Financiamento é o tema mais contencioso da COP 16, a conferência de biodiversidade das Nações Unidas que ocorre em Cáli, na Colômbia — e dentro desse tópico, o mais polêmico é o mecanismo multilateral de repartição de benefícios derivados pelo uso de informações sobre o sequenciamento digital de recursos genéticos. O nome do instrumento, conhecido pela sigla DSI, já revela sua complexidade — trata-se de dividir o que se ganhou usando a natureza, mas partindo de seu sequenciamento genético.
O Brasil tem sido ativo nesse debate. Com uma proposta construída ao longo de meses com empresas e outros ministérios – da Agricultura, Indústria, Meio Ambiente e Povos Indígenas, por exemplo —, a diplomacia brasileira tem defendido uma posição que reflita “todos os interesses da sociedade”, nas palavras de Gustavo Pacheco, negociador-chefe da delegação do Brasil na COP 16.
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O debate foi iniciado há 32 anos, quando surgiu a Convenção de Biodiversidade, na Rio 92. A Convenção tem três pilares: promover a conservação da diversidade biológica, seu uso sustentável e a distribuição justa dos benefícios que vierem de sua utilização econômica. Esta vertente nunca foi bem equacionada.
Há alguns anos, um xamã indígena poderia indicar a um pesquisador estrangeiro uma planta, da Amazônia, que utilizava para aliviar dor. O cientista levaria uma amostra da planta para um laboratório na Suíça e depois de grandes investimentos, desenvolveria um analgésico. A ideia era que parte dos lucros obtidos com a venda do medicamento pudesse ser repartida com o país dono da biodiversidade.
Com o avanço da tecnologia nos últimos anos, tudo se complicou. A sigla DSI é de Digital Sequence Information. O genoma de milhares de plantas foi mapeado nos últimos anos. O International Nucleotide Sequence Database Collaboration (INSDC) é um consórcio internacional financiado pelo Japão, União Europeia e Estados Unidos.
Nestes países e na Europa estão os grandes bancos de dados com bilhões de sequências que podem ser acessadas livremente por cientistas do mundo todo em busca de novos produtos. A origem da biodiversidade se perdeu, mas novos produtos a partir da natureza foram desenvolvidos, e os lucros nunca foram repartidos. “O que se discute hoje é uma reparação histórica”, diz Henry Novion, diretor de patrimônio genético do Ministério do Meio Ambiente.
O Brasil não quer que o novo mecanismo a ser criado gere um fundo que seja abrigado no GEF, o Global Environment Facility, ancorado no Banco Mundial. “O GEF é um fundo multilateral de assistência ao desenvolvimento, só que aqui não se trata disso. Quem irá pagar são as empresas, e possivelmente até empresas do Brasil”, diz Pacheco.
A governança do GEF dá mais peso aos países doadores — os Estados Unidos, que não são signatários da convenção de biodiversidade, têm assento garantido enquanto Brasil, Colômbia e Equador têm de fazer rodízio, por exemplo. “Não faz sentido que países doadores tenham peso maior na governança do que os países detentores de biodiversidade”, defende o diplomata.
Outra posição defendida pelo Brasil é que o pagamento de benefícios pelo uso econômico da biodiversidade não seja feito de forma setorial. “Queremos que se reconheçam as diferenças do setor privado, que o mecanismo não veja o setor privado como um bloco monolítico, e que tenha percentuais diferentes para empresas de tamanhos diferentes”, segue o diplomata. “E que preserve o espaço de competitividade para a indústria nacional”.
A jornalista viajou a Cáli, para a COP 16, a convite do Instituto ClimaInfo e da The Nature Conservancy (TNC)
Fonte: Valor Econômico