A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vedou a extensão do prazo da patente do Ozempic e do Rybelsus. Os medicamentos, feitos para tratar diabetes, têm sido usados para emagrecimento. Com a decisão, a dinamarquesa Novo Nordisk, produtora dos remédios, perderá a exclusividade ano que vem e genéricos poderão ser produzidos no Brasil. Cabe recurso.
Pelo entendimento unânime dado na sessão de julgamento ontem, o registro vencerá em março de 2026 — e não em 2038, como pedia a farmacêutica. Já há 11 pedidos de registro da semaglutida, princípio ativo do Ozempic, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A extensão do prazo de patentes farmacêuticas no país poderia gerar custo adicional para o Sistema Único de Saúde (SUS) de até R$ 1,1 bilhão, além de R$ 7,6 bilhões para consumidores. No caso específico do Ozempic, representaria até R$ 4,2 bilhões de gastos adicionais se fosse permitida a extensão por mais 12 anos.
Os dados são de um estudo feito pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que analisou o impactos de ações judiciais que pedem a prorrogação. Quando o estudo foi feito, em 2023, existiam 39 processos no Judiciário. Hoje, segundo levantamento do escritório Reis, Souza, Takeishi & Arsuffi Advogados, são 68.
A banca representa o Grupo FarmaBrasil, parte interessada no STJ e contrária à extensão. Defende a aplicação de decisão de 2021 do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina que as patentes devem ser concedidas com vigência de 20 anos, contados da data do depósito do pedido. Foi declarado inconstitucional dispositivo da Lei de Propriedade Industrial (nº 9.279, de 1996) que instituiu prazo mínimo de dez anos em caso de demora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) — a partir da data de concessão do registro (ADI 5529).
No STJ, os ministros aplicaram esse precedente, seguindo o voto da relatora, a ministra Maria Isabel Gallotti. De acordo com especialistas, foi a primeira vez que a Corte analisou o tema.
“O Supremo, ponderando interesses particulares da empresa e dos consumidores de medicamentos, especificamente do SUS, optou por privilegiar os interesses dos consumidores e do próprio SUS, não cabendo ao STJ, por mais relevantes que sejam as razões das titulares da patente, decidir em desconformidade com o acordão do STF”, disse a relatora, durante a sessão.
Maria Isabel lembrou que, no Brasil, ao contrário de outros países, não existe lei que regule a possibilidade de extensão. “Não temos previsão legal que estabeleça em quais casos específicos e por quanto tempo e com base em que pressupostos poderia haver extensão da patente”, acrescentou (REsp 2240025). Existem pelo menos dois projetos de lei no Congresso Nacional que tentam permitir essa possibilidade.
Para a Novo Nordisk, a tese firmada pelo STF não se aplica ao caso, pois o julgado tratou da renovação automática dos prazos. “As recorrentes não pediram prorrogação automática, mas ajuste casuístico com base na mora administrativa e imputável exclusivamente do INPI na análise de seus pedidos de patentes”, disse o advogado da empresa, Marcelo de Roberto de Carvalho Ferro, do Ferro Castro Neves Daltro & Gomide Advogados, durante a sustentação oral no STJ.
A farmacêutica tentava reverter decisão desfavorável do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com sede no Distrito Federal, que negou a extensão da patente. O laboratório pedia a prorrogação até 2038, por suposto atraso “irrazoável” de 12 anos do INPI na tramitação dos processos administrativos.
O INPI diz que a “suposta demora” não causou prejuízos à empresa, pois a lei garante indenização e proteção retroativa, desde o depósito do registro. O órgão afirma ainda que os prazos de concessão dos registros caíram 36% nos últimos cinco anos e a média hoje é de 4,2 anos.
Segundo o instituto, também existem 17 modalidades de trâmite prioritário dos pedidos que podem ser solicitados pelas companhias, cujo prazo de apreciação é, em média, de seis meses. “O problema do prazo de patente não é para o depositante. Quem hoje sofre com esse prazo é o concorrente, porque o pedido do depositante, se ele quiser, sai rápido”, diz o procurador federal André Aguiar, coordenador-geral de contencioso do INPI.
A procuradora federal Manuellita Hermes, da Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o INPI no STJ, afirma que não houve demora injustificada do órgão ou prejuízo à Novo Nordisk. “A partir da data do depósito, já existe toda a proteção, então não se pode presumir um dano, que sequer foi demonstrado”, afirma. “Não cabe ao STJ revisar o que o Supremo assentou, que já foi reafirmado em reclamações, de que a suposta demora do INPI não leva à extensão da patente”, acrescenta.
Para o advogado Guilherme Takeishi, sócio do Reis, Souza, Takeishi e Arsuffi Advogados, a decisão é um “marco para a indústria farmacêutica nacional”. “É um precedente que prestigia o direito à saúde e o acesso a medicamentos, contribuindo para a concorrência e barateamento de produtos no mercado”, afirma.
A expectativa, acrescenta Takeishi, é que o entendimento seja replicado nas outras ações judiciais. Segundo ele, já existem 30 sentenças negando o pedido de extensão de patentes. No caso do Ozempic, ele diz que a empresa tentava a prorrogação além do que estabelecia o dispositivo declarado inconstitucional pelo STF. “O STF considerou inconstitucional os 10 anos de proteção adicionais, como que eles pedem 12? É a grande incoerência”, adiciona.
O advogado Bernardo Marinho, do Dannemann Siemsen, que também atuou pela Novo Nordisk, diz que aguarda a publicação do acórdão para avaliar recurso. Para ele, a decisão traz incerteza para empresas que queiram trazer medicamentos inovadores ao Brasil. “Com esse sistema de patentes, será que as empresas ainda vão estar motivadas a trazer medicamentos inovadores para o Brasil? Se a resposta for não, não vai ter nem genérico para copiar”, afirma.
Na visão dele, mesmo com a declaração de inconstitucionalidade pelo STF, existem outros dispositivos no ordenamento jurídico brasileiro que poderiam ser aplicados, como do Código Civil, para permitir a extensão. “Existem outras legislações que fundamentam esse ajuste de prazo em função da demora no INPI e, no nosso entendimento, isso está em harmonia com STF.”
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Fonte: Valor Econômico