O Brasil possui um papel relevante na sua relação com os países ricos do Ocidente. Com a tensão crescente entre EUA e China, Washington busca desenvolver uma cadeia própria de produção de minerais estratégicos. As reservas brasileiras de terras-raras representam um ativo importante, e o país pode se tornar um parceiro preferencial.
As terras-raras são um conjunto de 17 elementos químicos com propriedades específicas, como magnetismo intenso. São essenciais em aplicações como superímãs, motores de veículos elétricos, HDs de computadores e catalisadores químicos. No setor de defesa, são usadas na fabricação de aviões, submarinos, mísseis, drones e lasers, entre outros.
A China possui as maiores reservas comprovadas de terras-raras, com cerca de 44 milhões de toneladas, segundo dados do Serviço Geológico dos EUA (USGS). Em seguida, vêm Vietnã (22 milhões), Brasil (21 milhões), Rússia (10 milhões) e Índia (6,9 milhões). As reservas brasileiras podem ser ainda maiores, pois houve pouca prospecção na Amazônia. Quase tudo o que se conhece está em areias no litoral ou próximo de vulcões extintos, como em MG e GO. Os EUA detêm apenas 1,8 milhão de toneladas. Nenhum país da Europa Ocidental possui reservas significativas. Assim, entre os cinco países com as maiores reservas, o Brasil é o único aliado confiável dos EUA e também o único fora da Ásia, o que representa uma segurança adicional.
Além de ter as maiores reservas, a China domina a produção mundial de terras-raras. Das 350 mil toneladas produzidas em 2023, segundo o USGS, a China foi responsável por 240 mil (quase 70%), seguida pelos EUA (43 mil), Mianmar (38 mil), Austrália (18 mil) e Tailândia (7,1 mil). O Brasil produziu apenas 80 toneladas, o que demonstra que suas reservas são praticamente inexploradas.
O mercado de terras-raras é pequeno, mas está crescendo. A produção mundial dobrou nos últimos cinco anos e deve continuar aumentando, impulsionada pela alta demanda por produtos intermediários que utilizam esses elementos, especialmente devido à transição energética.
A dependência de terras-raras chinesas é uma das maiores vulnerabilidades estratégicas do Ocidente em relação à China. Num momento em que os EUA buscam restringir o acesso de Pequim a tecnologias avançadas, como chips de última geração, sempre há a possibilidade de a China retaliar limitando o acesso ocidental a terras-raras. Em 2023, Pequim já proibiu a exportação de tecnologias de extração e processamento desses elementos para dificultar a produção em outros países.
Para enfrentar essa vulnerabilidade, os EUA têm buscado ativamente desenvolver uma cadeia de produção de terras-raras em países aliados. Juntamente com Alemanha, Japão, Canadá, Austrália e França, entre outros, os EUA formaram a Minerals Security Partnership, com o objetivo de criar uma cadeia de suprimento diversificada, segura e sustentável para minerais críticos. O Brasil tem a oportunidade de se integrar a essa cadeia aliada ao Ocidente.
Os principais obstáculos para o Brasil são as dificuldades técnicas no processamento de terras-raras, que envolvem tecnologias que o país não domina completamente, principalmente na produção de produtos intermediários como superímãs; os investimentos elevados; e a concorrência da China. É improvável que qualquer país consiga competir com os chineses em termos de preço.
Entretanto, a concorrência com o produto chinês pode ser contornada devido à necessidade estratégica dos EUA de assegurar o suprimento de terras-raras a longo prazo. Se os EUA quiserem diversificar sua oferta em relação à China, terão de pagar um prêmio. Essa negociação é mais fácil com empresas de defesa, que vendem, em sua maioria, para governos nacionais, mas é difícil para empresas de outros setores, como veículos elétricos, computadores e geradores eólicos. Quem arcará com esse custo extra ainda é uma questão indefinida. Quanto à tecnologia, parte dela é dominada por empresas ocidentais e parte precisará ser desenvolvida, o que abre caminho para a cooperação com empresas e instituições brasileiras.
Há muitas negociações em andamento nesse sentido, e uma delas já rendeu frutos. A Mineradora Serra Verde, empresa brasileira apoiada por capital ocidental, começou este ano a produção comercial de concentrado de terras-raras na sua jazida em Minaçu (GO). A empresa planeja produzir 5 mil toneladas anuais, com potencial de dobrar a produção até 2030, o que colocaria o Brasil entre os maiores produtores mundiais.
Contudo, essa janela de oportunidade pode não durar muito, conforme essa nova cadeia de suprimento ligada ao Ocidente se consolida. A Austrália, que possui cerca de um quarto das reservas brasileiras, anunciou um segundo grande projeto de terras-raras. Governo e setor privado no Brasil precisam se mobilizar para capturar uma fatia dos investimentos futuros.
Um dos desafios é convencer os americanos de que o Brasil é e continuará sendo um parceiro confiável do Ocidente. Nesse contexto, a retórica antiamericana de parte do governo e do PT certamente não colabora.
Fonte: Valor Econômico

