Por Victor Rezende, Matheus Prado e Gabriel Roca — De São Paulo
03/06/2022 05h03 Atualizado há 5 horas
Enquanto os preços do petróleo continuam em alta e próximos de US$ 120 por barril, a possibilidade de o governo brasileiro decretar estado de calamidade pública teve reflexos no mercado de juros. O risco fiscal, assim, volta à cena, em um cenário de pressões inflacionárias já bastante intensas, que tem se refletido em alta consistente das taxas futuras nos últimos dias, na medida em que o ambiente atual tem dado força à visão de juros ainda mais altos e por mais tempo.
A possibilidade de que o governo decrete estado de calamidade pública no país devido à alta nos preços dos combustíveis adiciona cautela no mercado. Enquanto há, ainda, a discussão no Senado sobre a imposição de um teto à cobrança de ICMS para baratear os preços de energia elétrica e combustíveis, a incorporação de prêmio na curva de juros tem sido relevante.
Desde o início da semana passada, a taxa do DI para janeiro de 2024 subiu 0,275 ponto percentual, ao fechar ontem negociada a 13,045%. Já a taxa do DI para janeiro de 2027 ganhou 0,575 ponto, para 12,37% no fechamento.
Em entrevista à “CNN Brasil” ontem, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou que a decretação de estado de calamidade devido à alta dos combustíveis dependerá da situação do país. “Eu não vejo necessidade desse estado de calamidade atualmente, mas se chegar a um ponto de uma situação como essa, nós teremos que decretá-la. Mas eu espero que isso não seja necessário.”
O mercado, porém, voltou a embutir prêmio de risco ao longo da curva de juros, em especial nas taxas de longo prazo, que subiram com mais força. Nos últimos dias, a alta firme dos juros futuros também se deu na esteira das discussões sobre o ICMS, enquanto a inflação corrente continua pressionada e as expectativas inflacionárias de médio prazo exibem dose adicional de desancoragem.
“Vemos um esforço na tentativa de aliviar o peso da inflação para a população. Está muito clara a vontade de desoneração para aliviar a inflação e vemos isso como um movimento preocupante”, afirma Pedro Dreux, sócio e gestor macro da Occam. “Essa desoneração fiscal funciona como um impulso de demanda, estimulando a procura por esses bens, que estão em escassez. Isso atrapalha o trabalho da política monetária”, observa.
Na visão de Dreux, caso haja a aprovação do pacote que impõe um teto à cobrança do ICMS, o trabalho de desinflação do Banco Central se tornará ainda mais difícil. “O pacote pode beneficiar o número cheio da inflação e pode ter um impacto de 1,5 ponto, mas não acreditamos que tudo isso será repassado”, afirma o gestor. Ele nota que a redução do ICMS não resolveria o problema estrutural, ao mesmo tempo em que a inflação subjacente está muito elevada e que o horizonte relevante da política monetária está em 2023.
“Vemos essa medida com certa preocupação. Somos frágeis fiscalmente e estamos vendo novas medidas de afrouxamento fiscal. Não observamos uma reancoragem das expectativas de inflação à frente”, afirma o gestor. A Occam, assim, adota em sua carteira posições “tomadas” em juros, ou seja, aposta na alta das taxas, na medida em que o cenário inflacionário se mostra bastante desafiador não somente no Brasil, mas em todo o globo.
Em carta referente ao mês de maio, a Legacy Capital também revela projeções que apontam para uma inflação bastante alta, mesmo que a medida que contém o ICMS seja aprovada.
“Projetamos variação do IPCA de 8,7% neste ano e de 5,6% em 2023. A inflação seguirá pressionada, mas, muito provavelmente, já passou por seu pior momento, na métrica anual, o que tende a ampliar a perspectiva de aperto no juro real a partir desse ponto, num contexto de maior potência da política monetária”, dizem os profissionais da Legacy.
Enquanto os juros reais de longo prazo, extraídos das NTN-Bs, rondam os 6%, ações de empresas ligadas à economia doméstica têm encontrado dificuldade para sustentar um movimento de alta mais consistente. Ontem, no dia em que foi anunciado crescimento de 1% no PIB no primeiro trimestre, ações desse segmento exibiram ganhos.
Enquanto as ações ordinárias da Positivo subiram 15,33%, as da Petz ganharam 5,89% e as da Locaweb avançaram 8,73%. Para o sócio-fundador e diretor de investimentos (CIO) da RPS Capital, Paolo Di Sora, um alívio mais sólido desses papéis só virá com a reversão da política monetária. “O juro real segue elevado e tem uma correlação negativa muito grande com a bolsa. Crescimento é uma leitura de curtíssimo prazo e, quando olhamos para 2023, as dúvidas seguem”, diz.
Enquanto o dólar encerrou ontem cotado a R$ 4,7885, em queda de 0,32%, o Ibovespa fechou em alta de 0,93%, aos 112.393 pontos. A melhora no humor dos agentes em relação à economia chinesa, inclusive, tem dado fôlego ao Ibovespa. As ações ordinárias da Vale subiram 1,88%, mas, por outro lado, Petrobras ON e PN recuaram 0,93% e 0,87%, respectivamente.
“Nos últimos dias, investidores estavam mais posicionados na Petrobras, refletindo o avanço do petróleo, mas as questões políticas e um possível desabastecimento de diesel enfraqueceram a tese. A Vale, por outro lado, que havia perdido espaço nas carteiras com um ceticismo com a China, parece voltar a ganhar espaço”, afirma Di Sora.
Fonte: Valor Econômico

