Depois de recordes de captação e elevados níveis de retorno no primeiro semestre, os fundos de crédito privado desaceleraram e tiveram em outubro e novembro de 2024 o pior desempenho desde abril de 2023, momento em que o mercado vivia a crise gerada pela fraude na Americanas e o pedido de recuperação judicial da Light. Levantamento feito na base de dados do Guia de Fundos do Valor mostra que somente 47% dos fundos com resgate em até 15 dias renderam acima do CDI em outubro e 19% em novembro. Já entre os que têm liquidez acima de 16 dias o desempenho foi superior, com 69% e 54% à frente do indexador, respectivamente.
A queda é reflexo da persistência dos prêmios de risco ou spreads – taxa acima do título ou indexador de referência cobrada do emissor – em níveis próximos às mínimas históricas. Segundo Fernando Marinho, sócio responsável por renda fixa e crédito privado da Valora Investimentos, diante da piora no cenário macroeconômico, os spreads tiveram em dezembro correção entre 0,2 e 0,4 ponto percentual, movimento considera saudável, mas que na prática significa queda nos preços dos títulos, com o consequente impacto nas cotas.
“Se não houver piora nos fundamentos da economia, entre janeiro e fevereiro a cota deverá se normalizar”, diz. Marinho ressalta que, com o forte fluxo de recursos dos últimos meses, os fundos de crédito estão com nível alto de caixa, que é a parcela em títulos de alta liquidez, geralmente LFTs (letras financeiras do Tesouro Nacional) ou letras financeiras de bancos de primeira linha, usada para fazer frente aos pedidos de saque. Isso, comenta, dá conforto aos gestores neste momento. “Não temos cenário de ruptura, como tínhamos no ano passado, e os gestores estão botando o caixa para trabalhar, mas com muita cautela. Ninguém está comprando com grande velocidade”, diz o sócio da Valora, que tem R$ 7 bilhões sob gestão em 15 fundos de crédito privado.
Ana Luísa Rodela, responsável pela área de crédito privado da Bradesco Asset, diz que, em outubro, o IDA-DI, Índice de Debêntures corrigidas pelo CDI da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), rendeu abaixo do indexador do mês, o que não ocorria desde abril de 2023. Com isso, o apetite pela classe acabou sendo afetado. Em 2024, porém, o índice acumulou 12,49%, frente a um CDI de 10,88%. “Apesar de sucessivos retornos positivos, o cliente ainda é sensível à cota mensal”, avalia.
Relatório da área de pesquisa do banco ABC Brasil mostra que em novembro os fundos de crédito privado, que não incluem os de infraestrutura, cujo cenário é diferente, tiveram sua primeira captação líquida negativa em 18 meses: os saques superaram os depósitos em R$ 13,7 bilhões. Em dezembro, o desempenho piorou, com R$ 24,4 bilhões negativos. No ano, encerraram com captação líquida positiva de R$ 275,3 bilhões. O banco acompanha 1.955 fundos, com R$ 2,13 trilhões de patrimônio líquido.
Como é uma classe defensiva, vai continuar atrativa, mas com maior equilíbrio”
Alexandre Muller, sócio-gestor dos fundos de crédito da JGP, cita o Idex-CDI, índice calculado pela gestora e reconhecido no mercado como uma referência do setor, que, em outubro e novembro registrou desempenho de 0,85% e 0,76%, respectivamente 0,08% e 0,03% abaixo do CDI de cada mês. No acumulado de 2024, está em 12,9% contra 9,85% do indexador. O dado de dezembro ainda não está disponível.
De acordo com o executivo, diante da elevada procura pela classe, gestores que não fecharam seus fundos para captação, como fizeram a JGP e diversas outras instituições, podem ter enfrentado dificuldade de alocação em títulos com melhor rentabilidade nos últimos meses e acumulado muito caixa. Ao mesmo tempo, prossegue Muller, outras opções, como a NTN-B (título do Tesouro atrelado à inflação), que chegou a se aproximar de IPCA mais 8% ao ano, podem ter atraído mais investidores.
