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Do nevoeiro que tirou a vida do presidente do Irã surge alguma clareza sobre os próximos passos de Teerã. A má notícia para o Ocidente e para os ativistas iranianos que pressionam por mudanças é que há pouca esperança de um relaxamento da opressão política, ou do antagonismo dirigido aos Estados Unidos e seus aliados, segundo afirmam autoridades ocidentais. Elas veem o regime autoritário como forte o suficiente para prosseguir na atual trajetória após a morte de Ebrahim Raisi em um acidente de helicóptero.
O que não está tão claro é como a morte de Raisi muda o cálculo sobre quem acabará sucedendo o líder supremo da República Islâmica, o aiatolá Ali Khamenei, que está na metade da casa dos 80 anos.
Essas considerações, juntamente com questionamentos renovados sobre a saúde do rei da Arábia Saudita, em idade avançada, significam que as atenções se voltaram para a transição em cada uma dessas potências do Oriente Médio. Isso acrescenta outra camada de incerteza e instabilidade em potencial aos meses de turbulências regionais desencadeadas pela guerra entre Israel e o Hamas.
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“Todos esses acontecimentos são um grande lembrete de que ninguém controla a narrativa, e as discussões sobre a situação no Oriente Médio e o risco geopolítico de forma mais ampla são extremamente fluidas”, disse Tina Fordham, fundadora da Fordham Global Foresight.
No ano passado, Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, descreveu, de forma memorável, o Oriente Médio “mais calmo hoje” do que em qualquer outro momento nas duas últimas décadas – uma semana antes de o Hamas atacar Israel e dar início à guerra em Gaza.
Além desse conflito, e o aumento das tensões entre Israel e o Irã, está o fato de o rei saudita, Salman Bin Abdulaziz, de 88 anos, estar sendo tratado de uma inflamação pulmonar. Isso levou seu filho a adiar seus próprios planos de viagem e é outro fator complicador na pressão de Washington por um acordo de defesa dos EUA com Riad. Esse plano, ao qual o Irã se opõe, faria com que a Arábia Saudita também normalizasse suas relações com Israel.
“A morte do rei poderia interromper esse fluxo ou talvez reduzir o apetite pelo risco em considerar algo assim?”, questionou Fordham. “Estou inclinada a dizer não, mas isso cria um obstáculo à diplomacia em curso.”
Sullivan esteve em Riad no sábado para discussões com o príncipe herdeiro saudita, Mohammed, que se concentraram em “uma visão ampla para uma região do Oriente Médio integrada”, segundo uma apresentação do Departamento de Estado. Ele então viajou para Israel, onde lembrou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu da necessidade de uma “estratégia política” que possa ser aliada à sua campanha militar e o pós-guerra na Faixa de Gaza.
No mesmo dia, as autoridades iranianas perderam contato com o helicóptero do presidente Ebrahim Raisi, que caiu no noroeste do país, matando também o ministro das Relações Exteriores, Hossein Amirabdollahian.
Embora o líder supremo do Irã continue no cargo, a morte súbita de Raisi ocorre em um momento difícil para Israel, que enfrenta a ameaça de uma escalada em torno da guerra em Gaza, segundo Joshua Krasna, ex-diplomata israelense e analista de inteligência. “Saber exatamente com quem estávamos lidando nos ajudou a administrar a crise. No momento em que as coisas ficam menos claras, pode haver um problema”, disse.
Para Teerã, é improvável que as mortes atrapalhem sua distensão com a Arábia Saudita, que foi intermediada pela China no ano passado, segundo afirma Hasnain Malik, estrategista da consultoria Tellimer, baseada em Dubai. Também é improvável que o apoio iraniano a representantes regionais como o Hezbollah no Líbano e os houthi no Iêmen estremeça, diz ele.
O que isso faz é remover um potencial candidato à sucessão do líder supremo e poderá aumentar a probabilidade de o filho de Khamenei, Mojtaba Khamenei, sucedê-lo.
