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A suspensão da concessão de direitos de propriedade intelectual na indústria farmacêutica pode criar um “efeito dominó” negativo para além de Brasil e Estados Unidos, segundo especialistas no setor. Embora haja consenso de que a medida é excepcional e pouco provável até o momento, fontes apontam que as patentes são um pilar para investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Procuradas pelo Valor, as farmacêuticas Pfizer, Novo Nordisk, Eli Lilly, Bayer e EMS afirmaram que não comentariam o assunto e que acompanham os posicionamentos de suas entidades setoriais. Já o Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) afirmou que “qualquer proposta de ação de medida excepcional e provisória” será submetida ao Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, que “poderá ouvir o setor privado e outros órgãos federais antes de deliberar”.
A mudança no regime de propriedade industrial ganhou os holofotes na última semana, como possível resposta às tarifas de 50% impostas por Donald Trump a exportações brasileiras. Quando a Lei da Reciprocidade Econômica foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), em 14 de abril, o Brasil fazia parte do grupo de países sujeito a 10% de taxação, menor alíquota anunciada pelo governo americano. O texto foi regulamentado e passou a valer no último dia 15, três meses após sua sanção.
A relevância das patentes para o balanço das empresas e como incentivo à pesquisa foi um ponto central na nota divulgada pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) na última semana. “A concessão de licenças compulsórias para medicamentos ou a redução dos prazos de patentes podem prejudicar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e a consequente viabilidade econômica das empresas instaladas no Brasil”, disse a entidade.
A dinamarquesa Novo Nordisk, que na última semana levou para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) o embate para prorrogar a patente da semaglutida, afirma que são realizados investimentos robustos para desenvolvimento de novas moléculas, sem a garantia de que resultarão em medicamentos. “É a proteção de patentes que permite a geração de novos medicamentos, que por sua vez são a base para a produção posterior de biossimilares e genéricos”, afirmou a companhia ao Valor em fevereiro. Já um levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina), divulgado no fim de junho, aponta que mais de mil medicamentos perderão suas patentes no mercado brasileiro nos próximos cinco anos, movimentando um mercado bilionário.
Fábio Pereira, sócio da área de Propriedade Intelectual do Veirano Advogados, aponta que a médio prazo há possibilidade de ganhos adicionais para este segmento com a medida, além de uma redução de custos para a saúde pública. “Temos medicamentos de alto custo no SUS, que poderiam ser mapeados pelo governo. A indústria brasileira de genéricos até poderia ter uma receita extra, se tiver condições de produção desses medicamentos”, diz.
A especialista Ana Carolina Cagnoni pontua que a Lei de Reciprocidade Econômica não cita o termo “patentes” de forma literal. O texto também não prevê explicitamente as chamadas licenças compulsórias, concedidas de forma temporária em emergência de saúde pública.
A licença compulsória é prevista na Lei de Propriedade Intelectual, de 1996, mediante o pagamento de uma indenização para o proprietário da patente. O único precedente da medida foi em maio de 2007, quando o governo federal importou medicamentos genéricos contra o vírus HIV. O preço era de US$ 0,45 por comprimido, enquanto a farmacêutica MSD – detentora da patente do Efavirenz – ofereceu um desconto de 30% sobre o preço de US$ 1,59.
O assunto também voltou à tona durante a pandemia, quando uma nova lei reiterou a possibilidade de queda de patente para vacinas e medicamentos contra a covid-19.
Ana Carolina Cagnoni, fundadora da A2C Legal, aponta que a adoção de medidas do tipo fora de um contexto de emergência de saúde poderia criar um precedente de insegurança jurídica para o Brasil. Essa também é a visão de Fábio Pereira, da Veirano Advogados.
“É uma medida drástica sendo usada por uma via que não é comum, como a de calamidade pública. O risco jurídico é alto e o ambiente institucional vai sofrer pressão regulatória interna e externa, desde decisões de investimento até a imagem do Brasil como um país que protege ou não a propriedade intelectual”, diz Pereira.
A avaliação dos especialistas – compartilhada pela indústria – é de que a suspensão dos direitos de propriedade intelectual será tratada como última opção pela diplomacia brasileira. A Interfarma ressalta que a medida é de “caráter excepcional”, como consta no texto da lei.
A entidade pediu ainda que o governo “faça uma consulta formal aos detentores de patentes antes de anunciar quaisquer medidas” -o que também está previsto na nova legislação. O quinto artigo da lei prevê a realização de consultas públicas e sugestão de contramedidas.
Fonte: Valor Econômico