Por Brian Spegele, Dow Jones — Pequim
23/11/2022 11h40 Atualizado
No início do mês, os líderes da China emitiram diretrizes flexibilizando parte de sua dura política de contenção da covid-19 e sinalizando uma possível mudança na longa luta para suprimir o vírus.
Quase duas semanas depois, o fim a política de tolerância zero com a covid na China parece mais distante do que nunca. Ontem, alguns dos mais movimentados distritos comerciais e de escritórios de Pequim estavam quase desertos. Milhões de pessoas em todo o país continuavam sob lockdown e o número de casos em toda a China parecia superar o pico anterior de quase 29 mil, que foi alcançado durante o surto em Xangai.
A contagem oficial dos novos casos de covid superou 28 mil na terça-feira. Ao contrário do pico anterior, quando mais de 90% dos casos estiveram concentrados em Xangai, hoje todas as províncias e regiões da China relatam casos.
A continuidade das políticas de covid zero reflete, em parte, as diferenças entre a política central e a sua a implementação local na China. Especialmente durante a pandemia, os níveis mais locais do governo chinês, como comitês de bairro, receberam muito mais autoridade para controlar as atividades das pessoas. Embora o governo central tenha pedido às autoridades locais para evitar controles extremos, poucas punições foram dadas pela aplicação excessiva das restrições de controle da pandemia, enquanto muitas autoridades foram rebaixadas por permitir que os surtos se espalhassem.
“As autoridades estão respondendo com restrições mais duras, frustrando as recentes esperanças de alguns de um fim da política de covid-zero”, diz Mark Williams, da consultoria Capital Economics.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou ontem que a China precisa continuar recalibrando a sua estratégia de covid zero e aumentar a confiança no mercado imobiliário para estimular o crescimento no próximo ano.
Em comunicado, o FMI disse que o governo chinês precisa acelerar o ritmo da vacinação e mantê-lo em um nível alto, após uma reunião virtual com autoridades chinesas como parte de suas discussões anuais. Para apoiar o mercado imobiliário, a China precisará fazer mais para ajudar as incorporadoras a concluir projetos inacabados, disse a equipe do FMI.
As diretrizes de 20 pontos divulgadas em 11 de novembro após uma reunião do Comitê Permanente do Politburo, o principal órgão decisório do país, incluíam reduzir o tempo de quarentena para contatos próximos de casos de covid de dez dias para oito. Também buscavam revisar as restrições às viagens em território nacional, limitando a áreas designadas como de alto risco e a blocos residenciais, em vez de distritos inteiros, e proibindo as autoridades locais de manter as pessoas confinadas em suas casas arbitrariamente.
Mesmo assim, o governo reiterou que a ideia geral da estratégia de combate à covid permanece intacta. Nos dias seguintes, o “Diário do Povo”, o jornal do PC chinês, publicou comentários enfatizando a importância da continuidade da adesão às medidas rígidas de proteção determinadas pelo governo.
Um aumento dos casos em Pequim é especialmente preocupante para os principais líderes chineses. A contagem dos novos casos na capital passou neste mês de cerca de 100 por dia para mais de 1.400, o maior número desde que o início da pandemia. Até agora, Pequim evitou um lockdown em grande escala, como os que ocorreram em muitas outras cidades.
Em linha com recentes diretrizes do governo central, Pequim não declarou o fechamento de restaurantes e shopping centers, nem suspendeu as aulas presenciais.
Mas a realidade é que grande parte da cidade está, de fato, em lockdown. Ontem, o centro de Pequim, com suas ruas normalmente movimentadas, estava praticamente deserto. Muitos pequenos restaurantes, que geralmente servem café da manhã para pessoas a caminho do trabalho, estavam fechados, inclusive para entrega. Homens em trajes de proteção brancos patrulhavam as ruas borrifando desinfetante no ar.
Embora Pequim não tenha emitido ordens de permanência em casa, que confinou a maioria dos moradores de Xangai por dois meses no segundo trimestre, muitos na capital estão proibidos de sair de casa. As pessoas consideradas próximas de um caso positivo, como os moradores de um bloco de apartamentos adjacentes, podem ser obrigadas a ficar em casa enquanto passam por três dias ou mais de testes obrigatórios.
A abordagem rígida da China contra a covid-19 salvou muitas vidas, especialmente entre a população mais velha, mais suscetível ao vírus. Uma grande preocupação para os líderes chineses é a possibilidade de muitas pessoas morrerem se o país relaxar os controles.
Por um lado, o sistema de saúde da China é bem menos desenvolvido que o dos países ricos. Muitos chineses idosos também não foram vacinados. Dados oficiais mostram que 66% das pessoas com 80 anos ou mais foram totalmente vacinadas, mas só 40% receberam a dose de reforço até este mês.
As novas diretrizes fizeram apenas referências vagas a aumentar as taxas de vacinação. Em Pequim, por exemplo, a prova de um teste negativo de covid-19 é necessária para entrar em locais públicos, mas não há uma verificação do status de vacinação.
A mudança para lockdowns aplicados a prédios e bairros, em vez de restrições em toda a cidade, como foi o caso em Xangai, tornou mais difícil monitorar os efeitos sobre a economia da China. Isso porque algumas restrições, como a suspensão das aulas presenciais e do funcionamento dos restaurantes, não são mais anunciadas publicamente. Tentar avaliar as consequências econômicas é “basicamente adivinhação”, diz Xing Zhaopeng, do ANZ Bank.
Embora os problemas nas cadeias de suprimentos, como resultado das políticas da China para a covid, tenham diminuído em geral, um lockdown na fábrica da Foxconn em Zhengzhou levou a protestos dos trabalhadores e interrupções na produção do último modelo do iPhone, da Apple.
Muitas empresas chinesas estão preocupadas com as perspectivas. Uma pesquisa com 20.180 donos de empresas feita pela Universidade de Pequim e pela gigante fintech Ant Group, divulgada na semana passada, constatou que metade deles não está confiante em relação às perspectivas para o quarto trimestre, o nível mais baixo desde o primeiro trimestre de 2021. Também disseram que estão menos confiantes em relação às contratações e estão reduzindo seus custos.
Mesmo algumas cidades que não registraram grandes picos no número de casos ampliaram as suas restrições. Xangai, por exemplo, relatou umas poucas dezenas de casos ou menos neste mês. Mesmo assim, a prefeitura lançou uma regra nesta semana que proíbe as pessoas que chegam à cidade de visitar locais públicos, como restaurantes e shopping centers, até cinco dias após a chegada.
Ao todo, 48 cidades da China estão implementando vários níveis de lockdown, afetando 408 milhões de pessoas, em comparação a 340 milhões na semana passada, segundo levantamento do banco japonês Nomura. Essas cidades respondem por 40% do PIB chinês. (Com agências internacionais)
Fonte: Valor Econômico

