Diante do conservadorismo imobilizante do Congresso Nacional no tema da maconha medicinal, a Justiça mais uma vez avança sobre matéria de competência legislativa: o Superior Tribunal de Justiça autorizou a importação de sementes e o cultivo de cânhamo industrial para fins industriais.
O STJ tomou a decisão após ponderar argumentos apresentados em audiência pública de abril convocada pela ministra relatora, Regina Helena Costa. A corte determinou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emita em seis meses normas regulamentando a atividade.
A rigor, nem de maconha (Cannabis sativa) se trata e sim de Cannabis ruderalis, planta aparentada. O cânhamo tem baixos índices de tetrahidrocanabinol (THC), substância psicoativa que deu má fama à erva, mas bom teor de canabidiol (CBD), composto de larga aplicação terapêutica.
O CBD vem sendo indicado para epilepsia, dor crônica, depressão, esclerose múltipla, autismo, náusea por quimioterapia, doença de Parkinson, distúrbios do sono e outras patologias.
Fibras e óleo de cânhamo também são utilizados em tecidos, papel, cimento, plástico biodegradável, tintas, cosméticos e alimentos e até biocombustíveis.
Por ora, entretanto, estava proibido importar e germinar sementes para o cultivo. O Brasil, em que pese sua pujança agrícola, se encontra à margem de um mercado global calculado em cerca de R$ 250 bilhões e é obrigado a importar derivados da planta, em especial da vizinha Colômbia.
Como resultado, boa parte dos beneficiários do uso medicinal do CBD paga preços elevados pelo medicamento, dado que não há produção em grande escala do óleo com canabidiol, formulação mais utilizada. Associações de pacientes plantam e extraem o produto, com base em autorizações precárias do Judiciário.
Há projetos de lei para legalizar o plantio no país, mas o Legislativo anda a passos de cágado nessa trilha. E não está só nessa marcha trôpega: o Conselho Federal de Medicina baixou em 2022 resolução restringindo o tratamento com CBD a raras epilepsias refratárias, as síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut.
Boa parte dos deputados e senadores, sob a influência de médicos e líderes religiosos conservadores, ou mesmo em razão de suas bases eleitorais, hesita em decidir-se sobre a matéria.
Parecem temerosos de que o cultivo e processamento de cânhamo abra caminho para que se faça o mesmo com a maconha, quem sabe até para a descriminalização total, e se difunda o seu uso como droga recreativa.
O progresso é lento, mas segue pouco a pouco com base em evidências científicas e sociológicas acatadas por juízes. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, se deu por esclarecido ao fixar, em junho, o limite de 40 gramas para qualificar como usuários portadores de quantidades menores de maconha e, com isso, livrá-los do encarceramento desnecessário.