Nas últimas duas semanas, o real recuperou parte da desvalorização que sofreu ao longo do mês de julho. O dólar acumula queda de 4,29% contra a divisa brasileira em agosto, e já testa o nível de R$ 5,40, em um ambiente de dissonância na percepção do mercado sobre a condução futura da política monetária no Brasil e nos Estados Unidos. Enquanto o Federal Reserve (Fed) sinaliza cortes nos juros já em setembro, o Banco Central do Brasil tem reforçado o tom conservador, que leva boa parte do mercado a embarcar na expectativa de um novo ciclo de elevação da Selic a partir do próximo mês.
É nesse contexto que a aposta favorável ao real feita pelo investidor institucional local voltou a aumentar. Desde o começo do mês, com a divulgação da ata da reunião de julho do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, a posição vendida em dólar contra o real (aposta na queda da moeda americana) pelo investidor local aumentou de US$ 4,6 bilhões para US$ 8,13 bilhões na última sexta-feira, de acordo com dados da B3 sobre derivativos de câmbio (dólar futuro, cupom cambial, swap cambial e dólar mini).
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Assim, diante de um menor receio sobre as futuras decisões do colegiado, perde sentido a cobrança de prêmio de risco elevado para operações envolvendo a moeda brasileira, conforme apontam gestores ouvidos pelo Valor.
“Tanto o cenário externo quanto o interno contribuíram para essa melhora do real”, diz o gestor de moedas da Vinland Capital, Vinicius Coletto. “Mas o fator principal foi a postura mais firme do BC em relação ao controle da inflação. Houve um estresse no mercado há alguns meses em relação ao BC, com desconfiança sobre a postura futura do [diretor de política monetária do BC, Gabriel] Galípolo. Agora, com o discurso mais conservador, houve mais espaço não só para eliminar prêmio de risco, mas também no sentido de beneficiar a moeda no que se refere ao ‘carrego’ [carry] do diferencial de juros”, diz.
Com a perspectiva de que a autoridade monetária manterá o rigor no combate às pressões inflacionárias, o diferencial de juros se mantém elevado não apenas porque a Selic não irá cair mais rápido, mas porque a taxa real tende a ficar maior por conta de uma inflação mais controlada. Além disso, a outra ponta do diferencial, a dos EUA, tem sinalizado um processo de flexibilização monetária em breve. Casas como Legacy Capital e Genoa Capital também têm adotado em seus portfólios posições compradas em real.
“O ‘soft landing’ [pouso suave] da economia americana tende a beneficiar as moedas de maior beta [medida que indica maior volatilidade], como é o caso do real”, diz Rodrigo Cabraitz, trader de câmbio da Principal Claritas. “O que vimos nessas últimas semanas foi justamente um conjunto de dados que mostraram um cenário em que afasta a ideia de ‘hard landing’ [pouso forçado] – que possivelmente gera uma recessão da economia americana e mantém o dólar forte -, para voltarmos a esperar por uma desaceleração gradual”, observa o operador.
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Nesse ambiente, Renato Junqueira, sócio e gestor da Gap Asset, diz gostar do real e mantém em sua carteira posições que apostam na valorização da moeda brasileira. “Passamos por um momento anterior, no dissenso do Copom de maio, que gerou muito ruído sobre a transição no BC. O real chegou a estar perdendo 10% no ano contra uma cesta de moedas pares que acompanhamos. Agora, estamos caminhando no sentido de esclarecer um pouco como vai ser essa transição e o fato de o Galípolo ter vindo a público ajuda na tentativa de ganhar credibilidade”, diz.
Junqueira, assim, mantém a aposta no real e avalia que ainda há espaço para uma apreciação da moeda brasileira, especialmente se comparado o desempenho no ano entre o real e outras moedas emergentes. “Claro, esse movimento das últimas semanas é impressionante, mas ocorre depois de outro movimento impressionante”, enfatiza o gestor, ao lembrar que, também recentemente, o dólar chegou a R$ 5,86. Para ele, com o BC mais duro e o Fed falando em cortar juros, o cenário favorece o real mais valorizado.
Em momentos em que os juros estão muito elevados nos EUA, o dólar costuma também estar fortalecido devido à atratividade de capital causada pelos títulos americanos. A partir de sinais de desaceleração da economia dos EUA, a perspectiva é de que haverá cortes de juros e aumento no fluxo de saída, o que enfraquece o dólar e tende a favorecer emergentes. Mas, se a desaceleração ganha força e indica chances de recessão nos EUA, investidores passam a buscar refúgio em ativos de segurança, e, assim, o dólar volta a se fortalecer. A dinâmica é conhecida como “Dollar Smile” (Sorriso do Dólar), na teoria do economista Stephen Jen.
E é justamente o caminho do dólar, agora, que deverá ser observado com atenção pelo BC quanto à postura futura da política monetária. Para Cabraitz, da Principal Claritas, nesta semana, com o simpósio de Jackson Hole, se o presidente do Fed, Jerome Powell, se mostrar cauteloso e dependente de dados, e posteriormente se o deflator de gastos com consumo (PCE) e os dados de emprego “(payroll”) vierem em linha com o esperado, a autoridade monetária brasileira pode ganhar tempo antes de subir os juros.
“Ficaria complicado subir o tom nesse contexto, porque o exterior vai ajudar. Tem margem para subir as taxas, mas não necessariamente agora”, diz o trader. “Por isso, pensamos em ter posição no real, mas não contra o dólar, e sim contra outras moedas latino-americanas, como é o caso do peso mexicano.”
Coletto, da Vinland, é mais certeiro quanto a um aumento nos juros na próxima reunião do Copom, em setembro. Ele diz que seria “bastante grave” se o BC não elevasse a Selic no próximo mês, dado que, em suas falas recentes, Galípolo fora bastante vocal sobre comprometimento com alta de juros. “Pelo menos é o que o mercado está entendendo”, afirma. “Se o BC fizer esse movimento para depois não subir [juros], acho que o dólar valorizará bastante contra o real, e penso que será difícil depois cair de novo, porque já tivemos um problema de credibilidade lá atrás, quando houve divisão do Copom.”
Coletto diz ter posições vendidas em dólar contra o real no momento, mas revela que não pretende estender essa estratégia por muito tempo. “Acreditamos que, no curto prazo, o real possa, sim, andar um pouco mais. Não vamos ver o dólar voltar para R$ 5,00, mas mais para perto do nível de R$ 5,40 e R$ 5,35”, afirma. “Mas tenho o receio de que o ‘técnico’ comece a ficar pesado [muitas apostas a favor do real] e ainda há questões fiscais a serem resolvidas, então poderíamos ver um gatilho de piora ser acionado [o que levaria a uma dinâmica de desvalorização rápida do câmbio]”, alerta o gestor da Vinland.
Fonte: Valor Econômico

