Anvisa quer determinar valor no Brasil com base em preços praticados em outros países
O governo federal planeja adotar um preço provisório para medicamentos de alto custo – como os biológicos, que chegam a R$ 13,6 milhões – até que eles sejam comercializados em um número maior de países e, a partir daí, seja possível estabelecer um valor médio. Hoje, os Estados Unidos acabam sendo a única referência, uma vez que os remédios são lançados inicialmente naquele mercado. Ali, a política de preços é livre e, consequentemente, os medicamentos são mais caros.
Essa discussão entrou na pauta do marco regulatório dos medicamentos devido à crescente judicialização, para pleitear que o Sistema Único de Saúde (SUS) cubra tratamentos, com impacto nos cofres da União.
Entre os remédios de alto custo alvo de liminares estão o Elevidys, da Roche, destinado para uma doença rara chamada Distrofia Muscular de Duchenne, cujo preço no Brasil foi estabelecido em R$ 13,6 milhões. Há ainda o Zolgensma, para atrofia muscular espinhal (AME) do tipo 1 em crianças, desenvolvido pela Novartis, que é comercializado por R$ 6,2 milhões para o SUS e por R$ 8 milhões na rede privada.
Em ambos os casos, os preços foram definidos pelo governo após várias ações judiciais em que as compras dos medicamentos tiveram de ser feitas pelos valores praticados no mercado americano, onde esses remédios já eram comercializados.
Em 2024, os tribunais receberam cerca de 70 processos pedindo a cobertura do Elevidys com preço unitário de US$ 2,8 milhões, valor praticado nos EUA, totalizando um custo de cerca de R$ 1,2 bilhão à União. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, em dezembro, o ministro Gilmar Mendes determinou o pagamento do tratamento de pacientes com liminar.
Para o Zolgensma, a Justiça concedeu, entre janeiro de 2023 e agosto do ano passado, 86 liminares obrigando o SUS a fornecer o medicamento. Juntas, somaram despesas de mais de R$ 500 milhões (sem considerar honorários e custo do procedimento médico).
Por conta desse cenário, o governo determinou uma política de compartilhamento de riscos entre o SUS e a Novartis, uma vez que o remédio não foi submetido às três etapas de pesquisas clínicas, o que deixa algum grau de incerteza sobre sua efetividade. Essa é uma situação enfrentada por todos os medicamentos para doenças raras, uma vez que o volume de casos é pequeno e não há quantidade suficiente para os estudos.
Atualmente, há sete medicamentos de terapias avançadas precificados pelo governo. “Alguns anos atrás, a gente falava dos medicamentos biológicos de alto custo, de R$ 100 mil, R$ 200 mil. Eram os mais caros. Agora, estamos falando na casa dos milhões. Como é que a gente garante a sustentabilidade dos sistemas de saúde num cenário de medicamentos com custo tão elevado para atender uma parcela pequena da população, que demanda, normalmente, os medicamentos para doenças raras?”, questionou Daniela Marreco, secretária executiva da Câmara de Regulação de Medicamentos (CMED), da Anvisa, durante evento na associação de hospitais privados (Anahp), há duas semanas.
Segundo Daniela, o que motiva o debate sobre a política de preços é sua necessidade de atualização, uma vez que foi estabelecida há cerca de 20 anos. “Temos regulação construída no momento em que o Brasil estava fabricando muitos genéricos, mas naquele momento ainda não havia uma quantidade tão grande de medicamentos de alto custo, sejam os medicamentos biológicos, os biossimilares, e agora as terapias avançadas, que não foram previstas nessa resolução em 2004”.
Para os medicamentos biossimilares, a autarquia da Anvisa também estuda mudar a cesta de países que hoje são a referência de preços. Pela política atual, o Brasil não pode adotar um preço maior do que o menor praticado em um dos nove países da cesta que é formada por Austrália, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Itália, Nova Zelândia, Portugal e o país de fabricação do remédio.