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Ofuscada pelo anúncio do conservador senador J. D. Vance, de 39 anos, para vice-presidente na chapa de Donald Trump, e pela primeira aparição do antecessor de Joe Biden na Casa Branca desde o atentado contra ele na Pensilvânia, sábado passado, a economia foi o tema da primeira noite da Convenção Nacional Republicana. Mais precisamente, a inflação. Orador após orador, incluindo os apresentados como “cidadãos comuns”, defenderam método simples para justificar o não à reeleição: pôr a mão no bolso e verificar se tem menos do que há quatro anos, quando Trump era presidente.
No entanto, encerraram a noite frustrados os que esperavam mais detalhes da receita de um eventual segundo governo de Trump para mover a máquina americana. Não se foi além das linhas gerais já apresentadas na plataforma aprovada semana passada. Nela, destacam-se os mesmos temas tratados pelos oradores na convenção, entre eles a diminuição de impostos sobre o lucro das grandes corporações como forma de impulsionar a economia. Também o protecionismo industrial, com ênfase na guerra tarifária, quindim da retórica populista de direita, com apelo especialmente forte em estados pós-industriais do Meio-Oeste, onde a eleição será decidida, entre eles Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, sede da convenção.
Para conter a inflação e seus efeitos, ilustrados na convenção nos depoimentos de protagonistas de tragédias pessoais, como os que não conseguiram mais pagar a hipoteca de suas casas ou tiveram de reduzir drasticamente a compra de determinados alimentos, o argumento mais forte foi o próprio retorno de Trump à Casa Branca. Por si só, teria efeito positivo no mercado, que, como apontou uma das estrelas em ascensão do partido, o governador da Virgínia, Glenn Youngkin, “viveu em 2017 e sabe que ele fará novamente dos EUA a Terra da Prosperidade”.
Rica em atitude e frases de efeito, a convenção foi escassa no anúncio de iniciativas e políticas públicas específicas para o que substituiria a Bidenomics, não indo além de promessas do tamanho de uma isenção de imposto sobre gorjetas dadas e recebidas. O aumento da produção de gás natural e o fim de restrições ambientais para a exploração de petróleo e carvão “em tempo recorde, pois teremos maioria também no Senado e na Câmara com a onda Trump”, nas palavras do senador Tim Scott, garantirá a redução de preço da gasolina e dos alimentos.
O investimento do governo Biden na produção de carros elétricos e na economia limpa foram traduzidos pela senadora Marsha Blackburn, do Tennessee, como “medidas para a elite, não para nós, o povo”. E, em uma conexão com o tema principal do segundo dia da festa republicana, segurança e imigração, defendeu-se a deportação de milhares de trabalhadores não documentados como abertura de vagas para “a classe trabalhadora americana”. O problema, dizem economistas, é que a conta não fecha. Análise do Instituto de Economia Internacional Peterson estima que o desaparecimento de 1,3 milhão de trabalhadores não documentados diminuiria a economia em 2,1% e a levaria à recessão. As iniciativas previstas na plataforma republicana aumentariam o déficit público, estimam, em US$ 5 trilhões.
A tradicional pesquisa trimestral realizada pelo “Wall Street Journal” com economistas de peso em todo o país, realizada na primeira semana de julho e divulgada no fim de semana, revelou que 56% dos 68 entrevistados esperam inflação, juros e déficit mais altos em um retorno de Trump. “O risco é real”, afirmou Bernard Baumohl, líder do Economic Outlook Group, ao jornal. Os motivos centrais são as posições do trumpismo em comércio externo, com sua promessa de taxação de 10% em produtos importados e aumento de ao menos 60% na de produtos americanos para a China, vista como “maior ameaça aos EUA” pelo companheiro de chapa de Trump.
O temor dos economistas não parece ter abalado, no entanto, o setor produtivo. Um dos combustíveis da sensação de triunfo, palpável na Convenção Republicana, é o cofre cheio da campanha. Nos últimos três meses, os republicanos anunciaram que dobraram o número total de doações. E parte importante do caixa republicano vem dos grandes doadores. Criado em maio, o Comitê pró-Trump América PAC arrecadou US$ 8,7 milhões, incluindo US$ 1 milhão de, entre outros, o CEO da Alliance Resource Parners, James J. Liautaud e o ex-sócio da Seqoia Capital Joe Craft. E Elon Musk, da X, anunciou que irá depositar um cheque mensal de US$ 45 milhões para a campanha até novembro.
Após se afastar de Trump nas semanas imediatas à invasão do Congresso, em 6 de janeiro de 2021, o setor produtivo se reaproximou dele a partir de março, quando sua unção pelo Partido Republicano como candidato do partido à Casa Branca ficou mais nítida. Com a alcunha de “o retorno dos endinheirados”, a imprensa americana revelou diálogos pouco éticos entre a campanha e executivos do petróleo.
Em jantar realizado no fim de maio, em sua casa em Mar-a-Lago, na Flórida, Trump prometeu, revelou o “Washington Post”, a 20 líderes da indústria do petróleo que, se eleito, apressará processos de aquisições de empresas e derrubará medidas de proteção ambiental aprovadas por Biden. A moeda de troca seria o derramamento de US$ 1 bilhão na campanha republicana, que nega o toma lá dá cá.
Em junho, uma reunião a porta fechadas de Trump com cerca de 90 CEOs de corporações americanas, incluindo Jamie Dimon (JP Morgan), Jane Fraser (Citigroup), Brian Moynihan (Bank of America), Doug McMilon (Walmart), Charles W. Shcarf (Wells Fargo) e Tim Cook (Apple), em evento da Business Roundtable, associação dedicada ao lobby empresarial, foi traduzido por um dos presentes, reservadamente, como a volta “aos anos dourados de 2017”, com menos impostos e regulações.
Ao mesmo tempo que critica os rumos da economia sob Biden, marcada pela alta da inflação (hoje na casa dos 3%, mas que já foi o triplo no início de seu mandato, em meio às medidas de recuperação pós-pandemia), parte estratégica do setor produtivo deseja a garantia da manutenção da Lei de Redução de Impostos e Aumento de Empregos, aprovada por Trump no “ano dourado” de 2017 e que expira no ano que vem. Democratas têm expressado seu desejo de deixar a medida caducar. Apontam que a diminuição da taxação sobre lucros das empresas beneficiou de forma desproporcional a parcela mais rica da população e aumentou o déficit fiscal do país.
Os democratas, em conversas reservadas, têm batido na tecla de que os índices econômicos do governo Biden, se considerados em sua totalidade, são especialmente positivos. E que oferecem um panorama mais seguro para os próximos anos. Mas a fragilidade da candidatura Biden e o canto de sereia de Trump, que prometeu ainda mais cortes de impostos, se refletem no vigor da campanha da oposição, certa da vitória a pouco menos de quatro meses da eleição. (*De “O Globo”)
Fonte: Valor Econômico

