/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2025/K/e/Xp8dv1SQaWsQSO2PQyoQ/foto22emp-101-ultrafar-b4.jpg)
Antes da Operação Ícaro, que apura crimes de corrupção relativos a ressarcimento de ICMS nas redes Ultrafarma e Fast Shop, a rede de farmácias vinha sendo cobrada para quitar impostos e taxas em atraso por parte dos municípios de São Paulo e no interior paulista. Em parcela das ações, a cadeia alegava prescrição tributária, erros em processo ou a quitação até ocorria, mas o recurso permanecia em juízo.
Uma verificação pelo Valor das ações em andamento no Tribunal de Justiça de São Paulo, onde a varejista concentra a operação, mostra que há casos de cobranças de dívidas de 13 anos atrás, sem sucesso no pagamento.
Uma ação da Prefeitura de São Paulo de quase R$ 200 mil, em trâmite na vara das execuções fiscais, teve a sua cobrança inicial em 2019, primeiro ano da tramitação, quando a soma não foi paga. A empresa alegou falha ou vícios no título emitido, e a Justiça entendeu que o título da dívida era de fácil “compreensão”, e foi concedido prazo de cinco dias para quitação.
Após isso, a ação parou de avançar, ficou um ano suspensa em 2021, até que, na quarta-feira (20) – dias após a Operação Ícaro expor um suposto esquema de corrupção na rede – a Justiça relatou que aguarda prazo do parcelamento do acordo.
Num outro processo em 2018, sobre taxa de coleta de resíduos sólidos de saúde, acumulada em R$ 243 mil, a Ultrafarma foi cobrada sobre débitos em 2012, 2013 e 2016 em São Paulo. Considerando que o contribuinte pode ser cobrado por cinco anos a partir do surgimento da obrigação, só havia prescrição para as dívidas de 2012. Essa discussão levou três anos, ainda houve mudança de magistrado, e a ação parou.
O caso foi avançar apenas neste mês, também no dia 20 de agosto, quando a Justiça relata que o processo entrou num pacote de cobranças de ações, numa iniciativa da Prefeitura e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), envolvendo cerca de 11,7 mil ações. A Ultrafarma foi incluída no grupo, e nos autos, ainda se aguarda definição sobre o parcelamento da dívida.
Em Santa Isabel (SP), onde mora o dono da rede, Sidney Oliveira, uma cobrança judicial de 2022 de Imposto sobre Serviços (ISS) pela prefeitura local de soma bem menor, R$ 740, foi paga quase um ano e meio depois, mas o recurso segue em juízo. “O silêncio advirto, será interpretado como abandono da causa ensejando a extinção do processo”, relatou nos autos, no último dia 29 de julho, o setor de execuções fiscais.
Procurados, os advogados da rede nos processos e a prefeituras de Santa Isabel não se manifestaram.
A Prefeitura de São Paulo diz que a Procuradoria Geral do Município informa que os processos mencionados referem-se a execuções fiscais ajuizadas contra a Ultrafarma Saúde para cobrança de TRSS (Taxa de Resíduos Sólidos e Serviços de Saúde). E confirma que os processos estão suspensos, desde 2021, mediante parcelamento de dívida.
No dia 12 de agosto, o Ministério Público de São Paulo deflagrou a Operação Ícaro, que teve como alvos as redes Ultrafarma e Fast Shop, além do chefe de fiscalização da Fazenda de São Paulo, Artur Silva Neto. Promotores investigam se Silva Neto recebia propina para acelerar a liberação de ressarcimento de ICMS para as redes.
Ontem, o diretor da Fast Shop, Mario Gomes, teve a sua fiança de R$ 25 milhões suspensa, após deixar a prisão temporária, e se manteve em liberdade. Oliveira pleiteia o mesmo, alegando não ter esse dinheiro.
Grupos como Oxxo, a empresa de combustíveis Rede 28, e a varejista Krystalmix, de utensílios domésticos, ainda são citadas na ação. Teriam sido movimentados R$ 1 bilhão em propinas, e há outras empresas sendo investigadas.
