Investidores e executivos de bancos de investimento têm se empenhado em levantar bilhões de dólares para novas empresas de aquisição de propósito específico (Spacs, na sigla em inglês), desafiando as previsões de que esse tipo de ativo seria varrido do mapa após uma série de escândalos e da ofensiva de fiscalização.
As Spacs, coloquialmente conhecidas como firmas de “cheque em branco”, levantam recursos em uma oferta pública inicial de ações (IPO) antes de definir a empresa que vão comprar com esse dinheiro. As novas captações de recursos para esse tipo de investimento foram ganhando força ao longo de 2024 e somaram US$ 3,1 bilhões, alta de 20% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo a Dealogic, e assessores preveem uma aceleração no movimento.
Mais de 20 Spacs encaminharam solicitações de IPO desde o início de junho, com planos de levantar, no total, US$ 4,3 bilhões. Em comparação, em todo o segundo semestre de 2023 foi captado apenas US$ 1,8 bilhão. “Há muita receptividade dos investidores em IPOs para o produto. É um bom momento [para os gestores de Spacs], particularmente se você teve sucesso no passado”, disse Tina Pappas, diretora da Jefferies, que chefia as operações de Spacs no banco de investimento. “Não acho que voltaremos a ver algo como 2021 […], mas acho que o ritmo de IPOs de Spacs vai se acelerar pelo resto deste ano e no próximo.”
As Spacs ganharam popularidade durante a pandemia, uma vez que as baixas taxas de juros e a alta das ações alimentaram a demanda dos investidores e encorajaram centenas de empresas em estágio inicial a se combinarem com Spacs como uma forma mais barata e rápida de abrir o capital do que um IPO tradicional.
Depois de 2021, contudo, a captação de dinheiro entrou em queda livre, afetada pela combinação de elevação dos juros e mau desempenho das empresas que optaram pela ideia. Essa ascensão e queda também levou a SEC (comissão de valores mobiliários dos EUA) a anunciar uma série de novas regulamentações, embora algumas das propostas mais controversas tenham sido atenuadas na versão final.
Os financiadores das Spacs reconhecem que o setor precisará trabalhar duro para conquistar empresas e investidores céticos, mas acreditam que serão beneficiados pelo gargalo no mercado de IPOs tradicionais, que tem recuperado o ímpeto após uma longa desaceleração. “Existem mais de 1,3 mil unicórnios por aí e a rota de saída tanto via IPOs quanto fusões e aquisições está fechada”, disse Jimmy Fang, diretor de operações da Spacs Explorer Acquisitions. “Mesmo no mercado de IPOs de tecnologia, que está no momento mais aquecido de todos os tempos, é improvável que tenha mais de 150 IPOs em um ano. O que acontece com as empresas restantes? […] Não estou dizendo que as Spacs preencherão toda lacuna, mas certamente podem levar parte considerável.”
A Explorer Acquisitions planeja captar dinheiro para uma nova Spac no quarto trimestre deste ano ou no primeiro de 2025.
Em vez dos fundadores celebridades do passado, com foco em setores altamente especulativos, como taxis voadores e turismo espacial, agora a maioria das negociações são de emissores especializados, à procura de empresas mais tradicionais interessadas em abrir o capital, mas que podem encontrar dificuldades para se sobressair em um mercado abarrotado.
Raj Shah, gerente de carteiras de investimento da Stoic Point Capital, disse que um renascimento de empresas menos espalhafatosas abrindo o capital por meio de Spacs poderia criar “uma oportunidade única para investidores em capital aberto”. “Há trilhões de dólares em [empresas] financiadas por private equity e capital de risco na fila para abrir o capital e nem todas conseguirão um lugar na frente com o Goldman ou o Morgan Stanley […] prevemos que vários assessores e empresas de alta qualidade explorem outros [modos de abrir o capital].”
Apesar do otimismo cada vez maior, alguns fundadores de Spacs – conhecidos como patrocinadores – têm tomado medidas para reduzir os riscos, após as perdas da onda anterior. Os patrocinadores costumam fazer um investimento inicial para financiar as operações de uma Spac e a devida análise das contas dos alvos, enquanto a empresa procura o que comprar. Em troca, quando o negócio é feito, os patrocinadores são pagos com “ações de fundador”, com grande desconto, o que pode lhes render lucros enormes após uma fusão bem-sucedida. No entanto, se a Spac não encontra um alvo, os patrocinadores perdem todo seu investimento, enquanto os investidores do IPO recuperam o dinheiro com juros.
Desde o início de 2022, mais de 350 Spacs foram liquidadas sem encontrar um alvo para comprar, de acordo com dados da Spac Research. Em resposta a isso, muitos dos negócios recentes têm sido estruturados de forma que investidores externos financiem a maior parte do aporte inicial do patrocinador, em troca de uma pequena parte das ações.
A prática é polêmica. Alguns temem que isso possa alimentar a percepção de que os fundadores de Spacs querem ganhar dinheiro rápido sem assumir um comprometimento suficiente. Um executivo de banco de investimento que trabalhou em vários desses negócios, no entanto, considera razoável compartilhar algum risco e “criar alinhamento” entre patrocinadores e seus investidores de IPO.
Fang, da Explorer Acquisitions, tem a esperança de que a Spac possa seguir uma trajetória semelhante a outra palavra de quatro letras nos mercados de capitais – os bônus “junk”. “As Spacs podem precisar ser rebatizadas para algo um pouco mais palatável. Os bônus junk acabaram sendo rebatizados como bônus de alto rendimento. Aquisições alavancadas se tornaram private equity. Algo nesse sentido, que mude a percepção de precariedade para algo um pouco mais legítimo.”
Fonte: Valor Econômico

