/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/c/Z/qWCOfHSdKURnDHglTw1w/revsaude24-070-tecnologia-no-sirio-libanes-cirurgia-com-dados-em-3d.jpg)
A inteligência artificial (IA) está sendo cada vez mais adotada em hospitais, clínicas e laboratórios no Brasil, principalmente para diagnósticos e gestão de cuidados de saúde. Em um futuro breve, no entanto, o que se espera com o amadurecimento da tecnologia é que viabilize a medicina de precisão e personalizada para cada paciente.
“Hoje, estamos explorando muito a IA na linha operacional, mas sua real utilização nos próximos anos será com a medicina de precisão”, afirma Alex Vieira, superintendente de inteligência digital e TI do Hcor de São Paulo. “O tratamento de um câncer de mama, por exemplo, não será igual para todos os pacientes, porque será possível analisar os cuidados que deram melhor resultado para um caso similar e dar, para cada paciente, o cuidado mais adequado para seu caso”, acrescenta.
No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), o núcleo de inovação tecnológica (InovaHC) viabiliza soluções para o avanço de inteligência de dados na saúde, realidade virtual ou aumentada em atendimentos e telemedicina, pesquisa com biossensores, entre outras. “O HC está expandindo muito as suas áreas. Criou o InovaHC e ampliou a área da saúde digital, que é a execução, o provimento de serviços via telemedicina e telessaúde para outros hospitais do país”, comenta Chao Wen, professor associado da FMUSP e chefe da disciplina de telemedicina do departamento de patologia.
“A IA ajuda a analisar uma tendência de forma mais rápida para que o médico possa fazer intervenções precoces antes do agravamento. É uma medicina preditiva”, resume o professor. Wen cita outras tecnologias, como as bioimpressoras e a realidade aumentada, que, combinada com o metaverso, poderá ser usada para terapias cognitivas e comportamentais quando o 6G for implementado. “O metaverso poderá ser um meio para tratar o estresse em um paciente internado. Em vez de ansiolítico, faz uma terapia por realidade virtual para reduzir o uso de medicamento”, exemplifica.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/P/k/AkXvWXQzmQITgaI7YE0Q/revsaude24-070-tecnologia-stephanie-formoso-caron-do-a-caronl.jpg)
Enquanto esse futuro não chega, Wen relata uma experiência bem-sucedida no HC, a TeleUTI. Implementada em 2020 (na pandemia) pelo professor Carlos Carvalho, o objetivo era auxiliar outros hospitais no gerenciamento correto das grávidas entubadas. O programa deu bons resultados (reduziu em 35% a mortalidade nas gestantes) e foi ampliado.
No Hcor, os investimentos em tecnologia trouxeram ganhos de eficiência e segurança e na experiência do paciente. Vieira relata que o hospital finalizou os processos de informatização em 2022 e, em 2023, implementou 310 projetos digitais. “Neste ano iniciamos uma jornada de interoperabilidade aliada a uma estratégia de dados para potencializar o uso de IA em nosso ambiente assistencial por meio do monitoramento de achados críticos dos pacientes”, relata.
A automatização à beira-leito, que usa IA para monitorar sinais vitais e prevenir intercorrências no paciente internado, reduziu pela metade o tempo de mensuração dos sinais, mitigou erro humano, aprimorou a segurança das informações e ganhou agilidade na intervenção.
O Hcor é um dos hospitais de referência que integram o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), criado pelo Ministério da Saúde. Um dos projetos, chamado Boas Práticas, trabalha com 885 unidades de pronto atendimento (UPA e PA) no Brasil — são 735 atendidas pela equipe do Hcor e 150 pelo Hospital Beneficência Portuguesa. Os hospitais mantêm uma central com cardiologistas funcionando 24 horas, todos os dias, para receber eletrocardiogramas das UPAs e PAs, laudar e orientar o médico que está atendendo o paciente na unidade.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/t/z/X7l5ISSDue65hXuzTBxA/revsaude24-070-tecnologia-patricia-frossard-ceo-da-philips-no-brasil.jpg)
A cardiologista Camila Rocon, coordenadora médica da saúde digital do Hcor e da teleassistência do Proadi, explica que o médico tem até dez minutos para fazer o laudo, que pode indicar diagnóstico de uma possível arritmia grave ou infarto. “O plantonista lauda e devolve para a unidade e, nos casos com diagnóstico crítico, entra em contato para oferecer uma segunda opinião médica”, explica.
