Por Adriana Cotias — De São Paulo
01/03/2024 05h02 Atualizado há 11 horas
A renda fixa mais conservadora voltou a mostrar força no Brasil em meio a dúvidas sobre em que momento o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) vai cortar os juros. O ajuste no discurso da autoridade monetária americana provocou uma revisão de preços dos ativos em geral, em fevereiro – à exceção das bolsas de Nova York.
No mercado brasileiro, houve impactos nas taxas negociadas no mercado futuro, nos títulos públicos prefixados e nos corrigidos pela inflação. O Ibovespa até buscou alguma reação, subia 3,4% até o dia 27, mas o fluxo ajudou pouco, e encerrou com o mês com alta de 0,99%, e recuo de 3,9% no ano.
Com alta de 0,80% em fevereiro e de 1,77% no ano, as aplicações pós-fixadas, atreladas à Selic, lideram o ranking de 2024, sem que nenhuma outra classe entre os ativos tradicionais bata o CDI, o juro que baliza as trocas de dinheiro entre instituições financeiras. Títulos públicos atrelados ao IPCA com prazo acima de cinco anos, representados pelo IMA-B 5+, subiram 0,51% em fevereiro, mas recuam 0,96% no ano. O referencial de papéis mais curtos levou a melhor, com alta de 0,59% no mês e 1,28% no ano. O IRF-M, cesta que reúne papéis prefixados do Tesouro, subiu 0,46%% no mês e 1,13% no ano. A inflação projetada para o período é de 1,18%.
O ano começou mal, mas não é para desistir da alocação estrutural em ativos de risco, diz Nicholas McCarthy, diretor de estratégia de investimentos do Itaú Unibanco. Apesar do adiamento do ciclo de corte de juros nos EUA, o cenário para investimentos não mudou e ele segue construtivo. Isso inclui bolsas de mercados emergentes um nível acima do neutro (o ponto estrutural), ações no Brasil (neutro), aplicações atreladas a juro real (nível 1) e prefixados (neutro).
“Em algum momento a inflação vai ceder e permitirá o corte de juros nos EUA, o difícil é saber quanto, quando, por qual tempo. Mas ao longo dos próximos 12 a 18 meses, deve ter cortes de juros em toda a curva [de taxas futuras] e permitirá que ativos de renda fixa, crédito e títulos do governo performem bem”, diz McCarthy.
Mesmo as bolsas americanas, que vêm testando altas sucessivas empurradas pelas gigantes de tecnologia, têm espaço para valorizações adicionais. Para ele, as inovações em curso são duradouras e “é difícil dizer o momento que vão atingir o pico”.
Para o mercado brasileiro, a leitura do executivo é que o Banco Central seguirá o ritmo de reduções da Selic, de 0,50 ponto percentual por reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), até uma taxa de 9,5% – dos 11,25% ao ano atuais.
“Não há, no curto prazo, espaço para acelerar até o Fed dar sinal [de corte nos EUA], vai depender de quando vai começar e em que patamar vai estar o juro no Brasil”, diz McCarthy.
De qualquer forma, o ambiente que se desenha é bom para ativos de risco, tanto na renda fixa quanto na renda variável, num ano que começou de forma geral negativo para as diversas classes, com “nenhum ativo acima do CDI”.
Mais que o mês a mês, o executivo diz que é importante olhar para a tendência e estar investido. Ele lembra que em 2023, até outubro, a carteira de ativos externos estava próxima de zero e a local rodando a 60%, 70% do CDI, e, nos dois últimos meses passou para 130% do CDI e 12% na alocação internacional, dependendo do perfil. “Quem perdeu novembro e dezembro, seja no internacional ou no local, deixou dinheiro na mesa e isso é difícil de recuperar”, afirma McCarthy.
No Brasil, a preferência é por títulos longos indexados ao IPCA, que têm gordura, assegurando juro real entre 5,7% e 5,8% ao ano. Como esse nível tende a cair ao longo do tempo, há possibilidade de ganho de capital com a estratégia.
A recomendação para o investidor na carteira local não é, por ora, estar 100% aplicado, na expectativa de alguma realização de lucros para aumentar a parcela em bolsa, por exemplo.
Na posição estrutural, o Itaú já tem um nível acima do mercado no perfil conservador, indicando uma fatia de 14% do patrimônio financeiro em ações, ante algo entre 6% e 7% dos seus pares. “É importante ter uma visão de mais médio prazo para capturar retornos extras para o portfólio como um todo.”
Para além dos títulos pós-fixados, que andam “pari passu” com a Selic ou o CDI, estratégias ligadas a juro real são uma boa alternativa para o investidor neste momento de encruzilhada monetária, segundo Helder Bassi, chefe de investimentos da gestora de patrimônio Est. “As taxas estão num nível alto e os papéis [Tesouro IPCA+] têm um seguro embutido contra a inflação se as coisas derem errado”, diz. “Sofre [oscilações] por causa da correlação com juro nominal, mas vale a pena manter.”
As correções recentes, na esteira da recalibragem do momento que o Fed vai começar a baixar os juros nos EUA, já mudaram as projeções das taxas locais. Se na virada do ano, havia negociações no mercado futuro prevendo a Selic abaixo de 9% e o diagnóstico era que não “valeria a pena correr o risco [de ficar aplicado] para não ganhar nada”, agora já há um pouco mais de prêmio nos prefixados de curto prazo. Para Bassi, é possível capturar algum ganho em vencimentos de um a dois anos.
