atingir a liderança.
“Já somos líderes na preferência em São Paulo e no Rio, embora não sejamos líderes em faturamento. Mas a jornada continua e, em algum momento, a gente pode vir a ser”, diz ele. Talvez então o braço esquerdo do executivo receba a tattoo da carpa descendo o rio –símbolo da paz que se segue à luta.
O senhor fez carreira no varejo farmacêutico e já trabalhou para grandes rivais da DPSP. É mais fácil traçar estratégias quando se conhece o concorrente por dentro?
Eu comecei como estagiário, em 1997. Passei por várias escolas, Raia, Raia Drogasil, depois Pague Menos e isso me ajudou a ter uma visão não só de todas as etapas do comercial e de outras áreas, mas também uma visão sistêmica das regiões do Brasil. Os meus primeiros 20 anos foram aqui em São Paulo. Depois a gente expandiu muito para outros estados. Eu me mudei para o Nordeste, onde vivi os últimos seis anos. Estar em contato com culturas diferentes, com classes sociais diferentes, me ajuda a ter uma visão do todo e a me tornar um profissional muito melhor, mais completo. Essa vivência foi muito importante para eu me tornar CEO no ano passado, ajuda muito nas tomadas de decisão. Mas também conta uma base familiar sólida –sou casado com a Sol há 25 anos, temos dois filhos de 24 e 16 anos. Ela é terapeuta e me ajuda na conquista do equilíbrio, em manter a saúde mental em dia.
O senhor assumiu o grupo em julho do ano passado, três meses depois da morte do controlador, Samuel Barata. O que mudou desde então? Qual a sua missão na DPSP?
Somos uma empresa sólida que vem crescendo. A marca Pacheco tem mais de 100 anos, a marca São Paulo tem mais de 80 anos. Temos resultados muito bons nos últimos anos. A gente precisa melhorar no quesito preferência do cliente, ele precisa gostar mais da gente. Todo o trabalho feito até agora e que vamos desenvolver nos próximos anos está centrado em trazer soluções para o cliente. Queremos ser a rede preferida não só de paulistanos e cariocas, mas de todas as regiões onde atuamos, que somam nove estados e o Distrito Federal. Hoje mais de 15 milhões de clientes passam todo mês pelas nossas lojas. O grande desafio é ganhar a preferência do consumidor.
No passado, já houve negociações envolvendo a venda do controle do grupo. Essa disposição permanece ou os atuais controladores pretendem permanecer com o negócio?
As duas famílias acionistas [Barata, da Drogaria Pacheco, e Carvalho, da Drogaria São Paulo] querem perenizar a empresa. Mesmo nas discussões que existiram no passado, a ideia era receber o aporte de um novo sócio para continuar crescendo, não para vender o controle. A profissionalização da gestão também veio com esse intuito de garantir a continuidade do negócio. As famílias estão no conselho, que também tem membros independentes, especialistas em temas como gestão de pessoas, financeiro e tecnologia.
Caso apareçam oportunidades de captação de dinheiro, a família está aberta. Mas hoje a geração de caixa é muito boa, podemos financiar a nossa expansão, a gente não precisa de investimento externo. As duas famílias estão bem alinhadas com a visão de longo prazo que o ramo farmacêutico exige. Afinal, a gente cuida de saúde. Os fundadores eram farmacêuticos que criaram as redes do zero.
Quais são as maiores particularidades do varejo farmacêutico em relação a outros tipos de varejo, como o alimentar ou o têxtil?
É muito diferente. Nossa relação é de prestação de serviço, de acolhimento. Em um supermercado, você fica durante uma hora ou mais para fazer sua compra da semana ou do mês, e às vezes nem tem contato com o funcionário, passa no self-checkout e vai embora. Nas nossas lojas, não. Cada ponto de venda tem em média 180 m², com cerca de 17 funcionários, cinco deles farmacêuticos –se for uma loja 24 horas–, mais um gerente. Dificilmente você vai entrar numa das lojas e não ser abordado pela nossa equipe. Não é só a venda do produto. Você foi ao médico, chegou à farmácia e encontra o farmacêutico ali, para tirar dúvidas, para acolher quem está doente. Mas mesmo neste quesito a farmácia vem mudando.
Em que sentido?
Há 28 anos, quando eu comecei, a gente preparava a farmácia para o balconista, era uma visão burocrática, centrada na venda de medicamentos. Hoje isso não existe. A nova geração de farmácias deixou de ser um lugar para tratar a doença e se voltou para a valorização da saúde e do bem-estar, com foco na prestação de serviços. A gente quer que os nossos farmacêuticos estejam mais disponíveis e próximos do consumidor. Isso já acontece. Às vezes, o cliente entra na loja e diz: “Quero ser atendido pelo João, porque ele já me conhece”. Isso é completamente diferente da relação existente em um supermercado ou qualquer outra rede de varejo de alto fluxo. Os nossos clientes idosos, por exemplo, gostam de ir à loja, é o passeio matinal deles. No nosso setor, essa relação de confiança é crítica para o sucesso.
