Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aguardada para hoje, poderá destravar o mercado nacional de cannabis para fins medicinais. A expectativa é de que a 1ª Seção simplifique significativamente o trâmite para o cultivo de sementes com baixo teor de Tetrahidrocanabinol (THC) e alta concentração de Canabidiol (CBD), visando à produção de medicamentos e outros subprodutos para usos exclusivamente medicinais.
Atualmente, os fabricantes brasileiros de medicamentos à base de cannabis são obrigados a importar a matéria-prima. Nesse cenário, uma decisão favorável do STJ – que trata do pedido específico de uma empresa -, ampliará as possibilidades para que as aquisições sejam feitas no mercado interno, com redução de custos e de burocracia, explica o advogado Rodrigo Mesquita, que representa o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no processo.
“Vai haver uma pacificação judicial do tema. Por exemplo: se houver essa mesma discussão em outros processos em tramitação, já haverá uma referência que deverá ser seguida por todos os juízes de instâncias que ficam abaixo do STJ”, diz o especialista.
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O Incidente de Assunção de Competência (IAC 16), nome técnico do recurso que será julgado, é normalmente usado pelos tribunais brasileiros para uniformizar a interpretação de uma questão relevante, com repercussão para a sociedade e com efeito em processos futuros. A finalidade é gerar uma decisão vinculante, que deve ser seguida por instâncias inferiores ao julgar casos com a mesma questão jurídica.
O plantio da cannabis para fins medicinais vive uma espécie de limbo jurídico no Brasil. Apesar de estar prevista na Lei Antidrogas (11.343/06), a atividade ainda não foi regulamentada, o que impede o cultivo da planta em território nacional. A regulamentação emperrou em uma controvérsia entre o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre as atribuições de cada um.
“A Anvisa não regulamenta plantio. O tema foi discutido e votado em 2019 e, naquela ocasião, a agência decidiu que a regulamentação dependia de norma superior para sua realização”, informou a autarquia, em nota. Já o Ministério da Saúde explicou que mantém interlocução com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad), ligada ao Ministério da Justiça, “para assegurar a implementação adequada dos processos regulatórios”.
Mesquita diz que é justamente a combinação entre a previsão legal e a omissão regulatória que tem garantido aos pacientes, na Justiça, o direito de adquirir os medicamentos. Para as famílias que não têm condições de arcar com os custos dos produtos, o Sistema Único de Saúde gastou US$ 33,4 milhões com importações entre 2015 e 2023, segundo dados do Ministério da Saúde constantes em um parecer do Ministério Público Federal (MPF).
Relatório mais recente da consultoria Kaya Mind estima que cerca de 430 mil brasileiros fizeram uso de medicamentos à base de cannabis no ano passado. O mesmo levantamento aponta que 516 empresas atuam no mercado brasileiro por meio de importação de matéria-prima.
O processo teve parecer favorável do MPF. “Entende-se, nesse contexto, especialmente para fins terapêuticos, que o plantio controlado de âmbito nacional contribuirá para a redução de custos dos produtos derivados da cannabis sativa”, diz o documento, assinado pelo subprocurador-geral Aurélio Virgílio Veiga Rios. “Especialmente sob a perspectiva do direito à saúde, o plantio de variedades com fins medicinais é medida de interesse público, que importará em real impacto na vida de pessoas cuja terapia convencional não responde a contento”, completa.
O processo de regulamentação está sendo discutido atualmente em um grupo de trabalho do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, composto por representantes de vários ministérios, sob a coordenação do Ministério da Justiça. O relatório do grupo já foi concluído e deverá ser apresentado ao ministro e, em seguida, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode endossar ou não o texto.
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Fonte: Valor Econômico