O projeto existe desde 2009 e hoje realiza mais de quatro mil laudos por dia e cerca de 60 teleconsultorias para as unidades que aderiram ao programa. “Com a teleconsulta, notamos redução da alta hospitalar precoce em casos com risco de infarto, maior adesão aos medicamentos básicos, como o AAS, e redução da mortalidade”, informa Rocon.
A base de dados do projeto tem dois milhões de laudos de eletros. Com o uso da IA, que filtra os exames com baixa qualidade, 20 mil laudos/mês já são devolvidos automaticamente para serem refeitos. Rocon antecipa que está em fase de testes um novo serviço de IA, que vai selecionar os eletros que sugerem infarto agudo do miocárdio com supra-ST e colocar no topo da lista (hoje, os eletros entram na tela, na central, por ordem de chegada) — assim, o plantonista poderá priorizar os casos graves.
Outro hospital que vem apostando na tecnologia é o Sírio-Libanês, que recentemente realizou a primeira cirurgia com dados visualizados em 3D em óculos de realidade mista para remoção de tumor. A retirada da parte do pulmão pela equipe do cirurgião torácico Humberto Alves de Oliveira foi precedida pelo desenvolvimento de um software pela Garagem de Inovação da Alma Sírio-Libanês, que possibilitou a reconstrução tridimensional da tomografia. Os recursos contribuíram para o planejamento do procedimento pelo cirurgião, que usou também robô cirúrgico.
“Fazer a ressecção de uma pequena parte é tecnicamente mais difícil. A visualização da tomografia do pulmão em 3D deu a percepção real de profundidade, com as estruturas pulmonares do paciente e o tumor isoladas e demarcadas com detalhes difíceis de visualizar em uma tela bidimensional”, conta o médico, responsável pela cirurgia torácica do Hospital Sírio-Libanês e do Hospital de Base da Secretaria Estadual de Saúde do GDF. Outra vantagem foi o uso do robô com os óculos, que deram autonomia para o cirurgião. “Sem esse recurso, dependemos de outro profissional para manipular o mouse. Já com os óculos, não é preciso usar mouse, porque identifica o movimento dos olhos, das mãos.” Segundo Oliveira, a tecnologia faz muita diferença nas cirurgias torácicas. No futuro, ele vislumbra a IA direcionando robôs. Para atender à demanda dos hospitais, a indústria investe em inovação para embarcar tecnologias nos equipamentos. A GE HealthCare tem colocado no mercado soluções digitais de análise de dados para interligar sistemas.
João Paulo Souza, diretor das modalidades de tomografia computadorizada e imagem molecular da GEHC no Brasil, destaca que a empresa lidera, pelo terceiro ano consecutivo, a lista de dispositivos médicos habilitados para IA da Food and Drug Administration (FDA). “Neste ano, até o momento, foram 72 autorizações listadas nos Estados Unidos”, diz.
Entre as inovações mais recentes, ele cita o Precision DL, software de processamento de imagens baseado em deep learning (aprendizagem profunda) projetado para detectar com maior precisão lesões pequenas e de baixo contraste em comparação com o scanner PET/CT (exame de imagem para diagnósticos). Segundo ele, a inovação reduz o tempo do paciente na máquina e a dose de radiação injetável para execução do exame.
Leonardo Packer, diretor da modalidade de ressonância magnética da GEHC Brasil, acrescenta que há três anos a empresa adotou os algoritmos de deep learning para melhorar a resolução das imagens de ressonância. “A tecnologia melhorou a qualidade da resolução e reduziu em até 80% a duração do exame, aumentando a eficiência operacional nas clínicas e laboratórios e com diagnósticos mais rápidos.”
