A retomada das estreias de empresas brasileiras em bolsa de valores, depois de quatro anos de entressafra, não deverá ocorrer no Brasil, com os juros altos ainda afastando emissores do mercado local. A projeção de especialistas é que a volta das ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) deverá acontecer primeiro nas bolsas dos Estados Unidos, com empresas ligadas ao mercado financeiro.
A visão é que o mercado americano será destino para empresas maiores, que conseguem fazer operações de grande porte – próximas de R$ 3 bilhões (cerca de US$ 500 milhões) – para garantir liquidez aos investidores, mantra em momentos mais voláteis.
Dentre as empresas que já começaram a se movimentar neste sentido estão nomes como a fintech PicPay, do grupo J&F, que está com sindicato de bancos contratado e já realizou o arquivamento da oferta junto à Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores mobiliários americana). O IPO é planejado para o início de 2026.
O Agibank também já fez seu arquivamento junto à SEC, conforme apurou o Valor. Outras candidatas são a fintech Cloudwalk, dona da InfinitePay, e a Wellhub (antigo Gympass). A fabricante de ovos Global Eggs (dona da Granja Faria), que tem ampliado sua receita no exterior, também já se movimentou para uma operação fora do país.
Recentemente, já houve um movimento de empresas brasileiras no mercado americano. A JBS, que está na B3Cotação de B3, passou a ser listada também nos Estados Unidos em junho. Outro que adotou a estratégia da dupla listagem foi o banco BR Partners, que passou a ter ações negociadas na Nasdaq, além da B3Cotação de B3, onde fez seu IPO em 2021. O mesmo é esperado da MBRF (fruto da união entre Marfrig e BRF). A Gol, que anunciou que não terá mais ações na B3Cotação de B3, protocolou ontem no órgão regulador americano o pedido para tentar o IPO de sua holding nos Estados Unidos. Das grandes companhias com liquidez nas bolsas americanas estão nomes como Nubank, XP, Stone, PagBank e Inter.
Mesmo com desconto [para um IPO], o múltiplo é atrativo para o vendedor”
A projeção é que ofertas de no mínimo US$ 500 milhões terão espaço para ser feitas nas bolsas dos Estados Unidos, calculam banqueiros de investimento. Alguns desses executivos estimavam que as ofertas poderiam ocorrer ainda neste ano, mas a paralisação das atividades administrativas do governo americano – o chamado “shutdown” -, que durou mais de um mês, afetou o cronograma e atrasou algumas operações. Agora, elas ficarão para o início do próximo ano, segundo uma fonte.
O corresponsável pelo banco de investimento do Bank of America (BofA) no Brasil, Bruno Saraiva, afirma que há empresas, especialmente de tecnologia e fintechs, se preparando para ofertas nos Estados Unidos, mercado que está aquecido para IPOs. O executivo diz acreditar que, antes de uma abertura no mercado local para ofertas iniciais, as primeiras ofertas de brasileiras após a atual entressafra devem ocorrer, assim, nas bolsas americanas.
Para os empresários, essa possibilidade tem crescido aos olhos à medida que ainda há pouca visibilidade sobre uma retomada do mercado local. O responsável pela área de renda variável do Bradesco BBI, George da Costa e Silva, afirma que os múltiplos das companhias negociadas nos EUA estão altos, o que torna mais atrativa uma abertura de capital em Nova York. “Mesmo com desconto [para um IPO], o múltiplo é atrativo para o vendedor”, diz.
De acordo com ele, essa alternativa tem sido analisada de perto por empresas do setor financeiro e fintechs. Costa e Silva afirma que algumas companhias que estudam abertura de capital nos Estados Unidos também têm em vista uma estratégia de fazer aquisições com objetivo de crescimento global. Com papéis negociados em Nova York, esperam ter moeda de troca nessas operações.
No mercado local, a estimativa do executivo do Bradesco é que a retomada dos IPOs fique para 2027. No ano que vem, ele enxerga espaço para mais ofertas subsequentes (“follow-on”), de companhias já listadas. Parte dessas operações virá de empresas que precisam ajustar seus balanços, mas parte virá de companhias do setor de infraestrutura que vão precisar captar para investir.
Aos poucos, a fila deve começar a andar. O sócio responsável pela área de renda variável do BTG Pactual, Fabio Nazari, afirma que há hoje três ou quatro empresas estruturando uma oferta inicial, com parte delas olhando os Estados Unidos para o desembarque. “Podemos ter um IPO, mas o primeiro deverá ser nos Estados Unidos”, diz.
Anderson Brito, responsável pelo banco de investimento do UBS BB, diz que a retomada das ofertas de brasileiras deverá ocorrer nos Estados Unidos porque no Brasil a “janela” pode demorar mais para reabrir. O executivo frisa que o olhar para as bolsas americanas está concentrado em fintechs e empresas do setor financeiro, setores em que os múltiplos estão melhores lá fora que no mercado local. “É uma escolha natural”, afirma.
Para o responsável por renda variável no Goldman Sachs, Fabio Federici, a expectativa era que já houvesse operações nos Estados Unidos em 2025, mas o “shutdown”, que atingiu também a SEC, postergou os planos de algumas companhias.
O executivo corrobora a visão de que as candidatas a uma oferta em Nova York precisarão fazer operações de no mínimo US$ 500 milhões para garantir liquidez ao investidor, mas vê um ambiente positivo. “Existe um movimento de diversificação dos investidores que está nos favorecendo”, diz.
Federici aponta que o movimento de retomada será gradual. É preciso, segundo ele, haver uma oferta com bom desempenho, que animaria outras empresas a ir a mercado. A retomada deverá, mais à frente, chegar ao Brasil, mercado que ainda aguarda início do ciclo de cortes de juros para o capital migrar da renda fixa para a renda variável.
Procuradas, as empresas citadas não comentaram.
Fonte: Valor Econômico