A maior preocupação dos participantes do mercado com a âncora monetária e a credibilidade do Banco Central começou a se refletir de forma mais concreta nos ativos locais nesta quinta-feira, na esteira da decisão rachada do Comitê de Política Monetária (Copom). A discussão sobre a transição no comando da autoridade monetária entrou de vez na pauta e a desconfiança dos agentes com a futura composição do BC aumentou em meio à sensação de que a inflação pode ser mais alta à frente. O reflexo foi visto, em especial, na depreciação do real e na alta dos juros de longo prazo, enquanto as expectativas de inflação dispararam.
“Sem dúvida, o que estamos vendo é uma precificação para um cenário mais incerto, com a credibilidade da instituição Banco Central diminuindo na margem”, afirma o executivo-chefe de investimentos da SulAmérica Investimentos, Luis Garcia. “Essa é a grande mensagem que a movimentação nos preços dos ativos está passando para nós hoje — o que fica ainda mais evidente porque os ativos no exterior estão mais calmos.”
A divisão do Copom afetou em cheio os ativos domésticos, já que os quatro diretores que votaram por um corte maior nos juros foram indicados pelo atual governo, enquanto os outros cinco, nomeados por governos anteriores, votaram pela redução da Selic em 0,25 ponto. A sensação é de que a configuração futura do colegiado pode ser favorável a juros mais baixos, mesmo diante de uma inflação mais alta.
Quando comparado ao exterior, o câmbio foi, de longe, o mercado mais afetado nesta quinta-feira, ao se ter em vista a valorização de outras moedas emergentes. O dólar encerrou a sessão em alta de 1,01%, cotado a R$ 5,1422, em um dia no qual a moeda americana perdeu força de forma generalizada no exterior. Entre os juros de longo prazo, a taxa do DI para janeiro de 2029 subiu de 11,295% para 11,41%.
O estresse maior foi revelado no comportamento da inflação “implícita”, já que os agentes embutiram nos preços a chance de o BC ser mais leniente com a dinâmica inflacionária a partir de 2025, justamente quando haverá a troca no comando do BC. A inflação “implícita” extraída da NTN-B para 2026 subiu de 4,14% para 4,30%, de acordo com a Warren Investimentos.
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Para Denis Ferrari, gestor de renda fixa da Kinea, mercado pode trabalhar com uma alta das expectativas de inflação após Copom — Foto: Rogerio Vieira/Valor
“A ilação que o mercado vai fazer é a da preferência revelada por um BC mais ‘dovish’ (suave), já que os quatro membros indicados pelo governo atual votaram difekrente dos outros cinco. A decisão deixou desenhado um BC rachado no meio e, como houve um dissenso, não tivemos a explicação sobre os motivos que levaram os quatro membros derrotados a optar por isso”, diz Denis Ferrari, gestor de renda fixa da Kinea Investimentos.
“Qualquer outra decisão teria sido melhor, todos ficaram descontentes. Acho que o Copom pode tentar consertar algo na comunicação pela ata, até porque, para o mercado, a divergência no ritmo de corte, mas não no comunicado, criou um contrassenso. Depois disso, precisamos repensar a carteira”, afirma Ferrari. Para ele, “não dá para ficar comprado em real” em um cenário de BC mais “dovish”.
Além disso, no lugar de posições aplicadas em juros nominais, Ferrari diz ver com mais carinho posições em juros reais. “Acho que o mercado pode trabalhar, ao longo do tempo, com as expectativas de inflação subindo e ficando mais próximas do teto da meta (4,5%) do que do centro (3%). E, com isso, a inflação ‘implícita’ pode subir muito. Podemos, então, começar a migrar a carteira para posições mais compradas em NTN-Bs e com menos exposição ao real, diante dessa possibilidade de um BC que fica atrás da curva”, diz o gestor.
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Fabio Kanczuk, da ASA Investments, acha que é inevitável que mercado pense que BC futuro pode ser mais ‘dovish’ após divisão no Copom — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Na avaliação do chefe de macroeconomia da ASA Investments, Fabio Kanczuk, é “inevitável” que, ao observar a divisão do Copom, o mercado questione a condução futura da política monetária à medida que a configuração do colegiado é alterada, com novas trocas de diretores e do presidente do BC, Roberto Campos Neto, agendadas para o fim do ano. “Os quatro diretores nomeados pelo Lula votaram por 0,5 ponto. É inevitável pensar que o BC está se transformando em um BC mais dovish”, afirma o economista, que já foi diretor de política econômica do BC.
Em vídeo, quando comentou a decisão de quarta-feira, Kanczuk comentou ser prematura essa avaliação. “Eu conheço parte dos diretores e eu acho que tem muita gente ali que não tem nada a ver com politicagem e realmente estava com uma cabeça mais dovish mesmo. Mas isso é o que a gente vai ver, discutir o que os dados mostram… Mas a reação do mercado, que é o jogo de hoje, é esse raciocínio”, afirma, ao avaliar a exigência por prêmios de risco mais elevados na ponta longa da curva de juros.
A curva de juros, inclusive, ganhou inclinação na sessão desta quinta-feira. A diferença entre as taxas longas (janeiro/2029) e as mais curtas (janeiro/2026) passou de 0,82 ponto para 0,935 ponto, dando aval à sensação de juro longo mais alto.
“Nenhuma decisão tomada seria trivial, mas, dentre todas as possibilidades, o resultado do Copom de agora foi o mais complicado em termos de sinalização. O comunicado é, inequivocamente, duro e preocupado, mas a maior mensagem foi passada pelo placar da votação, com quatro membros indicados pelo governo votando por um corte maior no juro. Ficou bem nítida a diferença”, nota o sócio e gestor dos fundos multimercado e de renda fixa da Bahia Asset Management, Thiago Mendez.
Por isso, na visão do gestor, “a reação do mercado já era bem esperada, já que o mercado vê um BC com propensão maior a acomodar uma inflação acima da meta”.
O economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, Gino Olivares, diz que o comitê “falhou”, já que havia consenso na avaliação do cenário, mas houve divisão no colegiado. “[O Copom] foi incapaz de converter esse consenso numa decisão que passasse um sinal firme de compromisso com o regime de metas de inflação”, diz. “Temos de reconhecer que o Copom, com a decisão de ontem [quarta-feira], adicionou volatilidade num cenário já bastante desafiador.”
O estresse no câmbio, nas curvas de juros e na inflação “implícita” também foi observado na bolsa, mesmo em m dia de alta firme das ações em Nova York. O Ibovespa caiu 1%, para 128.188 pontos.
Na visão de Fabio Zaclis, gestor dos fundos macro, de renda fixa e renda variável da Daycoval Asset, a bolsa brasileira segue descontada, mas extremamente dependente da dinâmica dos juros. “Não por acaso foi o mercado que mais andou quando o cenário melhorou no fim do ano passado”, lembra. “Os juros nominais ainda têm prêmio na parte curta, assim como o juro real um pouco mais longo. O câmbio, com o nível atual de carrego, fica um pouco mais vulnerável.”
fonte: valor econômico