Outro avanço foi no equipamento de anestesia: o software fornece uma representação gráfica do fluxo de oxigênio e do uso de agentes anestésicos, liberando o medicamento de acordo com a necessidade do paciente. A plataforma, chamada de Carestation Insights, está em uso no Hospital Angelina Caron, localizado em Campina Grande do Sul (PR). Segundo Stephanie Formoso Caron, gerente de investimento social do hospital, o equipamento foi implementado em dois dos 14 centros cirúrgicos, em novembro do ano passado, e traz resultados positivos.
O anestesista faz a consulta, entende o perfil do paciente e define os parâmetros de oxigenação. “Com os dados, a solução faz a liberação do anestésico e o médico se dedica mais à observação clínica do paciente. O paciente recebe quantidade menor de anestésico e, em um período de quatro meses analisado, houve uma redução de 24% nos gastos com anestésico”, relata Caron.
O Hospital Angelina Caron está investindo também em uma plataforma de gestão de anestesia e planeja instalar o equipamento nos demais centros cirúrgicos. A expectativa de Caron é que essas tecnologias permitam coletar os dados em tempo real quando o paciente estiver em cirurgia. “Vamos poder consolidar os dados e fazer análises, medindo quem está consumindo mais ou menos anestésico, o perfil do paciente de cada sala e trabalhar para adotar protocolos que sejam mais seguros para o paciente e gerem economia financeira para a instituição”, afirma.
O Angelina Caron é uma instituição privada sem fins lucrativos e 85% de seus atendimentos são pelo Sistema Único de Saúde (SUS), informa Caron. Por isso, destaca, é importante buscar inovações que, além de melhorar o atendimento, contribuam para produtividade e para as metas financeiras.
Já a Philips anunciou, em junho deste ano, uma plataforma de ultrassom cardiovascular habilitada para IA de próxima geração para acelerar a análise de ultrassom cardíaco com a tecnologia. Além de selecionar as imagens para o médico, a ferramenta automatizada tem um software com tecnologia tridimensional para avaliar uma válvula ou um procedimento intervencionista mais complexo.
Patricia Frossard, CEO da Philips no Brasil, destaca que, além de desenvolver seus próprios produtos, a Philips tem parcerias com seus clientes e cita o desenvolvimento, com o Hospital Israelita Albert Einstein, de um sistema para automatizar o laudo de escanometria em pacientes adultos. Denominado Escano, o exame de raio-x utiliza seis modelos de IA para medir os ossos e angulações de membros inferiores em segundos, sem perder a precisão.
Em outra frente, por meio da Philips Foundation, a empresa apoiou a SAS Brasil, instituição do Terceiro Setor que atua em cidades com escassez de acesso a médicos especialistas, na criação do Living Lab, laboratório de inovação em saúde digital, instalado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A SAS Brasil mantém quatro centros de telessaúde especializados para atendimento de comunidades que vivem em áreas remotas. A CEO conta que a parceria começou em 2021, com o fornecimento de produtos para a realização de exames, como ultrassom em gestantes, nos postos móveis. “O Living Lab é um desdobramento da iniciativa para promover treinamento para os profissionais de saúde e estudantes, preparando-os para o atendimento remoto”, explica.
Os médicos especialistas que trabalham no projeto são voluntários. A meta é capacitar no Living Lab 3,6 mil profissionais e estudantes em dois anos. “Além do treinamento, o espaço também é aberto para startups da saúde se conectarem”, informa Frossard.
Os avanços da tecnologia na saúde passam pela interoperabilidade nas próprias instituições para que seus sistemas se interconectem e pela adoção de sistemas seguros para armazenar e compartilhar os dados do prontuário eletrônico do paciente entre as instituições.
Rogério Pires, diretor de produtos para saúde da Totvs, acredita que a adoção de blockchain pode ser um meio seguro para a interoperabilidade nos sistemas de saúde. Hoje, comenta Pires, a IA já mostra bons resultados na troca de informações entre hospitais, clínicas e operadoras de saúde. “A IA consegue identificar um indício de fraude ou erro com 97% de assertividade”, afirma. Ele cita como exemplo um pedido de autorização para determinado medicamento em um paciente que passou por uma cirurgia cardíaca. Com base na análise preditiva, o algoritmo indica que aquele medicamento não é apropriado, sinalizando erro ou possível fraude.
Fonte: Valor Econômico