Que tipo de prestação de serviço?
Temos a vacinação, que é super importante para ajudar o governo na imunização da população, por estarmos mais próximos. Temos desde vacina contra gripe até HPV, são 360 salas de vacinação na rede. Mas temos outros serviços, como aferição de pressão, exame de colesterol, hemoglobina glicada, PSA, TSH, teste de Covid, dengue, glicemia e gravidez [beta HCG]. Estamos conversando com a Vigilância Sanitária e com a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], via Abrafarma, para que mais testes sejam liberados em nossas lojas. A farmácia vai se tornar um ponto de atendimento primário de saúde, assumir o papel de agente de saúde mais próximo do consumidor. A gente quer oferecer essa saúde mais primária, menos complexa, que faça uma triagem, sem tirar a força do médico. A gente sabe que a maioria das pessoas vai uma vez por ano a uma consulta, mas na farmácia vai toda semana. A ideia é voltar ao que o farmacêutico fazia lá atrás: dava apoio ao médico, sendo o profissional de confiança da família. Esse tipo de serviço pode ajudar a aliviar o SUS [Serviço Único de Saúde]. A gente sabe dos desafios da saúde pública em atender a todos.
A população brasileira vem se tornando mais velha e longeva. O quanto este cenário é favorável ao varejo farmacêutico?
Com o envelhecimento da população, as necessidades vão aumentar. É mais um desafio enorme para a saúde pública. A evolução do papel da farmácia passa por atender o público com profissionais treinados, que prestem informação de qualidade, em meio a tantas fake news nas redes sociais. Para isso, investimos muito na formação do nosso pessoal, temos uma universidade dentro da empresa, que atende com cursos não só na área farmacêutica, mas também de negócio, operações, logística, liderança e cultura. Trabalhamos para que a nossa população envelheça melhor, com qualidade. Gastando menos com pronto-socorro, exames, internação, tudo o que aumenta o custo da saúde no Brasil.
É difícil achar farmacêutico?
Em algumas regiões sim. No interior de São Paulo, por exemplo, é mais difícil. Subsidiamos a formação universitária dos nossos funcionários entre 60% e 70% do valor. O nosso funcionário já se identifica com a área e está disposto a crescer na carreira. Essa oportunidade é super importante para ele. O papel do farmacêutico é se tornar um agente de saúde. Temos um programa de acompanhamento do paciente que toma medicação diária, de uso contínuo, para problemas como hipertensão e diabetes. Isso é uma questão de saúde pública. Se ele para de tomar por conta, porque deixou de sentir os sintomas, é um grande risco. Pode ter um problema mais grave lá na frente e ser internado.
Existe uma discussão a respeito da liberação da venda de medicamentos sem prescrição em outros pontos de venda, como o varejo alimentar. Como o senhor vê esta questão?
Todo mundo está interessado. Mas o mercado farmacêutico brasileiro é muito regulamentado, o que é bom, porque dá segurança ao consumidor final. A preocupação do varejo é vender. A nossa é cuidar do cliente. Investimentos muito em treinamento, orientação e serviços com este fim. A gente prima para que o cliente se sinta seguro em consumir um medicamento e tenha informações de qualidade. Além disso, temos todo o estoque que ele necessita. Outros varejos vão querer vender apenas produtos de alto giro, não aqueles que só têm demanda a cada quatro meses. Essa preocupação é o nosso diferencial. Não fazemos só o transacional. Trabalhamos para que o cliente sinta a nossa proximidade, a nossa conexão.
Hoje uma parte relevante das vendas das farmácias vem de produtos de conveniência, higiene pessoal e beleza. Qual a importância dessas categorias para a DPSP e por que interessa crescer nelas?
Uma solução de saúde completa passa por higiene, beleza e nutrição. Produtos para pele e cabelo, por exemplo, aumentam a autoestima, já suplementos contribuem para o melhor desempenho do organismo. O segmento de higiene, beleza e nutrição representa cerca de 30% das vendas, cresce de maneira mais acelerada que medicamentos. Tanto que lançamos uma marca própria, Ever Care, para fidelizar a clientela, entregando um produto de qualidade a preço acessível. Hoje são mais de 700 itens, quase 4% das vendas.
A principal receita vem de qual segmento?
De medicamentos com prescrição, que representa cerca de 50% do nosso negócio. Os medicamentos sem prescrição respondem de 15% a 20%, depende da sazonalidade –verão ou inverno. Já o segmento de higiene, beleza e nutrição soma entre 30% e 35%, dependendo do mês.
O que deve impulsionar o crescimento da DPSP nos próximos anos: a venda online ou novas lojas?
Estamos abrindo cerca de cem lojas este ano nos mercados onde já estamos –São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal, Bahia e Pernambuco. É um negócio focado em serviços, então, precisamos estar perto do consumidor. Também vamos inaugurar o sétimo CD [centro de distribuição] este ano, em Nova Odessa (SP), com 22 mil m². Mas quem puxa o crescimento é o digital, que representa 20% das nossas vendas. Antes da pandemia, eram 2%. O canal cresceu 48% no ano passado, enquanto a empresa como um todo cresceu 12%. Em 2030, o digital deve representar entre 40% e 50% do nosso negócio. Mesmo medicamento com prescrição é possível vender online, atendendo todo o Brasil.
