Não foram triviais os movimentos do mercado financeiro doméstico na última semana. No momento em que uma crise de confiança sobre os rumos da política econômica tem afetado em cheio o humor dos agentes, a desvalorização dos ativos brasileiros teve continuidade e chegou a níveis vistos, até então, como bastante improváveis. Sem sinais concretos do governo quanto a medidas de contenção de despesas e com discursos bastante duros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao longo da semana, o mercado doméstico sofreu fortes perdas, com reflexo na dinâmica do câmbio: em apenas uma semana, o dólar subiu mais de 2% e encostou em R$ 5,60.
O mercado abandonou de vez os fundamentos e, nas últimas semanas, passou a trabalhar em cima dos riscos e das perspectivas futuras, que parecem cada vez mais sombrias. O aumento da desconfiança dos agentes em torno da política econômica ganhou força em abril, com a revisão das metas de resultado primário de 2025 e 2026, mas se agravou em junho e, em particular, na semana passada.
Participantes do mercado se mostram incomodados, em especial, com a sensação de falta de urgência do governo em tratar a questão fiscal, apesar da deterioração vista nos ativos domésticos. Na semana passada, a crise escalou, na medida em que declarações do presidente Lula assustaram investidores, que esperavam algum sinal em torno de um maior compromisso com a sustentabilidade das contas públicas. Sem esse sinal e diante da percepção de isolamento da equipe econômica em torno das ideias de ajuste fiscal, a perda de ancoragem dos ativos prosseguiu.
O comportamento do câmbio na sexta-feira foi sintomático, embora alguns movimentos pudessem ter características mais profundas. A formação da Ptax de fim de mês reforçou alguns fatores técnicos, mas a piora na percepção de risco esteve presente desde a abertura. Diante da piora sequencial da moeda brasileira nos últimos meses, alguns profissionais do mercado observaram que fundos quantitativos, que operam com base em um padrão de eventos passados, estariam reforçando a aposta contra o real, já que não há um evento que interrompa a tendência de alta do dólar no câmbio local. E esse movimento ajuda a alimentar o círculo vicioso no qual o real entrou.
Assim, na sexta-feira, houve quem esperasse uma intervenção do Banco Central no mercado de câmbio, apesar de declarações recentes do presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, e do diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, na direção contrária.
O Valor apurou com diversos “dealers” de câmbio que, no fim da manhã de sexta, diante do movimento expressivo de depreciação do real e de descolamento em relação às outras moedas emergentes, o BC entrou em contato com as mesas de operação, em uma ação habitual para entender o motivo por trás da dinâmica negativa no mercado. Isso levou parte do mercado a especular por uma atuação do BC após a formação da Ptax, o que não ocorreu. Para esta segunda-feira, está programado somente um leilão de contratos de swap cambial para rolagem.
“O mercado está perdido, perdendo absurdos de dinheiro… Nada está ajudando. O teste do mercado é, na verdade, ver como está o estômago dos ‘traders’. E aí ninguém aguenta mais e vai ‘stopando’ [encerrando posições de forma abrupta]”, diz o profissional da tesouraria de um grande banco local. Para ele, caso a dinâmica negativa continue, é possível haver uma intervenção do Banco Central no mercado de câmbio, já que o semestre acabou, assim como o período de maior fluxo de entrada.
Com o dólar próximo a R$ 5,60, as discussões sobre a possibilidade de uma retomada de um ciclo de elevação da Selic voltaram a dar as caras e tiveram efeito deletério sobre os juros futuros, que subiram com força ao longo da semana. A taxa do DI para janeiro de 2027, por exemplo, encostou em 12%, ao subir de 11,505% na semana anterior para 11,97% — um salto bastante expressivo.
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“O mercado está esperando um posicionamento bem mais forte e mais claro do presidente Lula em relação ao fiscal. Não basta apoiar o [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad; é preciso apoiar o plano. Estamos em um ponto em que o próprio Congresso deveria abraçar o plano da equipe econômica. O Brasil está sendo colocado em xeque pelos investidores, e não são apenas os locais”, diz Roberto Elaiuy, gestor de renda fixa da Kinea Investimentos. Para ele, enquanto uma resposta convincente do governo a esse cenário não aparece, “o mercado vai continuar testando os limites” de piora.
