O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a analisar, no Plenário Virtual, um tema importante para a assistência à saúde e que impactará milhares de ações judiciais: o fornecimento de medicamentos fora da lista do Sistema Único de Saúde (SUS). No ano de 2020, os ministros já decidiram que o Estado não é obrigado a custear a um paciente um fármaco de alto custo fora desse rol. Porém, a Corte ainda precisa definir se e sob quais condições a Justiça pode determinar a concessão de remédios não incorporados ao SUS.
Até então, existem duas linhas de voto diferentes. Ambas as teses restringem o acesso a medicamentos que estão fora da lista do SUS pelos cidadãos estabelecendo uma série de requisitos. De acordo com advogados, é um reflexo da própria mudança de jurisprudência da Corte a respeito do tema. O julgamento estava no Plenário Virtual, mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Uma primeira corrente é a do relator, ministro Marco Aurélio Mello, já aposentado. Em voto proferido em 2020, ele fixou tese apenas para os medicamentos de alto custo não incluídos na Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional. A cessão pelo Estado dependeria da comprovação da imprescindibilidade do remédio, da sua impossibilidade de substituição e da incapacidade financeira do enfermo e da família.
Mello considerou que “não cabe ao Poder Judiciário formular políticas públicas, mas pode e deve corrigir injustiças concretas”. Ele frisou que não estava determinando uma “ampla intervenção judicial” na saúde, mas ajustando a validade da atuação judicial subsidiária em casos não alcançadas pelas políticas públicas. “A intervenção é mínima, casual, excepcional, mas indispensável”, afirmou.
A outra linha foi adotada por um voto conjunto apresentado hoje pelos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. A dupla traz uma tese mais abrangente tratando de todos os medicamentos, independentemente do custo, que estão fora da lista do SUS. Para eles, a cessão do remédio pelo Estado deve ser considerada excepcional e seis requisitos devem ser observados (RE 566471).
Dentre os critérios, estão a negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, a impossibilidade de substituição por outro medicamento da lista dos SUS, a incapacidade financeira do paciente, a comprovação da eficácia do fármaco e um laudo médico que alegue a imprescindibilidade do tratamento clínico.
Ainda definiram que os entes federativos, em parceria com o Poder Judiciário, deveriam criar uma plataforma nacional que “centralize todas as informações relativas às demandas administrativas e judiciais de acesso a fármaco, de fácil consulta e informação ao cidadão, na qual constarão dados básicos para possibilitar a análise e eventual resolução administrativa, além de posterior controle judicial”.
Eles também delimitaram o que a Justiça deve se ater a analisar o ato administrativo de não incorporação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou da negativa de fornecimento da medicação. Não deve analisar o mérito da decisão administrativa nem fundamentar unicamente a sentença em laudo médico. Caso a solicitação do medicamento for deferida, deve-se oficiar os órgãos competentes para avaliarem a possibilidade da incorporação ao SUS.
Até esta sexta-feira, a divergência foi acompanhada pelos ministros Dias Toffoli, Edson Fachin e Cristiano Zanin. Ainda faltam os votos dos outros membros da Corte. O julgamento se encerra na próxima sexta-feira, 13, mas pode ser interrompido por um pedido de destaque ou vista.
O caso chegou ao STF em 2007, por um recurso do Estado do Rio Grande do Norte. Ele recorre de decisão da Justiça estadual que determinou a obrigação de fornecer o “Sildenafil 50 mg”, destinado a tratar “miocardiopatia isquêmica” e “hipertensão arterial pulmonar”. A medicação era imprescindível para o tratamento e o paciente nem a família tinham capacidade de custear, segundo decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN).
Ao Supremo, o governo alega não haver orçamento público para o custeio, já que o remédio não foi inserido em programa público de saúde. Diz ainda que ao beneficiar uma única pessoa, o Judiciário prejudica outras, pois “está destinando os recursos previstos para fazer face às políticas universais de saúde ao cumprimento das decisões judiciais que determinam o fornecimento individualizado de medicamentos extremamente caros”.
Segundo o advogado especialista em Direito do Consumidor Vinicius Zwarg, do Emerenciano, Baggio & Associados, o tema é discutido há anos pelo Supremo e milhares de ações judiciais dependem dessa definição. “Eles mantiveram a tendência de limitar o fornecimento de medicamento e os critérios são muito mais rigorosos do que no passado”, afirmou, sobre o voto de Gilmar e Barroso, que predomina, no momento.
Na visão dele, os ministros, até então, têm prestigiado a limitação do orçamento do poder público frente ao direito individual de acesso à medicação prevista na Constituição Federal, baseado no princípio da “reserva do possível. “Embora as pessoas tenham direito à saúde estampado na Constituição, em certas condições, tem que ser mitigado”, diz. “O voto de Gilmar entende que se deixar algumas pessoas terem acesso a medicamentos caros, impede que outras pessoas tenham acesso a medicamentos básicos”, completa.
Os ministros ainda julgam ao mesmo tempo outra ação que discute matéria similar, que teve repercussão geral reconhecida em 2022. Ela trata da legitimidade passiva da União e a competência da Justiça Federal nas demandas sobre fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS (Tema 1234).
Para este tema, foi criada uma Comissão Especial que propôs acordos sobre a competência, custeio e ressarcimento em demandas que envolvam medicação não incorporados. Por isso, os ministros analisam em conjunto os Temas 6 e 1234 a fim de “evitar soluções divergentes sobre matérias correlatas”. Eles definiram que a Justiça Federal é a competente para propor esse tipo de ação e a União deve constar como sujeito passivo, pois é responsável pelo custeio.
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Fonte: Valor Econômico