A farmacêutica Cristália passou por uma troca tumultuada de gestão, com a volta do patriarca ao negócio. Ogari Pacheco, 86 anos, retomou o comando do grupo depois de se desentender com seu filho Ricardo Pacheco, que estava na presidência.
A relação entre pai e filho chegou ao limite após Ricardo, 53 anos, herdeiro do fundador, também se indispor com representantes da família Stevanatto, que detém os outros 50% da sociedade, segundo duas fontes ouvidas pelo Valor.
Ogari também não estava satisfeito com o desempenho do filho à frente da empresa. O patriarca se afastou dos negócios por cerca de quatro anos, após pegar covid-19 e passar um longo período hospitalizado, e voltou oficialmente há cerca de um mês.
Com o início da pandemia, a Cristália viu suas receitas anuais saltarem a R$ 3 bilhões, influenciadas principalmente pelo fornecimento da maior parte dos medicamentos que compõem o chamado “kit intubação”. Hoje, o faturamento já está em R$ 4 bilhões por ano.
Ogari se recuperou, embora ainda carregue sequelas do período de doença, e voltou a acompanhar o dia a dia do laboratório. Segundo uma fonte próxima à farmacêutica, a avaliação foi a de que o filho não estava dando conta de conduzir o Cristália simultaneamente a outro negócio que possui, de produtos veterinários.
No fim de agosto, em reunião do conselho de administração, o fundador do Cristália anunciou seu retorno à presidência do colegiado, então ocupada pelo filho. O anúncio surpreendeu Ricardo, que teria decidido entregar também a cadeira de diretor-geral.
Ogari Pacheco tem mais três filhos, além de Ricardo. Os filhos que moram fora do Brasil teriam sido chamados recentemente ao país, para auxiliar na definição dos planos de médio e longo prazo do negócio. Procurado, Ogari Pacheco negou que estivesse insatisfeito com a gestão do filho. “Aliás, só tenho a agradecê-lo pelo excelente trabalho que fez à frente do laboratório”, afirmou.
“Não se trata de resultados abaixo do esperado. Em empresas familiares, o processo de sucessão não é linear, especialmente quando existe uma crise dentro da sociedade, caso do Cristália”, afirmou Ricardo Pacheco. O laboratório, instalado em Itapira, interior de São Paulo, é controlado pelas famílias Pacheco e Stevanatto, com 50% cada um.
A família Stevanatto, dona de 50% da farmacêutica nacional Cristália, colocou sua parte do negócio à venda, decisão que gerou um lítígio com os Pacheco, donos da outra metade do laboratório, fundado em 1969. Com direito de preferência na compra, os Pacheco consideraram muito alto o preço pedido pelos sócios, entrando com uma ação na Justiça para que o valor de venda seja redefinido.
O mandato de venda da fatia dos Stevanatto estava com o ItaúCotação de Itaú BBA. No entanto, por conta do litígio entre os sócios, as negociações para a venda dessa participação esfriaram, de acordo com uma outra pessoa a par do assunto.
Inicialmente, os Stevanatto indicaram uma avaliação (“valuation”) de R$ 9 bilhões por 100% da farmacêutica — valor considerado muito alto pelos Pacheco e outros potenciais interessados.
Ogari Pacheco nega também que haja desavença entre as famílias. “A família Stevanatto quer vender a parte dela na sociedade e eu quero comprá-la. Estamos em negociação de forma amigável e respeitosa. O restante é boato de mercado”, afirmou.
A disputa entre as duas famílias sócias do negócios — e agora sob os holofotes de um desentendimento entre pai e filho — desvaloriza o valor dos ativos, de acordo com uma fonte do setor.
O Laboratório Cristália conta com dez unidades farmacêuticas, sendo três no Complexo Industrial de Itapira (SP), uma em São Paulo (capital), uma em Cotia (SP), uma em Pouso Alegre (MG), duas no Rio de Janeiro, uma em Cosmópolis (SP) e uma na Argentina. O laboratório não vende medicamentos diretamente para farmácias, mas para hospitais. Atua também na produção de produtos dermatológicos estéticos, como a toxina botulínica.
Procurado, nenhum porta-voz da família Stevanatto foi encontrado para comentar o assunto. Em nota, o Cristália informou que, durante o período de afastamento de Ogari, “a empresa foi presidida por seu filho, Ricardo Pacheco, que fez uma excelente gestão”. “Ricardo conciliou a presidência do Cristália com a presidência de sua empresa, e por isso estava sobrecarregado. Dr. Pacheco tem prazer em trabalhar e voltou à presidência para que Ricardo pudesse se concentrar na gestão de seus negócios.”
O Cristália informou, ainda, que a família Pacheco pretende continuar na sociedade e está em negociações com a família Stevanatto.
Fonte: Valor Econômico