O pessimismo, de fato, não fica concentrado somente entre os investidores locais. Como o Valor mostrou na semana passada, a aposta dos estrangeiros contra o real, via derivativos de câmbio (dólar futuro, swap cambial, cupom cambial e dólar mini), alcançou máximas históricas e se aproxima de US$ 80 bilhões, de acordo com dados da B3. Além disso, traders de moedas têm notado uma piora do “risk reversal”, uma estratégia envolvendo opções, o que pode indicar que os investidores têm buscado maior proteção contra uma desvalorização ainda mais intensa do real. Há, assim, uma indicação de que a probabilidade do real depreciar ainda mais tem aumentado.
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Para o responsável pela área de macroeconomia da Vinci Partners, José Carlos Carvalho, “o ruído político tem sido muito alto” e tem atrapalhado até mesmo a melhora do fluxo cambial em junho. “O Banco Central até foi conservador na ata, mas os ruídos políticos sugerem que, no próximo ano, os juros serão baixados à força. Se, no futuro, a queda dos juros for excessiva, pode haver uma saída grande de dólares do país. E isso faz com que as pessoas comecem a fazer ‘hedge’ para se proteger desse cenário futuro de desvalorização do câmbio”, diz.
O problema dessa espiral de valorização do dólar, na visão de Carvalho, é o fato de a pressão cambial alimentar a inflação e isso se refletir na dinâmica dos juros, o que gera um círculo vicioso. “A maior parte do mercado já estava projetando a inflação a 4% ao ano, só que rapidamente o dólar foi de R$ 5,00 para R$ 5,50. Sabemos que o câmbio tem um peso de 10% na composição da inflação, então imagino que as projeções do IPCA sejam revisadas para cima, caminhando para perto de 5%”, explica o executivo da Vinci.
Um pouco desse movimento já começa a ser visto. Ainda na sexta-feira, a consultoria Buysidebrazil elevou sua projeção para o dólar no fim deste ano de R$ 5,20 para R$ 5,40, enquanto a expectativa para o IPCA deste ano subiu de 3,8% para 4,1%. Já a estimativa para a inflação de 2025 avançou de 3,5% a 3,7%, em contexto que vê o dólar a R$ 5,30 no fim do próximo ano.
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O alerta em relação aos efeitos da desvalorização cambial também é feito pelo sócio e CIO da Parcitas Investimentos, Marcelo Ferman, para quem há um abismo entre as expectativas do mercado para as entregas do governo e as soluções ventiladas para a questão fiscal até o momento. “O mercado está precisando de algo para se ancorar, do ponto de vista de expectativa. Acredito que o governo notou, mas não está conseguindo oferecer soluções à altura. Enquanto há esse abismo, o mercado local fica desancorado.”
“Vamos supor que essa deterioração no câmbio aconteça por mais tempo, puxando as expectativas de inflação. Se isso permanecer, começa a ficar difícil de achar que o BC vai conseguir ficar parado. Assim, mesmo que o governo ofereça uma solução viável lá na frente, o meio do caminho pode ser pior. Há um custo em se trabalhar com esse abismo”, diz Ferman. “O mercado começa a piorar meio que sem motivos claros. Ele quer se segurar em alguma coisa, mas não tem nada. Entra semana, sai semana, e a dinâmica continua piorando.”
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Já na visão do sócio da Panamby Capital e ex-diretor de política monetária do BC, Reinaldo Le Grazie, a medida correta para interromper essa dinâmica negativa dos ativos locais é anunciar algum tipo de corte de despesas. “Não acredito que o Banco Central deveria intervir no câmbio porque o ruído é local e se trata de um ajuste de preços ao novo cenário macroeconômico”, aponta.
Ele avalia que é mais provável que o movimento ruim dos ativos locais só seja interrompido caso medidas do governo para conter o avanço das despesas sejam anunciadas. “A lógica é que, seguindo a situação atual de gastos, sem a receita adequada, há uma pressão dos preços para cima e a inflação acaba subindo. Simples assim”, diz.
Fonte: Valor Econômico