“Khamenei está em uma encruzilhada difícil”, diz David Menashri, professor emérito de Estudos Iranianos na Universidade de Tel Aviv que fundou seu Centro de Estudos Iranianos. “Raisi foi o primeiro presidente que serviu sob seu comando e com quem se dava bem, ele foi o primeiro que não se enroscou publicamente com ele [Khamenei] e desempenhou um papel fundamental em promulgar fielmente sua política de aproximar o Irã da China e da Rússia”, diz Menashri. Kamenei agora terá que encontrar um candidato que esteja igualmente alinhado e disposto a permanecer nas sombras.
O governo iraniano, tradicionalmente inclinado a teorias da conspiração, tem sido firme na mensagem de que o acidente foi causado pelo tempo ruim e não responsabilizou agentes externos pelo ocorrido. Isso é um sinal de que o Irã está dando prioridade à estabilidade interna e a uma sucessão ordeira, e não a alimentar a fogueira das tensões regionais, de acordo com um diplomata estrangeiro que acompanha os acontecimentos no país.
O ministro das Relações Exteriores do Irã era um diplomata competente que apoiava a ideia do país como uma potência regional assertiva. O diplomata estrangeiro disse que ele tinha laços estreitos com Qasem Soleimani, morto em um ataque de drone dos EUA em 2020, e será difícil substituí-lo. A fonte acrescentou que não há nenhuma indicação de que o debate político interno será aberto aos que defendem reformas.
Isso corresponde ao pensamento dos EUA, onde duas fontes familiarizadas com o assunto disseram que Amirabdollahian estava ativo com agentes no Iraque. Segundo essas fontes, por enquanto a avaliação dos EUA também é de que o acidente não foi um ato de sabotagem.
Na Arábia Saudita, MBS, como é conhecido o filho do rei, já recebeu os principais instrumentos do poder e dirige os negócios cotidianos do país como príncipe herdeiro desde 2017.
A estratégia do país no setor do petróleo foi dominada durante grande parte da década passada por MBS e articulada publicamente nos últimos anos pelo ministro da Energia, seu meio-irmão Abdulaziz bin Salman. Durante décadas, a Arábia Saudita valorizou a continuidade, tanto no que se refere a seu pessoal da área petrolífera como às políticas que adotam. Isso sugere que sua estratégia – baseada na Opep+, a aliança da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), da qual faz parte, com a Rússia e outros exportadores, que busca reduzir a oferta para sustentar os preços do petróleo – provavelmente se manterá inalterada.
A expectativa, segundo Hasan Alhasan, pesquisador sênior de política do Oriente Médio no International Institute for Strategic Studies, é de que a Arábia Saudita e o Irã, respectivamente a maior e a terceira maior potências da Opep em termos de produção, sigam adiante com o estabelecimento de relações diplomáticas mais amigáveis, já que os dois países percebem o valor de manter esse caminho. “Eles também protegeram essas relações de dinâmicas regionais mais amplas, de modo que a relação Arábia Saudita-Irã parece se sustentar sozinha neste momento”, disse ele.
A evolução dessas negociações é acompanhada com muita atenção pela Rússia, que forjou laços mais profundos com os dois países desde a invasão da Ucrânia. “A melhor opção para a Rússia é ver as relações entre o Irã e a Arábia Saudita melhorarem ainda mais”, afirmou Elena Suponina, analista especializada em Oriente Médio que vive em Moscou. “Mas há temores de que Israel interfira nisso.”
Um período de transição delicado se aproxima para MBS e ainda restam dúvidas sobre quem será o seu sucessor. Mas Alhasan avalia que a chegada do príncipe de 38 anos ao poder pode pôr fim a algumas manobras políticas por algum tempo. “Um MBS coroado rei será mais confiante e terá um controle maior e, portanto, sentirá menos necessidade de tomar medidas fortes contra a dissidência interna”, disse ele.
Fonte: Valor Econômico

