O Supremo Tribunal Federal (STF) cobrou o condicionamento do registro de medicamentos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao início do processo de precificação junto à Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). A medida faz parte da determinação do Tema 1234 de repercussão geral, cujo acórdão foi publicado em 28 de novembro de 2024. A discussão ocorreu em audiência pública nesta segunda-feira (10/11), convocada pelo relator, ministro Gilmar Mendes.
O juiz auxiliar Diego Viegas Veras, que conduziu parte dos trabalhos, afirmou que as medidas apresentadas por Anvisa e CMED nos autos e na audiência pública não cumprem integralmente as definições do processo. Segundo Veras, o 1234 determina que a Anvisa revise suas normas internas para que a publicação do registro seja condicionada à solicitação de fixação do preço pela indústria farmacêutica à CMED.
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O juiz sugeriu que se faça uma adequação nos procedimentos, sem alterar a competência dos órgãos. A ideia seria que houvesse a suspensão da publicação do registro dos medicamentos, terminado o processo de análise da Anvisa, até que a CMED atue na avaliação de preço.
“O ministro [Gilmar Mendes] usou a publicação do registro como marco. Se suspende a publicação e a CMED vai fazer essa análise do controle de preço,” afirmou o Juiz Auxiliar Diego Viegas Veras.
Ao término do debate, foi definido que os órgãos têm até o dia 1º de dezembro para apresentar um plano de ação sobre como harmonizar os processos de precificação e registro em cumprimento à determinação judicial.
Debate
Durante as exposições, a Anvisa informou que já havia feito mudanças regulatórias para atender às determinações do Tema 1234. Na percepção da agência, a exigência do pedido de precificação em até 60 dias após a concessão do registro para medicamentos prioritários seria suficiente para equalizar o tema. Entretanto, na visão do STF, a concessão de prazo posterior descumpre o que foi determinado pelo acórdão.
O diretor-presidente da Anvisa, Leandro Safatle, argumentou que as análises não podem ser feitas em conjunto. De acordo com ele, a avaliação da CMED depende da definição do registro. Conforme o diretor, é necessário saber os possíveis usos do medicamento, qual é o público-alvo, para só então definir preço.
O secretário-executivo da CMED, Mateus Amâncio, adicionou que a antecipação do pedido de precificação pode resultar em preços mais altos. Amâncio lembrou que o Brasil utiliza referenciamento externo baseado em países que publicam preços mais elevados.
CMED trabalha em novo arcabouço regulatório
Ainda durante a audiência, a CMED apresentou o passo a passo da modernização regulatória sobre a precificação. Três minutas já estão concluídas, referentes a preços para compras judiciais; precificação de terapias avançadas; e revisão extraordinária de preços. Outras duas, ainda em elaboração, abordam precificação de radiofármacos e processo sancionador.
Um dos textos prevê que as empresas protocolem o Documento Informativo de Preço (DIP) em 60 dias após o registro sanitário. Caso esse prazo não seja cumprido, a CMED poderá fixar o preço de ofício e aplicar multas. Este prazo, entretanto, deve ser revisto na redação final da norma para que se adeque à decisão do Supremo.
Entre as demais inovações está a exigência do menor custo para compras judiciais. Assim como no acórdão do 1234, a CMED elenca três possibilidades, priorizando sempre a mais barata: valor de incorporação da Conitec, o Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) ou a média do pagamento nos três últimos pregões.
Ministério da Saúde discute desconto sigiloso de preços
Em busca de maior poder de barganha e economia para o erário, o Ministério da Saúde debate a possibilidade de introduzir o desconto silenciado ou preço oculto nas compras governamentais. A secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação, Fernanda de Negri, observou que países que adotam descontos ocultos, como França e Inglaterra, conseguem obter abatimentos superiores em relação ao Brasil.
Para viabilizar o sigilo, a Plataforma Nacional de Medicamentos do SUS deve funcionar como um arcabouço com nível de sigilo máximo. Essa funcionalidade permitiria que o registro do preço permanecesse restrito, inclusive para fins de controle externo pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Esta plataforma, entretanto, é outro ponto considerado não cumprido no escopo do Tema 1234. Sobre ela, o ministério também deve apresentar explicações até 1º de dezembro.
Comparação com outros países e propostas legislativas
Especialistas ouvidos ao longo do dia trouxeram o alinhamento com sistemas internacionais. A médica Ludhmila Hajjar afirmou que tanto o Reino Unido quanto o Canadá condicionam o preço ao valor antes de o produto entrar no sistema. De acordo com ela, isso reduz a judicialização porque elimina a manipulação de preços como instrumento de pressão.
Outros aprimoramentos discutidos incluem a melhoria dos limiares de custo-efetividade e a introdução mais explícita da medição de impacto orçamentário no processo de Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS) da Conitec.
O professor Daniel Wei Liang Wang ressaltou que a judicialização, ao forçar o custeio sem olhar para o preço, corre o risco de gerar um gasto injusto e ineficiente.
No legislativo, o deputado Dr. Luizinho (PP-RJ) mencionou projetos de lei que visam mudanças estruturais nos processos de incorporação de medicamentos no país. Ele citou a criação de uma nova agência que unifique a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Conitec. A ideia, defendeu o parlamentar, é harmonizar o aspecto orçamentário do SUS e da saúde suplementar.
Fonte: JOTA Info