Um possível acordo de delação de Silva Neto, em negociação com o MP, joga pressão sobre empresas pelo potencial do esquema a ser apurado. Nos autos, o juiz do caso, Paulo Mello, da 1ª Vara de Crimes Tributários, chega a citar os efeitos de um eventual acordo de delação premiada.
Nos últimos dias, varejistas de alimentos e farmácias buscaram informações no setor, em trocas de mensagens entre executivos e empresários, sobre possível envolvimento de outros grupos nas apurações, e, especialmente, se concorrentes poderiam ser arrastados no escândalo.
A dúvida é se as manobras para a liberação dos créditos de ICMS envolveriam não apenas acelerar o aval, mas também inflar solicitações e criar notas falsas de ressarcimento. O MP estava, até a semana passada, investigando também essa hipótese, dizem fontes.
O Valor ainda apurou que empresas de serviços, especificamente telefonia celular, foram alvo de contatos da Smart Tax, empresa da mãe de Silva Neto, e que seria o núcleo central das supostas manobras para agilizar os pagamentos.
Redes de drogarias ouvidas contaram ao Valor como é o contato com auditores da Secretaria da Fazenda (Sefaz). Não há acesso direto com a área de fiscalização, via telefone ou mensagens – como o MP relata à Justiça no caso da Ultrafarma e Fast Shop, dizem eles. Mas existiriam espécies de “gerentes de contas” de contribuintes que movimentam maiores somas de ICMS.
“São como se fossem ‘key accounts’, e eles nos ligam todos os meses para ter uma ideia de como anda o mês em movimentação, em vendas. Com isso, eles conseguem projetar a arrecadação de ICMS do mês, que é o foco deles”, diz um diretor financeiro de uma das redes. “Você nunca sabe quando vai conseguir receber seu crédito parado, mas eles querem saber da arrecadação.”
Somado a esse cenário, as investigações envolvendo a Ultrafarma trouxeram à tona um ambiente de supostas desavenças pessoais entre Sidney Oliveira e Manoel Conde Neto, fundador rede Farma Conde em 1993, uma das mais tradicionais do Vale do Paraíba e Litoral Norte.
Conde Neto foi condenado na Operação Monte Cristo, de 2017, que apurou um sistema de sonegação fiscal arquitetado entre drogarias e distribuidoras. Houve denúncia, condenação em 2023 (de quatro anos e oito meses) e perdão judicial, por conta do acordo de colaboração premiada fechado.
Foi o empresário que trouxe o nome de Oliveira, pela primeira vez junto ao MP e ao Gaeco, o grupo de combate ao crime organizado, na delação de 2021. Para alguns dos ouvidos, foi a partir dali que a situação de Oliveira começou a se complicar.
“Eles [Conde Neto e Oliveira] não se veem há anos, um não quer ouvir falar do outro. O Sidney contratou funcionários do Manoel no passado e isso já foi um problemão”, diz um empresário de uma rede familiar de São Paulo. “E se for comprovado que Sidney é culpado, no fim das contas, dois entre os principais empresários do ramo podem acabar condenados”, afirma.
Pelo esquema, já investigado e comprovado pelos promotores da de São José dos Campos (SP), os produtos “viajavam” entre Goiás e São Paulo para pagar menos ICMS. Um exemplo na denúncia do dono da Farma Conde, ao citar a Ultrafarma, era a venda de dois comprimidos de um produto para disfunção erétil a R$ 0,67 na concorrente naquela época, sendo que o custo só com o ICMS seria de R$ 3,13.
“Até o ano passado, [a Ultrafarma] vendia produto num preço inexplicável. E é inexplicável o Fisco não ir lá fechá-la também. Porque nós, mesmo sonegando, e eu sonegava 10% do que vendia, e eles sonegavam 60%”, disse Conde Neto aos promotores na época. No fim, a Ultrafarma pagou R$ 31,9 milhões em multas, por conta de três autos de infração, e fechou acordo com o MP.
Em nota, a Ultrafarma informou que está colaborando com a investigação e que as informações veiculadas “serão devidamente esclarecidas no decorrer do processo e demonstrará a inocência no curso da instrução”. Os advogados de Conde Neto não comentaram. A Fazenda de São Paulo não se manifestou.
Fonte: Valor Econômico