Por Natalie Victal e Rafael Yamano
06/06/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
Surpresas positivas nos indicadores econômicos do primeiro trimestre de 2022 levaram a sucessivas revisões altistas nas projeções para o PIB (Produto Interno Bruto). A consolidação da vacinação e seu impacto sobre a reabertura tem estimulado a continuidade da normalização do setor de serviços. A injeção adicional de estímulo fiscal via transferência direta para famílias (expansão do Auxílio Brasil, liberação de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e reajustes salariais dos entes subnacionais melhoram a perspectiva do setor varejista no curto prazo. Ademais, a continuidade do processo de readequação de estoques, somado a um comportamento mais dinâmico da demanda doméstica, tem levado a um melhor desempenho da indústria.
No entanto, esse bom desempenho da atividade em 2022 tem sido acompanhado por uma aceleração inflacionária, e contínua desancoragem das expectativas de inflação. Como resultado, há a necessidade de aperto monetário adicional, e esse tem sido realizado pelo Banco Central (BC). Destacamos, porém, que ao avaliarmos os impactos dessa contração sobre as perspectivas de crescimento, é especialmente importante nos atentarmos às peculiaridades do processo de retomada em curso. A heterogeneidade setorial resultante do fato que o setor de serviços – setor mais trabalho-intensivo – teve seu desempenho afetado pelas restrições de mobilidade tem importantes consequências sobre a velocidade de resposta dos canais de transmissão usuais.
Efeito contracionista da política monetária tem sido subestimado pelas projeções correntes
Em particular, a retomada tardia do setor estimula a continuidade do dinamismo do mercado de trabalho. Ademais, as recorrentes injeções fiscais de recursos contribuem para resiliência da massa salarial. A resultante desses fatores, acreditamos, é que as defasagens de política monetária tendem a ser maiores do que as usuais.
Em paralelo a uma política monetária mais contracionista, 2023 tende a ter como vetores negativos alguns daqueles fatores que devem contribuir positivamente para o crescimento em 2022. O esgotamento da normalização dos serviços prestados a famílias, e a adequação dos estoques dos setores industriais subestocados saem de cena. Além disso, a continuidade da fragilidade fiscal deveria resultar em maior cautela na condução da política fiscal, o que representa vetor negativo adicional.
A boa notícia da atividade nesses últimos meses – o desempenho do mercado de trabalho – também tende a enfraquecer em 2023. A composição do PIB de 2022, com crescimento concentrado em setores mais trabalho intensivos, tem levado a um excelente ritmo de criação de postos de trabalho. No entanto, a supracitada normalização de serviços, somada à perda de dinamismo do crescimento, tende a impactar o emprego e a massa salarial, representando mais um vetor negativo para o crescimento no próximo ano.
Ademais, o cenário internacional será mais desafiador. A aceleração inflacionária, com fortes indícios de superaquecimento da economia dos Estados Unidos, demandará do Federal Reserve uma resposta contundente. A demanda agregada seguiu crescendo de maneira forte no começo do ano. O mercado de trabalho apertado tanto em termos de taxa de desemprego quanto em ganhos salariais, num contexto de aceleração da inflação de serviços – tal como demonstrado pelos últimos dados divulgados – complica ainda mais o panorama inflacionário. Como resultado, é esperada uma desaceleração da atividade americana, e há risco de recessão – dois trimestres seguidos com taxa de crescimento negativo.
Em paralelo, as perspectivas para a economia chinesa seguem negativas com a reafirmação da política de tolerância zero contra a covid-19 e o tímido anúncio de medidas de estímulo adicionais. Os dados chineses sobre consumo de bens e serviços frustraram as expectativas, com as medidas de distanciamento gerando um impacto maior que o originalmente projetado. Adicionalmente, houve impacto na produção industrial e exportações, afetando negativamente a oferta global de diversos produtos e insumos. Como resultado, temos observado sucessivas revisões baixistas das projeções para o PIB chinês, e a chance de a meta de crescimento para PIB de 5,5% ser atingida é muito baixa (a maior parte dos analistas tem projeções entre 4% e 4,5%).
Esse é o panorama especialmente complexo que a economia brasileira enfrentará em 2023 – com altíssimo risco de recessão. Nesse sentido, temos sido surpreendidos com as projeções de crescimento dos analistas econômicos – a mediana da pesquisa Focus do BC encontra-se em 1% para 2023. É verdade que temos visto um processo de revisão baixista das projeções. No entanto, quando analisamos a projeção de crescimento acumulada dos anos 2022 e 2023 – a métrica que consideramos mais indicada dado o horizonte da política monetária em implementação – vemos que as constantes revisões altistas para taxa Selic terminal não têm sido acompanhadas de uma revisão baixista de crescimento na intensidade que avaliamos adequada. Assim, nos parece que o efeito contracionista da política monetária, tal qual a ausência de vetores de crescimento, tem sido subestimado pelas projeções correntes. E essa subestimação tem efeitos nas projeções de inflação para 2023 e 2024.
Afinal uma perspectiva pior de crescimento resulta em uma projeção de um panorama menos ruim para inflação. Vale a ressalva, porém, que para concretização de um processo desinflacionário é condição necessária a ancoragem das expectativas de inflação. Caso contrário, o panorama torna-se ainda mais complexo, representando uma estagflação.
Por fim, destacamos que esse prognóstico preocupante pode ser atenuado pelo fortalecimento da agenda que visa o aumento da produtividade da economia, e melhora do ambiente de negócios. Um consenso atual é que uma das consequências da crise resultante da pandemia será um processo de regionalização das cadeias produtivas, com países buscando diminuição de sua dependência produtiva do ponto de vista geográfico. E o Brasil tem potencial de ser destaque nesse processo, uma vez que apresenta um parque industrial diversificado, grande mercado consumidor e distância de epicentros de conflitos internacionais.
Natalie Victal e Rafael Yamano são, respectivamente, economista-chefe e economista sênior da SulAmérica Investimentos.
Fonte: Valor Econômico

