Por Augusto Decker — De São Paulo
28/02/2024 05h03 Atualizado há 5 horas
Os juros ainda elevados e a inflação sob controle tornam aplicações de renda fixa no Brasil atrativas tanto para o investidor estrangeiro quanto para o local, afirma Kristen Bitterly, chefe de soluções de investimento do Citi Global Wealth. “No mercado americano nós ainda observamos retornos reais positivos, mas não tão positivos quanto no Brasil”, disse ela em entrevista ao Valor durante visita ao Brasil para evento com clientes private do Citi. “No Brasil, a inflação está sob controle e os juros ainda estão altos, então acredito que, com essa capacidade de gerar ‘yields’ [retornos] reais positivos, ainda veremos uma continuidade de fluxos para esses ambientes.”
O fluxo internacional para o Brasil, porém, também deve depender do crescimento econômico global, já que as commodities têm peso grande no mercado doméstico. “Há aspectos positivos no crescimento global, mas estamos começando a ver alguns países em recessão técnica. Imagino que isso influencie os fluxos”, afirmou Bitterly. Em documento com as perspectivas para 2024, o Citi Global Wealth projeta desaceleração do PIB global este ano, com crescimento de 2,2%, ante 2,6% projetados para 2023.
A executiva espera que o dólar se mantenha forte no curto prazo, principalmente na comparação com moedas de emergentes, como o real, mas diz que isso pode mudar entre o fim deste ano e o início do próximo. “Existem preocupações com crescimento global e uma busca por qualidade, o que deve manter o dólar relativamente forte no curto prazo. Mas não achamos que isso seja sustentável num horizonte mais longo, especialmente porque temos visibilidade que o Fed cortará juros ainda em 2024.”
Para Bitterly, o mercado de ações americano, que tem batido recordes, deve continuar recebendo fluxos no curto prazo – e a casa tem exposição considerável às ações do país. Ela enfatiza que as “magnificent seven” (Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon, Nvidia, Meta e Tesla) guiaram o rali recente. “Muitas dessas empresas têm melhoras impressionantes de resultados. Elas são apostas de crescimento, mas, ao mesmo tempo, papéis defensivos, porque geram muito fluxo de caixa livre e continuam entregando resultados”, diz.
Daqui para frente, ela projeta que os ganhos, antes concentrados nas maiores empresas, podem se espalhar de forma mais ampla para outros setores. “Nós não apostaríamos contra as ‘magnificent seven’, mas estamos avaliando oportunidades para esses avanços mais gerais.”
Para ilustrar a disparidade entre as gigantes ligadas à inteligência artificial e o restante dos papéis americanos, ela lembra que, no fim de 2023, a parcela do S&P 500 que apresentava piora nos lucros era a maior para um período de não recessão. Ela afirma, inclusive, que a recessão americana tão esperada pelo mercado acabou acontecendo, mas na forma de uma “recessão de lucros”. “Começando no quarto trimestre de 2022, sete de onze setores do mercado de ações americano já estavam com recessão de lucros. Isso só começou a mudar no terceiro trimestre de 2023”, aponta. “Acho que já vimos uma desaceleração da economia e dos lucros, mas sem uma recessão tradicional.”
“Nos EUA ainda vemos retornos reais positivos, mas não tão positivos quanto no Brasil” — Kristen Bitterly
A casa projeta que a inflação americana tem espaço para continuar caindo. Ela vê uma baixa para a casa de 2,5% no fim deste ano. Com isso, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) teria espaço para fazer entre três e quatro cortes de juros este ano, totalizando uma redução de 0,75 a 1 ponto porcentual – hoje, a taxa básica do país está na faixa entre 5,25% e 5,50%. “Sempre acreditamos que o mercado acelerou demais quando precificou cortes em março. Nós nunca acreditamos nisso, porque os indicadores econômicos continuam resilientes. Nosso cenário-base sempre foi de início em junho ou julho.”
O ambiente geopolítico, com duas guerras e uma série de eleições importantes ao redor do mundo, precisa ser levado em conta, afirma Bitterly. “Este ano, perguntamos em alguns encontros qual era a maior preocupação dos investidores, e as principais são geopolítica e eleições”, afirma. Ela acredita que os riscos geopolíticos precificados atualmente nos ativos estão apropriados em razão do comportamento dos mercados no passado.
Quanto à eleição americana, que ocorre no final deste ano, ela diz que os mercados “costumam reagir bem até setembro ou outubro, e a partir daí existe alguma volatilidade”. “Mas, no geral, não costuma haver piora generalizada somente por estarmos em um período eleitoral”, observa.
A executiva lembra que a Índia recebe cada vez mais atenção, após o bom desempenho da bolsa do país no ano passado. Bitterly vê vantagens de longo prazo no país, como uma classe média crescente e a inclusão digital da população. “Essa talvez tenha sido a principal história dos mercados em 2023, e achamos que pode ter uma duração maior.”
Fonte: Valor Econômico