Na JGP, diz ele, 90% das estratégias de crédito estão fechadas para novos aportes. “Nosso planejamento para 2025 indica apenas reaberturas pontuais para reposição de capacidade nos principais veículos e a orientação de capacidade sob demanda dos investidores mais próximos”, afirma. Já a Bradesco Asset manteve fechado um de seus fundos, o Ultra CP, e, segundo Rodela, não vê oportunidade para reabertura, por enquanto.
O estudo com base no Guia do Valor considera 135 fundos no grupo com resgate até 16 dias e 124 no que reúne aplicações com liquidez a partir de 16 dias. Os desempenhos já abriram o ano com força, como resultado da taxação dos fundos fechados exclusivos, que levaram os investidores de altíssima renda a buscarem novas alternativas. Somada à mudança nas regras determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), em fevereiro, que restringiu as emissões de letras de crédito imobiliário e do agronegócio (que vinham recebendo bilhões em investimentos), o que se viu foi uma avalanche de recursos para fundos de crédito.
A demanda acima da oferta elevou os preços dos títulos. Isso, na prática, significa que darão menos retorno ao comprador, que pagou caro por eles. Essa forte procura seguiu pressionando tanto a negociação no secundário quanto no primário, e cresceram as novas emissões com spreads muito baixos ou até mesmo zerados. Entre as debêntures corporativas, o piso foi alcançado em agosto, de 1,82 ponto percentual acima do CDI, em média, muito menor que os 2,34 pontos vistos em dezembro. Já entre as incentivadas, que são isentas de Imposto de Renda, a menor média de spread foi alcançada em setembro, 0,28 ponto, mesmo nível visto em dezembro, ainda conforme o relatório do ABC Brasil. Em novembro, a média ficou em 201 (CDI) e 32 (NTN-B).
Rodela diz que essa redução impulsionou o retorno dos fundos de crédito pelo ganho de capital, já que na prática corresponderam a aumentos nos preços dos títulos que já estavam na carteira. “Após essa apreciação dos títulos, o retorno prospectivo é mais baixo, pois o ganho de capital não ocorre de forma significativa e o spread da carteira já é mais baixo.”
Já Muller destaca que em novembro houve aumento da dispersão entre os spreads do Idex, com a média praticamente estável. “Percebemos um aumento da procura por títulos com ratings superiores a “AA-” [de baixo risco], que representam cerca de 90% do Idex-CDI, e maior seletividade com títulos de rating inferiores, coerente com a deterioração das expectativas para juros e inflação”, diz. A análise do gestor é que o cenário fiscal deve gerar mais inflação, e empresas mais competitivas têm melhores condições de repasse de preços na ponta. Rodela lembra ainda que em outubro algumas emissões não foram totalmente vendidas ao mercado, o que levou a uma reavaliação de emissores e afetou mais os papéis de prazos longos.
Agora, se 2024 foi o ano do crédito privado, como alguns gestores vêm dizendo, em 2025 não haverá tanta exuberância. Rodela e Muller acreditam em um ano de maior equilíbrio. Para a executiva do Bradesco, este tem tudo para ser um ano desafiador do ponto de vista macro. “Acreditamos que alguma correção de preços possa ocorrer pelo aumento do risco-país”, afirma. Mas ela vê incerteza no nível de equilíbrio dos spreads, já que a demanda deve continuar forte, ao mesmo tempo em que as empresas estarão investindo menos por causa do ciclo de aperto monetário. “Isso deve resultar em um nível de spread semelhante ao atual, com ajustes em emissores com balanços mais frágeis.”
Muller também espera menos emissões, com as companhias revendo seus planos de investimentos. Porém, espera um fluxo de recursos mais equilibrado para a classe. “Em termos de fundamentos, os juros mais elevados devem pressionar o número de rebaixamentos frente às elevações [na nota] de crédito.”
Para Marinho, da Valora, o crédito privado surfou um momento muito positivo que acabou gerando excessos. “Como é uma classe defensiva, vai continuar atrativa, mas com maior equilíbrio.”
Fonte: Valor Econômico