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Assinada por Donald Trump em uma ordem executiva horas depois de ser empossado na segunda-feira (20), a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS) deve ter um impacto médio anual de cerca de US$ 500 milhões (R$ 2,95 bilhões pelo câmbio atual), em doações voluntárias dos EUA, para o órgão multilateral. A projeção se baseia nas contribuições anuais dos americanos para a instituição em 2022 e 2023. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Valor, a medida pode fragilizar a ajuda a países mais vulneráveis contra doenças infecciosas e comprometer a resposta a novas emergências sanitárias globais.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina, ex-presidente da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), diz que o processo de saída da OMS ainda não está claro, mas não deve levar menos de um ano: “Não é como uma porta que você abre e sai”. O diretor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Buss, diz que esse é o tempo necessário para que a OMS possa suprir a falta financeira que o país fará. Ele observa ainda que a ordem de Trump deve passar pelo Congresso americano.
Na OMS, há dúvidas sobre como será o processo de saída dos EUA, uma vez que não há detalhes no decreto de Trump. Também não houve comunicação do governo americano à organização, disse um interlocutor do Itamaraty.
A avaliação de pesquisadores é de que o adeus americano está em curso diante do anúncio de suspensão de repasses financeiros à organização, retirada de funcionários, abandono da negociação do Acordo sobre Pandemias e recusa às emendas ao Regulamento Sanitário Internacional.
“A efetiva saída dos EUA pode demorar, mas o impacto é imediato porque sem a transferência de recursos muitos programas serão impactados, principalmente em países pobres de média e baixa rendas”, afirma o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Em 2020, no fim do primeiro mandato, Trump comunicou a intenção de retirar os EUA da OMS, acusando a organização de má gestão da pandemia de covid-19 e de influência excessiva da China. O processo, contudo, não foi concluído porque o presidente Joe Biden reverteu a decisão ao assumir a Casa Branca, em janeiro de 2021.
A OMS lamentou a decisão do presidente republicano e disse acreditar no diálogo para que os EUA reconsiderem a posição. A entidade destacou que o país está entre seus membros fundadores e que tem participado na definição e gestão dos trabalhos desde então, ao lado dos outros 193 Estados-membros, por meio de uma ação ativa na Assembleia Mundial da Saúde e no conselho executivo do organismo.
Professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, Marco Antonio Stephano destaca que decisão de Trump pode prejudicar a cooperação técnica internacional. Ele menciona que os americanos, junto com os europeus, têm pesquisadores na “fronteira do conhecimento”, desenvolvendo inovações como RNA de interferência, RNA mensageiro para biofármacos e novos tratamentos contra o câncer. “A ausência desses cientistas na OMS pode atrasar regulamentações e harmonizações internacionais, impactando a produção de medicamentos e o combate a doenças negligenciadas”, afirma.
O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão avalia que a decisão de Trump tem duas dimensões: a primeira é a fragilização do apoio técnico a países mais sujeitos a doenças como tuberculose, HIV, malária e poliomielite e vulneráveis no cuidado da saúde materno-infantil. A segunda pode provocar a fragilização de inúmeras iniciativas de integração e articulação entre os países para o enfrentamento de emergências em saúde pública. “Além de enfraquecer técnica, politicamente e financeiramente a OMS”, diz Temporão.
Margareth Dalcolmo, membro titular da Academia Nacional de Medicina e Pesquisadora da Fiocruz, acrescenta que a saída dos EUA da OMS gera medo coletivo e insegurança, num momento em que o mundo enfrenta cicatrizes da pandemia e o risco de novas epidemias. No entanto, ela acredita que outros países, especialmente do Brics e nações europeias, podem aumentar a cooperação para compensar essa perda: “É uma oportunidade para que países como Índia e China, que têm PIB altos, possam aumentar a capacidade de cooperação.”
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Os países-membros da OMS têm contribuições obrigatórias, que levam em conta, sobretudo, os PIBs. Além disso, as nações podem fazer contribuições voluntárias. Em ambos os critérios, os Estados Unidos são o maior contribuidor, explica a professora da Universidade de São Paulo e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Global e Sustentabilidade da USP, Deisy Ventura.
No biênio 2022-2023, em função da pandemia, o país repassou US$ 1,2 bilhão à OMS em recursos voluntários, segundo dados da organização referentes a esse período. De janeiro a novembro de 2024, foram US$ 958,5 milhões disponibilizados pelo país na soma de todos os aportes.
Do ponto de vista econômico, Ventura classifica a saída dos EUA da OMS como ”gravíssima”. Mas, para ela, a postura de Trump carrega algo ainda mais delicado, que é a potencial criação de um polo antagônico a evidências científicas e às diretrizes da organização. “Se a OMS defende a descriminalização completa do aborto e a proteção das pessoas trans, por exemplo, ele fará o oposto”, diz.
Paulo Buss, da Fiocruz, acrescenta que a National Institutes of Health, agência que financia a ciência americana, terá qdeue responder qual é o objetivo das pesquisas: “Se não estiverem de acordo com a visão da política exterior americana, serão suspensas. A pesquisa e a saúde no mundo serão afetadas.”
Fonte: Valor Econômico