“No longo prazo, eu não gosto [de juros nominais] porque o calcanhar de aquiles do fiscal no Brasil é uma realidade. O déficit entre 0,5% e 1% [nas contas públicas] para este ano é ok, mas para o futuro da trajetória da dívida não há segurança, isso vai continuar pressionando a curva longa [as taxas nos diversos vencimentos de contratos de derivativos e títulos públicos].”
Com essa tônica, a bolsa fica “amarrada também”, afirma Bassi. “Não que ache que vá cair, mas o ganho, sob a perspectiva que se tem hoje, não está pagando o risco, precisaria recuar um pouco mais para eu achar que tem uma relação risco/retorno razoável”, diz o especialista da Est.
Além disso, a bolsa carece de impulso mais forte do investidor estrangeiro. Embora no dia 27 o capital externo tenha ingressado com volume recorde no secundário, com R$ 1,4 bilhão, em fevereiro o saldo estava negativo em R$ 9,5 bilhões e, no ano, em R$ 17,4 bilhões. O institucional local já investiu liquidamente R$ 1,89 bilhão em 2024, e a pessoa física está aos poucos voltando, com compras superiores às vendas de quase R$ 7 bilhões.
McCarthy, do Itaú, lembra que entre 2022 e 2023, o capital externo comprou cerca de R$ 150 bilhões líquidos na bolsa brasileira. No momento em que a Selic chegar a um dígito, a tendência é o investidor local tirar dinheiro da renda fixa e comprar bolsa.
Não é porque um título é isento [de IR] que é melhor do que aquele que não tem. Tem que fazer conta”
— Helder Bassi
Bassi, da Est, também acredita que o investidor individual retome suas posições em bolsa de forma mais consistente conforme avance o ciclo de corte.
Na gestora de fortunas, o público que tinha fundos fechados exclusivos ou restritos não mexeu muito em suas posições, mas no mercado o que se vê é uma demanda maior por papéis incentivados, como as debêntures, jogando os spreads para baixo. “Não é porque um título é isento [de imposto de renda] que é melhor do que aquele que não tem. Tem que fazer conta.”
Sem muita convicção de que o Fed possa entregar mais reduções do que aquelas já expressas nas negociações do mercado de juros, e com a percepção de que no Brasil o BC está mais incomodado com a inflação, Filippe Santa Fé, gestor da Asa Investments, considera que na próxima reunião do Copom a autoridade monetária pode deixar de se comprometer com reduções adicionais de 0,5 ponto percentual na Selic, de encontro em encontro, como tem feito.
“Talvez o BC queira ficar com mais margem de manobra. Se está mais difícil de enxergar [o comportamento dos preços], vale preparar o mercado aos poucos”, diz Santa Fé.
O gestor lembra que representantes do BC têm mostrado preocupação com o mercado de trabalho e com a inflação de serviços, por isso achou por bem sair do risco de ficar aplicado em estratégias prefixadas. “A mensagem do BC não é de pânico ou que vai parar de cortar juros, mas o desejo possa ser entregar reduções até o fim do ano, talvez diminuir o ritmo. O mercado vai descobrir isso junto com o BC, precisa de prêmio para colocar risco aqui.”
De maneira geral, o gestor da Asa diz que os dados divulgados até agora não jogaram fora a premissa de relaxamento monetário pelos principais bancos centrais. “Se for só crescimento [das economias] não assusta, mas vai atrasar os cortes”, afirma. “Se a inflação nos EUA caminhar mais ou menos na direção dos 2%, se tiver visibilidade boa que está indo para lá depois de alguns meses, e sem sustos, o plano volta e talvez tenha espaço para navegar o ciclo de retirada da restrição monetária. É bom para os ativos e tem oportunidades na terra da renda fixa [os mercados de juros].”
No Brasil, Santa Fé diz que tem privilegiado estratégias relativas com inflação implícita, com os vencimentos mais longos no topo da banda da meta. É um posicionamento que casa com esse ambiente de questionamentos sobre a inflação e com estímulos que o governo pretende colocar na economia ao mesmo tempo.
Na gestão do multimercado da Asa, a carteira está fora de bolsa, no Brasil e nos EUA, com uma parcela “nanica” em China.
Os dados mais fortes da economia, no Brasil e nos, EUA tiraram de cena as projeções mais otimistas para o juro básico com o qual a economia vai rodar ao fim do atual processo de afrouxamento monetário, diz Andréa Angelo, estrategista da Warren Rena. O início mais tardio do ajustes pelo Fed pode coincidir com uma fase em que o Copom já vai estar mais perto de finalizar o seu ciclo, e “o diferencial de juros pode começar a pegar”, diz. “O BC não pode ir muito abaixo dos 9,5% que hoje estão implícitos na curva, não é 9,25% ou 9% como o mercado chegou a cogitar.”
O adiamento da redução de juros nos EUA afetou os preços das taxas locais e do câmbio, mas a moeda foi em linha com outras emergentes, lembra a estrategista da Warren Rena. “Juros altos por mais tempo é dólar forte.”
A especialista avalia que no Brasil, com a taxa de desemprego nas mínimas, dados antecedentes de atividade e impulsos de renda com a recomposição de salários e pagamento de precatórios, não dá para cantar vitória no controle da inflação. A parte mais difícil de conter, os preços dos serviços, não dão “confiança sobre a qualidade e os núcleos têm vindo com dados piores”, afirma Angelo.
Ela também espera que o BC tire a amarra do plural dos últimos comunicados, em que indicava a intenção de manter a velocidade dos cortes de 0,5 ponto nas próximas reuniões. Isso significa um compromisso com março e maio, o que levaria a Selic para 10,25%.
É um cenário que ainda favorece a renda fixa e uma má notícia para a bolsa nesse horizonte mais curto de tempo, diz Angelo.
Fonte: Valor Econômico

