Depois de nove anos sem acessar o mercado de dívida local, a ValeCotação de Vale deverá captar R$ 6 bilhões em novembro com debêntures incentivadas que terão uma característica pouco usual: a remuneração poderá ficar abaixo da oferecida por um título público. A explicação para isso está na forte demanda por títulos de renda fixa, em especial para os isentos de Imposto de Renda, o que já garante o apetite pelos papéis, além do fato de a companhia ser considerada como de baixo risco.
Levando em conta o benefício fiscal, as debêntures incentivadas podem ser atrativas para os investidores, mesmo com a remuneração sendo menor que a dos títulos do Tesouro, diz Rafael Zlot, executivo-chefe de investimentos em renda fixa da Genial Investimentos. Para ele, “não dá para operar muito abaixo da NTN-B”, mas uma redução em níveis marginais ainda pode gerar demanda. “Isso só vale, porém, para casos de nomes muito bons. Não são todas as empresas que conseguem fazer o mesmo”, pondera.
Quando uma empresa emite uma debênture, a remuneração parte de uma referência que é o título público com prazo similar. A partir daí, é acrescentado um prêmio que considera, por exemplo, o risco de a empresa não honrar os pagamentos. Essa taxa também depende do momento de mercado. Pode cair se a demanda for grande. Na situação contrária, os prêmios de crédito avançam.
No caso da Vale, os papéis serão divididos em três séries. Na primeira, que vence em dez anos, a mineradora pretende pagar o equivalente a NTN-B 2035 menos 0,3% ao ano. Na segunda, de 12 anos, o equivalente a Tesouro IPCA 2035 menos 0,25% ao ano. No último grupo, o plano é pagar IPCA 2040 menos 0,2% ao ano. A remuneração final será definida no dia 4 de novembro. A empresa vai utilizar o dinheiro para projetos de infraestrutura, como investimentos em ferrovia.
A última oferta de debêntures feita pela mineradora foi em setembro de 2015. A Vale geralmente busca recursos no exterior, com a emissão de bonds, mas decidiu neste ano aproveitar o rali no mercado interno. “Com esse custo, vale a pena testar o mercado local, ainda que o offshore seja tradicionalmente o maior mercado por causa do balanço dolarizado”, diz um gestor.
O mercado de crédito privado vive hoje um momento positivo, após mudanças na tributação de fundos exclusivos e com a perspectiva de alta de juros, fatores que aumentaram o fluxo para os fundos. Também houve uma redução das possibilidades de ofertas de títulos isentos, após o governo fechar o cerco para papéis como certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA) e letras financeiras.
Com a diminuição de emissões de títulos e a forte demanda, as taxas das debêntures encolheram. Um relatório do BTGCotação de BTG indica que os spreads de crédito chegaram em setembro a 43 pontos-base acima da NTN-B, menor distância desde julho de 2022, atingindo uma taxa de IPCA mais 6,81%, contra 57 em julho.
No geral, embora os spreads das debêntures incentivadas estejam um pouco menores que a média histórica, as taxas nominais estão em patamares historicamente muito elevados, o que justifica o forte interesse dos investidores, segundo Ulisses Nehmi, presidente da Sparta.
Na gestora, porém, os fundos de debêntures incentivadas estão fechados desde o primeiro semestre. “Isso evita termos que comprar uma grande quantidade de ativos, eventualmente a preços desfavoráveis. Fechamos para captação porque a demanda já estava muito elevada na época”, explica. Segundo Nehmi, os recursos captados nas ofertas mais recentes dos fundos podem ser alocados aos poucos, “num ritmo adequado, com condições adequadas”.
Nos próximos meses, o esperado é que os spreads de crédito se mantenham estáveis, segundo diz a Legacy em carta enviada a clientes nesta semana, sem muito espaço para novas quedas, mas também sem gatilhos para altas nas taxas. “Deverá ser um período quando os retornos virão mais de mais carrego e menos de ganhos de capital”, aponta no texto a gestora, que também acredita em uma vantagem das debêntures incentivadas de baixo risco de crédito em relação às NTN-Bs.
Fonte: Valor Econômico