O quanto a Selic a dois dígitos atrapalha os negócios?
Atrapalha os investimentos. O capital que a gente precisa para crescer fica mais caro. É preciso cuidar muito bem da gestão das despesas. Do lado do consumo, o mercado é mais resiliente, sofremos menos. Devemos crescer cerca de 12% este ano, chegando a R$ 18 bilhões de faturamento.
Como deve ser o grupo em 2030? É tempo suficiente para atingir a liderança?
A gente não olha para essa questão. Não está na minha mira ser maior do que a Raia Drogasil, mas sim fazer o nosso trabalho bem feito, um pouquinho melhor a cada dia. Já somos líderes na preferência em São Paulo e no Rio, embora não sejamos líderes em faturamento. Mas a jornada continua e, em algum momento, a gente pode vir a ser. Queremos crescer de maneira consistente. O objetivo é conquistar a preferência do nosso cliente, vamos trabalhar duro para continuar avançando dois dígitos por ano. Eu vejo 2030 com muito mais serviço do que a gente tem hoje, com o farmacêutico consolidado como um dos principais agentes de saúde da população.
Idade: 48
Origem: Santos (SP)
Onde trabalhou: Droga Raia, Raia Drogasil, Pague Menos, DPSP
Formação: administração de empresas
Thomaz de Carvalho chegou à capital paulista em 1922, no “centenário da independência”. Foi trabalhar na Farmácia Silveira, na avenida Tiradentes. Depois trabalhou na Drogaria Brasil, que mais tarde se uniria à Drogaria Bráulio para criar a Drogasil, em 1935.
Com as suas economias, em 1929, comprou uma “farmacinha” na Vila Maria. Naquela época, as drogarias vendiam por atacado, para abastecer as farmácias, que manipulavam fórmulas. Assim como ele, porém, muitos estavam insatisfeitos com a Drogasil. Em 1936, Carvalho e alguns amigos criaram uma atacadista, a Drogafarma. Anos depois, o negócio acabou vendido para a própria Drogasil.
Foi então que ele decidiu, em 1943, fundar a Drogaria São Paulo, registrando inclusive a marca. A loja foi inaugurada na rua José Bonifácio, centro velho da capital paulista.
Segundo a Abrafarma, que reúne 29 associadas
“No início, a Drogaria São Paulo trabalhava mais no atacado, tinha relações com proprietários de farmácias. Depois, devido à inflação excessiva, da época do Getúlio [Vargas, presidente do Brasil], começamos a vender à vista com desconto e criar filiais para atender ao público em geral”, disse. Assim nasceu a rede.
Já a carioca Drogaria Pacheco foi fundada em 1892, na esquina da Rua dos Andradas com a Rua Buenos Aires, centro da capital fluminense. O dono era o farmacêutico José Magalhães Pacheco. Naquela época, as pessoas iam às farmácias com prescrições feitas pelo “médico da família”. O negócio ganhou tanto a confiança dos cariocas do final do século XIX, que o “Se não tem na Pacheco, não adianta procurar” virou bordão.
Em 1941, Jamyr Vasconcellos, ex-funcionário da primeira unidade da Drogarias Pacheco, criou uma distribuidora de produtos farmacêuticos. O negócio foi adquirido em 1974 pelo empresário Samuel Barata que, em 1977, comprou a própria Drogaria Pacheco.
Barata manteve o nome original, que já era sucesso no Rio, e expandiu a rede para além do mercado fluminense. Muito discreto, o empresário ocupava o 75º lugar na lista de bilionários brasileiros publicada pela Forbes em 2023, com um patrimônio de R$ 5 bilhões. Era irmão de Jacob Barata, que ficou conhecido como “o rei dos ônibus” no Rio. Morreu em abril de 2024, aos 93 anos.
Fundação: 1892
Funcionários: 30 mil diretos
Faturamento 2024: R$ 16 bilhões
Presença: 1.650 lojas em 9 estados e DF, mais sete CDs (SP, RJ, MG, GO, ES e BA)
Principais rivais: Raia Drogasil, Pague Menos, Panvel
A Folha deu início em 24 de março à série “Lideranças do Varejo“, com entrevistas em vídeo e texto com os presidentes de algumas das maiores redes e marketplaces do país.
As reportagens trazem um perfil das empresas, dos seus líderes e a história de algumas marcas já incorporadas ao dia a dia da população.
Entre os temas que ocupam o cotidiano dos executivos estão a queda de braço com a indústria por preços, a adaptação às legislações trabalhista, tributária e que regulamentam a logística em diferentes estados e cidades do Brasil, a adoção de evoluções tecnológicas, a procura por melhor margem de lucro e a necessidade de sentir o pulso do consumidor, para acompanhar as mudanças de comportamento que levam a novos hábitos de compras.
Fonte: Folha de São Paulo