Dois importantes julgamentos sobre a judicialização do fornecimento de medicamentos têm maioria formada entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O andamento demonstra que a Corte deve estabelecer como regra que medicamentos fora da lista do Sistema Único de Saúde (SUS) não devem ser fornecidos por decisão judicial, independentemente do custo.
No entanto, haverá exceções, desde que o paciente atenda a critérios estabelecidos pela Corte, como a comprovação de evidências científicas sobre a eficácia do medicamento, a negativa administrativa e a inexistência de tratamento alternativo no SUS.
Também estão sendo validados pelos ministros os termos firmados entre União, Estados e municípios que definem as proporções de pagamento da conta da judicialização para cada ente federado. Essa discussão envolve casos de pacientes que conseguiram medicamentos já autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não incorporados à lista do SUS.
A partir da convergência desses dois julgamentos, a Corte vai editar uma súmula vinculante, ou seja, uma regra geral que orientará os tribunais de todo o país.
Os dois julgamentos estão em Plenário Virtual até o dia 13 de setembro. Já acompanharam Gilmar Mendes os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin e Flávio Dino. Em um dos julgamentos, há divergência do ministro aposentado Marco Aurélio Mello.
Os ministros veem a judicialização da saúde como um tema complexo: de um lado está a urgência em oferecer tratamento adequado às doenças e, do outro, a desestruturação da política pública de saúde, pois o Estado precisa arcar com os custos de uma demanda judicial em detrimento ao planejado. Mas com as maiorias formadas, o Supremo dá uma resposta a uma espera de mais de 15 anos sobre o debate acerca do fornecimento de medicamentos de alto custo pela via judicial.
A discussão sobre a obrigatoriedade do Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo começou no ano de 2007, por meio do Tema 6 (RE 566471). Em 2020, o STF desobrigou o Estado, mas ficou pendente a tese em repercussão geral com critérios e exceções. Iniciada a votação quanto à tese, o ministro Gilmar Mendes pediu vista.
Agora, quatro anos depois, o ministro devolveu a vista com o outro processo de sua relatoria, o Tema 1234 (RE 1366243). Este discutia a competência judicial dos entes federados (União, Estados ou municípios) para arcar com a compra dos medicamentos.
O tema foi levado a uma conciliação por intermédio do gabinete do ministro Gilmar Mendes, entre setembro de 2023 e maio de 2024. O acordo firmado foi além da competência judicial para a aquisição de medicamentos de alto custo e trouxe parâmetros de ressarcimento, sugestões para a melhoria regulatória, conceituação de medicamentos incorporados e não incorporados ao SUS e a criação de uma plataforma para centralizar todas as informações relativas às demandas administrativas e judiciais de acesso ao fármaco.
O termo prevê, entre outros pontos, que o governo federal arque com 65% dos custos e os governos estaduais, 35%, no caso de medicamentos não incorporados ao SUS com preços variando entre 7 e 210 salários mínimos (R$ 9.884 a R$ 296.520, em valores atuais). Acima de 210 salários mínimos, o custeio integral será feito pela União e abaixo de 7 salários mínimos a responsabilidade será dos Estados.
No caso dos medicamentos oncológicos, a divisão fica: acima de 210 salários mínimos a responsabilidade é da União e, abaixo, dos Estados. As ações ajuizadas antes do acordo serão ressarcidas pela União na proporção de 80% do valor total pago por Estados e por municípios. A proposta também criou balizas de como será feito o ressarcimento entre os entes – a ideia é que o Fundo Nacional de Saúde faça as compensações via fundos estaduais.
Segundo dados apresentados durante a conciliação, a União gastou, em média, R$ 1,8 bilhão em judicialização da saúde no ano de 2022 e R$ 2,2 bilhões em 2023. Dezessete Estados e o Distrito Federal calculam R$ 1,7 bilhão em 2022.
O acordo foi feito dentro de um recurso (Tema 1234) que chegou ao Supremo em 2022. A disputa entre os entes sobre quem paga a conta ocorre porque o SUS é tripartite: envolve municípios, Estados e a União. Porém, a judicialização dos medicamentos está centrada em 80% na Justiça Estadual e 20% na Justiça Federal. Os motivos são diversos: desde a atuação das defensorias públicas até a proximidade maior com o judiciário local.
Por isso, no caso dos medicamentos já registrados na Anvisa mas ainda não padronizados no SUS, os Estados passaram a chamar a União como parte, pois estavam arcando com o alto custo da judicialização.
Em seu voto, Gilmar Mendes destaca o problema da judicialização da saúde e traz dados do Tribunal de Contas da União (TCU) de que de 2008 a 2015, os gastos com o cumprimento de decisões judiciais para a aquisição de medicamentos e insumos saltaram de R$ 70 milhões para R$ 1 bilhão.
“Os problemas que circundam o tema da judicialização da saúde eram — e continuam sendo — de conhecimento público e, apesar de sua notoriedade, o quadro está estagnado e em franca constatação de desgovernança pública, diante do incremento significativo dos gastos advindos das decisões judiciais, tal como registrado pelo Tribunal de Contas da União”, escreveu.
Quando o julgamento finalizar e for validado definitivamente, o acordo com o referendo dos ministros, uma liminar do ministro Gilmar Mendes que estabeleceu parâmetros temporários sobre a competência dos entes em relação às ações envolvendo o fornecimento de medicamentos, deixa de valer. Nesta liminar, o Supremo criou balizas diferentes das definidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto, que entendeu que o paciente poderia escolher qual ente (União, Estados ou municípios) direcionaria a ação judicial. Atualmente, 3.848 processos estão suspensos sobre o assunto e devem voltar a tramitar com o fim do julgamento.
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Fonte: Valor Econômico